quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

अ Borboleta

Mais de 30 minutos de fogos de artifício marcaram o ínicio do ano novo. No ribombar das explosões, procurou-se afugentar os fantamas de ontem e nos fleixes e constelações vislumbrar o amanhã, que se quer radiante. E no rosto da gente que inundava a Baía de Luanda, bailava um sentimento partilhado: o da transcendência.
O estar-se vivo ainda no caminho do sonho é algo significativo, mas que o sonho de cada um ajude todos a serem felizes. Ou então pelo menos, se assim não for, que ao caminhar ou ao estacionar na berma do caminho, não ocupe a faixa toda, deixe sempre espaço para que não atrapalhe a marcha dos que perseguem a sua Borboleta da felicidade.
Lembre-se que a realidade de cada um é medida pelo tamanho do sonho.
Estamos em 2009!
Com mais paz e mais trabalho, construámos uma vida nova em um país novo!
Felicidade para todos em 2009
Viva a utopia!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Dificuldades do noticiário económico em Angola

A importância da imprensa para o crescimento económico, com incidência para o papel da publicidade, foi pela primeira vez analisada de forma profunda por Harold Adams Innis. (SANTOS, 2001, p.76)
Para economista canadiano, os meios de comunicação de massas eram como o motor do desenvolvimento económico. Mais tarde, as suas pesquisas levaram-no “a entregar à Comunicação Social a pesada responsabilidade de ser o motor da própria História”.
Esta teoria foi desenvolvida na obra “Uma história da comunicação” que serviu de base para outros três livros editados em 1950 e 1952: “Império e comunicações”, “A Tendência da Comunicação” e “Conceitos de Tempo em Mudança”.
A minha reflexão: “As dificuldades do noticiário económico em Angola”, vai no sentido de partilhar algumas experiências acumuladas primeiro como leitor, ouvinte e telespectador e depois como repórter e mais tarde como editor de economia do Jornal de Angola. Não há a presunção, no entanto, de esgotar a abordagem do tema. Mas sentimo-nos felizes pelo facto de podermos contribuir de alguma forma para a compreensão de um assunto que goza sempre de actualidade como é o exercício do jornalismo económico.
Os vendedores ambulantes inundam as ruas de Luanda. As autoridades se preocupam e os cidadãos questionam. Os cambistas de rua perseguidos aqui, ressurgem num outro lugar com o mesmo vigor e com as mesmas notas novinhas acenando às pessoas que passam. Empresas nacionais não conseguem vender a sua produção, porque as mercadorias importadas oferecem preços mais competitivos. Os industriais reclamam da cobrança do imposto de consumo às matérias-primas. Empresários queixam-se da falta de crédito bancário e ou dos juros altos. A má gestão que leva a falência algumas empresas e o crescente exército de reserva aguardando vaga na entrada dos edifícios em obras. A descoberta de mais um poço de petróleo em águas profundas, a exploração de mais uma mina de diamantes a céu aberto. A substituição das plantações de café pelas de mandioca. A greve de petrolíferos na Venezuela que baixa as receitas do petróleo comprometendo a execução do Orçamento Geral do Estado angolano. O preço do combustível que sobe nas bombas de combustíveis, o taxista que encurta a viagem e o funge que diminui no prato. Enfim, é a mão invisível do mercado!
Esses problemas, que têm a ver com o funcionamento do sistema económico, influenciam profundamente a vida de todos os cidadãos. Porque o bom ou o mau funcionamento da economia determina o grau de satisfação das expectativas dos cidadãos de um país. Por isso, é natural que as notícias sobre o funcionamento da economia gozem sempre da proximidade com o leitor, ouvinte ou telespectador. Pois são fenómenos simples que marcam o quotidiano de cada um de nós. Estão à mercê de cada um. Adans Smith tornou-se Pai da economia ao descrever o processo de produção do casaco de lã, na sua Obra “A riqueza das Nações”. Contemplou, quantas pessoas intervinham directa e indirectamente em todo processo. É processo simples e concomitantemente complexo!
Infelizmente, há dias em que notamos em todos órgãos de comunicação nacionais dificuldades para o fecho da edição, sobretudo por falta de notícias económicas. Será que faltaram factos? Não! Faltou faro para detectar e transformar em notícia questões que aparentemente estão desprovidas de qualquer valor noticioso.
Os factos económicos estão aí, precisam apenas de ser identificados.
No passado, no contexto do regime de orientação Socialista alguns factos não seriam abordáveis, senão tendo sempre como âmbito o domínio político. A economia era centralizada, o Estado era proprietário de todos meios de produção, o mercado era regulado por medidas administrativas.
As questões económicas eram sempre abordadas em páginas de política, devido ao facto de o regime político de partido único que vigorava na altura não permitir destrinça entre o noticiário económico e o político. A campanha de colheita de café, por exemplo, era visto mais como uma actividade política e não económica.
A abertura democrática verificada na década de 90 veio propiciar condições para o surgimento de publicações económicas. Existe, pois, uma relação directa entre a democratização da sociedade, a abertura do mercado económico e a cobertura da média. Assim, a liberdade de imprensa é directamente proporcional ao grau de democratização de uma sociedade.
Numa economia moderna, o Estado assume outra função: a de promover a eficiência, o equidade e a estabilidade.
Portanto, com a abertura do mercado iniciado com o SEF (Saneamento Económico Financeiro) aos meios de comunicação apresentou-se uma nova perspectiva de abordagem dos problemas da sociedade.
Vem daí o surgimento das primeiras publicações privadas como o “Correio da Semana”, “Comércio Actualidade” . O noticiário económico é algo muito recente entre nós.
O papel dos meios de comunicação na etapa actual de reconstrução nacional é reconhecidamente importante. No entanto, “a qualidade das informações continua ainda desigual: informações abordadas com superficialidade, notícias divulgadas a partir da Press House. Informações reproduzidas sem no entanto, se ter o conhecimento do contexto em que as mesmas foram produzidas, facto que inclusive, leva ao questionamento da liberdade de informação económica. As informações destinadas aos consumidor não lhes são adaptadas. ”(AMARAL, 1978, p.111).
As principais dificuldades do jornalismo económico são as seguintes:

1- DIFICULDADES INTERNAS:
- Existe dificuldade na definição do que é matéria de economia, de política e ou de social. Por exemplo, os critérios da Angop são diferentes aos do Jornal de Angola. (Camponeses que recebem enxadas no Kwanza–Norte, o Governo que promete pagar a dívida pública através de títulos, ou trabalhadores de uma fábrica que entram em greve?) Qual destas matérias deve ir para a página de economia. Temos consciência que os critérios não são estanques, mas a tendência crescente da segmentação leva a que se preste mais atenção na distribuição dos conteúdos. Não é aceitável, por exemplo, que uma matéria de economia vá para a página de polícia apenas pelo facto desta não possuir material noticioso para fechar a edição.
- Alguns jornalistas ainda pensam que fazer parte da editoria de economia ou escrever economia é como ser colocado no guichet de um banco para receber dinheiro. Para estes, editoria de economia tem a ver com facturamento, “valores” como se diz, na gíria. As matérias feitas por encomenda cabem nesse capítulo. Cada dia é crescente o número de publireportagens embaladas como notícias. Isso, não é vender ao público gato por lebre?
- Falta de sectorização dos repórteres. A especialização marca a nova tendência dos meios de comunicação. Alguns dos repórteres escrevem sobre tudo. Escrevem economia, social, política, enfim são generalistas. Por mais competente que o repórter seja não escreve com tanta propriedade sobre todos assuntos. Constata-se que alguns jornais ainda não têm repórteres fixos em editorias. Por outro lado, a tendência da maioria dos repórteres do nosso país é escrever sobre assuntos da página Geral. Dizem ser mais fácil.
- Um outro problema tem a ver com o uso de termos técnicos de difícil acesso para o público. Isso é uma prática que afecta todas as áreas do jornalismo. O “tamodismo”(Tamoda é personagem de um livrodo escritor Unhenga Xito, que paralhava a plateia com o seu português retirado do diccionário) tem vários adeptos.
- Estrutura das redacções. Importa definir correctamente qual a estrutura que permite tornar o órgão de comunicação mais produtivo. A cópia de modelos não é a melhor opção. As vezes estruturas pequenas e menos complexas têm melhor funcionalidade e economizam tempo e recursos humanos e materiais, do que as complexas e pesadas. Qual seria a melhor estrutura para as empresas de comunicação angolanos? É um desafio que devemos vencer.
- Falta de matérias investigativas - Denuncismo dos meios de comunicação, sobretudo privados, os levam a divulgar informações sem a cuidadosa investigação. Existem vários temas que serviriam para serem investigados: por exemplo: especulações sobre escândalos financeiros, corrupção, más condições de trabalho em empresas, transparência ou não em contratos e concursos de adjudicação de obras etc, etc. Agora, o problema está na investigação. Depois de anos de silêncio, é natural que, concretizada a abertura democrática, o cidadão queira ver denunciados aspectos, que em seu entender são responsaveis pela sua insatisfação. Mas o jornalismo responsável não deve embarcar na Calúnia, na difamação e na injúria. É preciso publicar informações sustentadas por provas documentais. Assim estar-se-ia a contribuir mais para a transparência e a democratização da sociedade. Nada de alarmismos. Por isso, a especulação não é a melhor escola. Com um pouco mais de profissionalismo é possível publicar-se matérias investigativas de boa qualidade e evitar-se-ia o constragimento de ver a impresa sentada no banco dos réus.
- Falta de pautas originais: É um mal que enferma a imprensa angolana. O noticiário económico anda muito preso ao press release, ou a conferências de imprensa. Será preciso sair do noticiário institucional e partir para a elaboração de pautas originais. As queixas de falta de acesso às fontes podem ser contornadas buscando temas mais atraentes fora dos ministérios e empresas públicas. A maioria dos repórteres saem à rua sem pauta. As pautas devem ser elaboradas diáriamente em reunião de pauta (no caso dos jornais diários, rádios e TV). Importa também pautar os correspondentes das províncias. Muitos deles andam desorientados, sem saber sobre o que escrever. O que é que o correspondente do Kuando Kubango, por exemplo, vai escrever para ser noticiado nas páginas do jornais editados em Luanda? Isso implica um outro desafio: o da regionalização dos meios de comunicação. Ainda sobre a pauta. O ideal é que cada repórter desenvolva suas próprias pautas. Coisa que entre nós ainda é visto com certa reserva. Escrever duas matérias sobre o mesmo assunto, levanta-se logo a suspeita de promiscuidade com a fonte. Lá vêm as insinuações: “quanto é que te deram?”
- A complexidade dos textos: Alguns leitores recusam-se a ler as páginas de economia, sobretudo quando os texto são herméticos devido ao uso de muitos termos técnicos, alguns deles, quiça, desconhecidos para o jornalista. Não se orienta o consumidor através de projecções e de tendências de mercado. Raramente aparecem tabelas, gráficos e infografias para ilustrar as matérias facilitando a compreensão do leitor. A informação é remetida ao leitor sem os seus antecidentes históricos.
Tudo tem que ser doseado: “Excesso de números e estatísticas esconde uma falta de ponto de vista, de foco, sobre o que se quer mostrar”(BASILE, 2002,p.13)

2- DIFICULDADES EXTERNAS
- Algumas fontes ministeriais e empresarias desconhecem como funcionam os meios de comunicação; ainda vêem a imprensa como uma intrusa e perigosa; (Alguns assessores de imprensa ao invés de facilitarem o trabalho dos jornalistas atrapalham ainda mais o trabalho da imprensa. Aliás, alguns são verdadeiros porteiros).
- Ainda é incipiente a prestação de conta sobre os negócios desenvolvidos! E isso, não diz respeito apenas aos negócios públicos. Por exemplo: uma empresa privada angolana havia realizado uma conferência de imprensa com todos órgãos de comunicação anunciando a criação de uma fábrica de electromésticos e motorizadas. Prometeu empregar mais de 3 mil trabalhadores. Um ano depois, procuramos saber como estava o projecto. A resposta foi, “esperem até que a gente vos volte a chamar”.
- Quanto a falta de transparência nos negócios. Recentemente procuramos uma concessionária de automóveis e manifestamos o desejo de saber como ia o negócio, já que a mesma inundava a TV com vários clipes. A resposta: “Não estamos interessados em falar sobre os nossos negócios com o senhor jornalista”.
- Falta de divulgação de dados actualizados sobre o desempenho da economia. Por exemplo qual é o índice de desemprego? Isso para citar apenas um indicador.
- A quase ausência de economistas a abordar em coluna de jornal e com regularidade aspectos da nossa vida económica. Especialistas a analisarem com profundidade situações sobre o funcionamento da economia angolana. Queixas sobre a falta de espaço para o exercício do debate não colhe.
- Questões de grande alcance geral, o Orçamento Geral do Estado, a lei de finanças públicas, a modernização das Finanças Públicas, a dívida pública, a balança de pagamento, os juros que o Estado paga pelos empréstimos, tornam-se “notícia” apenas no período da discussão para a sua aprovação no Conselho de Ministros e ou na Assembleia Nacional. Depois saem das páginas e caem no esquecimento.
- Falta de senso crítico. E o mais caricato acontece nas famosas cerimónias do fim do ano de ministérios e organismos públicos: Em todos eles o “BALANÇO É SEMPRE POSITIVO! Há casos em que durante o ano a imprensa divulgou informações sobre o mau desempenho de alguns deles, como entender o “balanço positivo”?
Portanto, eis algumas regras práticas para o jornalista económico extraídas do livro de Furio Colombo “Conhecer o jornalismo hoje”:
- A notícia não é um pormenor. É um todo. É importante procurar ver sempre esse todo.
A notícia não está quase nunca no facto específico que nos é mostrado. Na melhor das hipóteses, este constitui um lado, uma ponta, um sintoma, um dado de qualquer outra coisa.
Raramente a notícia se forma no local onde parece ter-se formado. Raramente chega na forma de um fruto maduro, como uma dádiva da Natureza. A missão é, ao invés, procurar percursos e segui-los até encontrar o ponto onde o acontecimento tem origem.
Quase sempre um facto económico é proposto com a sua interpretação. Raramente a interpretação proposta é a mais credível.
A maior parte das notícias económicas é como as da moda e do espectáculo. Chegam acompanhadas não só da informação, mas de materiais ilustrativos.
A maior parte das notícias económicas chega ligada a um nome. Existe uma constelação pequena e brilhante destes nomes que dominam o firmamento das notícias económicas e o iluminam. A maior parte dos equívocos formam-se aqui, quando o jornalista usa aquele nome como chave de leitura, para si próprio e para o leitor.
Também a desinformação chega com um nome. Mais uma vez, a presença louvada ou condenada do nome deveria constituir um bom sinal de alarme.
Antes da explicação de cada notícia, o jornalista de economia deveria apresentar uma perspectiva do campo que está explorar, apresentando a sua própria chave de leitura (o que pensa do produto, da utilidade do mesmo, que preconceitos tem em relação a aquele campo, sector ou empresa específica e por que razão).
O mundo económico está dividido em campos, por vezes em contraste dramático entre si, outras vezes ligados a sectores editoriais. Indispensável evitar tomar partido.
O jornalismo económico tem a missão de contribuir para o bem estar dos cidadãos, apoiar a democratização da sociedade e lutar pela gestão transparente e racional dos recursos. Enfim, denunciar e combater os crimes contra a economia.
Os conflitos marcam a vida económica, por isso, não basta apenas divulgar factos, pois essa tarefa é bem executada pela publicidade, importa questionar o por quê? As causas são muito importantes para a compreensão do facto.
Ainda como diz Colombo, um jornalismo que aceita viver com a memória curta dos factos tal como eles se apresentam num determinado dia e com a versão que deles foi dada pelas fontes interessadas, é um jornalismo mutilado que se coloca nas mãos das partes em conflito!

Bibliográfia:
i. AMARAL, Luiz. Técnicas de Jornal e Periódico. 3 ed.Biblioteca Tempo Universitário. Editora Fortaleza, 1982.
ii. ALMEIDA, Rosa, VAZ, Joaquim. Comunicação e Difusão. Plátano Editora, Lisboa, 1995
iii. COLOMBO, Furio. Conhecer o Jornalismo hoje. Como se Faz a informação. Editorial Presença, Lisboa, 1998.
iv. CRATO, Nuno. Comunicação Social. A imprensa.4.ed. Editorial Presença, Lisboa, 1992.
v. SANTOS, José Rodrigues dos. Comunicação. Lousanense. Lisboa, 2001.



OBS: TEXTO PUBLICADO EM 2003 NO JORNAL DE ANGOLA E INCLUÍDO NO LIVRO "INQUIETAÇÕES DO JORNALISMO" DE AUGUSTO ALFREDO, PUBLICADO DIA 3 DE MAIO DE 2008, NO DIA DEDICADO À LIBERDADE DE IMPRENSA.

SILÊNCIO MAGOADO DOS REPÓRTERES

Prólogo: O caudal do rio invadiu as margens, porque os homens inundaram o leito de lixo!

O insólito conquistou a audiência em todos os meios de comunicação. A notícia, um verdadeiro “fait divers*”, explodiu como fogo de artifício numa noite escura. “Avião Boeing 727 desaparece do aeroporto de Luanda”. O ineditismo, a surpresa, a curiosidade e as repercursões do facto, noticiado em primeira mão pela Rádio Luanda, tornaram fácil a escolha da manchete do dia.
Era a segunda vez, em menos de um mês, que uma aeronave monopolizava a atenção da opinião pública, ainda mal refeita da indigestão da razão da força americana no Iraque. E as armas químicas?
Depois da tomada de Bagadad, os noticiários refugiaram-se na sua “rotina”: pedofilia lusitana, atentados, conflitos, terramotos, assassinatos, corrupção, acidentes, sequestros, refugiados, desabrigados, fome, investimentos, inflação, falências e outras mesmices feitas suites para revalorizar localmente factos distantes.
No Zaire, uma aeronave, em pleno voo abriu a rampa e despejou os seus ocupantes. Mas desta vez, não foi acidente, apenas um avião desapareceu, misteriosamente, do aeroporto e nenhuma autoridade deu conta. Um plano criteriosamente preparado, e, diga-se, com um cordão grosso de cumplicidades, eleigeu o dia de domingo para a realização da operação. Talvez porque nesse dia, quem devia cuidar da segurança do aeroporto estava algures na praia ou numa profunda soneca depois de uma noitada luandense.
Era dia da África e véspera da conferência que iria debater, em Luanda, o incentivo ao turismo africano. “Turismo, a indústria da paz, vai contribuir para o combate à pobreza”, diz-se. E, curiosamente, da agenda constavam temas como a subvenção das passagens aéreas e a melhoria da segurança e a abertura das fronteiras dos países. Muita coincidência, não?! O avião foge de Luanda e nenhum país vizinho também viu passar!
Se para os editores foi fácil, segunda-feira, achar a manchete, mas não se dirá o mesmo da escolha da fotografia ou imagens para ilustrar o texto. Por incrível que pareça, é difícil conseguir fotografar ou filmar as aeronaves ou o movimento de passageiros, no “Aeroporto 4 de Fevereiro”, porque quem de direito alega sempre questões de segurança.
Os fotógrafos e câmaras queixam-se das dificuldades, dizem que é preciso um documento para ser autorizado. E quanto tempo de espera? Isso ninguém sabe.
O Jornalismo tem uma caractarística que o torna incompatível com burocracia, por isso a opção é buscar imagens de arquivo. Até mesmo para matérias que eram do interesse para a promoção de imagem da Enana, como a remoção de aeronaves avariadas que ocupavam espaço no aeroporto, a ilustração foi feita com aviões de arquivo. E era sempre assim. Toda vez que a matéria falasse de aviões nacionais, ia-se ao arquivo e sacava-se os da TAAG. Até que a companhia aérea nacional, preocupada também com o seu prestígio, perdeu a paciência e disse: basta!
O Gabinete de imprensa enviou uma nota de protesto. Depois disso a alternativa encontrada foi buscar aviões na Internet e pedir à arte para dar um jeito que evitasse mais complicações com as companhias a que pertencem. No arquivo digital, foi criada uma pastinha com capa amarela. Código: aviões alheios! Os aviões estão tão bem guardados, para evitar que alguém os roube.
Terça-Feira, 27 de Maio, os leitores, ouvintes e telespectadores cobram mais informações. A notícia ainda está fresca e pedia outros desenvolvimentos, feacture**. É preciso seguir o facto, as suas implicações e repercussões. Não basta noticiá-lo apenas. Elaborou-se a pauta: Fontes(A, B e C) Quais são as circunstâncias em que o Boeing desapareceu? Quem devia cuidar da segurança do aeroporto e das aeronaves? Quem pilotou o avião, se for estrangeiro em que circunstâncias entrou para o país e onde esteve hospedado? Quem abasteceu de combustível o Boeing e quando? A torre de controlo viu ou não? Se viu, a quem comunicou e qual foi a resposta? Hora da partida do avião e qual foi a direcção seguida! ... se haverá inquérito e quanto tempo durará? e etc, etc.
A repórter seleccionada, entre os mais aguerridos, partiu para a luta corpo-a-corpo, ansiosa em obter mais informações.
Ao cair do dia, regressou exausta e pelo semblante adivinhava-se: o saco vinha vazio de notícias, mais cheio de queixumes! As fontes “fecharam-se em copas”. Entre nós, dar a cara é coisa de telenovela!
O editor exige, o público pede, mas as fontes não falam. A vontade é não mais voltar à redacção para evitar os “desabafos” dos editores. Fica-se um dia inteiro em posição de espera, regressa-se de mãos vazias e, as vezes, a pé ou de candongueiro, porque o carro teve outras prioridades. Ou simplesmente se esqueceram. Volta com lábios secos, com fome e, frequentemente, quando ainda o dia do pagamento não vai distante, procura biscoitos e refrigerantes em supermercados da baixa luandense.
Ao ver a repórter chegar, o editor levanta-se e vai ao encontro. Tal como se recebem os guerreiros depois de cada batalha. – Como foi a caçada?
A repórter, aproveitando a brecha que o avião abriu na defesa do editor, ataca a queima roupa. Abre o livro de reclamações, queixa-se das fontes e dos editores, maldiz o silêncio daqueles e a arrogância destes, que mal digerem as justificações. Para ela, «alguns editores são egoístas e estão apenas obcecados com a hora do fecho, o tal fluxograma, e com a publicação da notícia! Muitos até se equeceram que já foram um dia repórteres e voltarão a sê-lo, quando pisarem, quiçá, em alguma cascas de banana . E aí, quando nas areias quentes do deserto, vão saber o que é fazer jornalismo nas nossas condições! A eternidade é apenas recomendada aos deuses! A consciência da finitude da vida humana devia inspirar à generosidade e justiça para com próximo.»
O rosário forma longa espiral de lágrimas. Mas a repórter aproveita a rara oportunidade, não esmorece e avança. Agora ataca pelo flanco. “Somos nós quem vai no campo da batalha, enfrentamos todos os horrores, mas na hora nem somos ouvidos. O nosso texto é, as vezes, cortado injustificadamente. São arrogantes, sim! Cortam sem pestanejar! Textos são engavetados por preguiça de alguns editores, que, não raras vezes, chegam tarde à redacção. E depois exigem que o repórter tenha que assitir à edição do texto! O repórter está no turno da manhã, terá que esperar até às 16 ou 19 horas? Repórter não sugere título! Pois, a gente não sugere, porque raramente a nossa sugestão é aceite. Alegam sempre que o mesmo tem mais batidas do que o recomendado pelo projecto gráfico e blá blá blá... Mas vai ver a opção, chega a ser um parágrafo inteiro. Alteram apenas por alterar. Se for para piorar, melhor deixar-se assim como está! Aliás, mudam o título sem entenderem sequer o lead, porque também foram fisgados pelo MSN. Nas redacções, não há lugar para os repórteres se sentarem e disputam os poucos computadores disponíveis! Dizem que nós não elaboramos sugestão de pauta. Quando o fizemos somos acusados de promiscuidade com a fonte! Estamos proibidos de escrever mais de uma vez sobre o mesmo assunto, senão surgem as insinuações. A especialização ainda vai demorar. Querem bons textos, mas não olham para o nosso drama. Nós construímos o vosso prestígio. Fazemos o melhor, mas nunca ouvimos uma única palavra de carinho, um elogio. Nunca! Apenas reclamações e incriminações! Como a corda sempre rebenta do lado mais fraco, sempre somos os culpados! Meu Deus, será que estamos a pagar alguma promessa? Tudo que sai mal é culpa do repórter. O que sair bem, as honras são do editor. Tem razão quem diz, o mal é órfão e o bem tem fila de padrastos”.
Ofegante, a repórter pára, bebe o que sobrava do refrigerante, recobra energias e desculpa-se. – Estava nervosa!
- Não adianta desculpar-se, tens toda razão! Eu partilho da mesma opinião. No espaço que lhe está reservado, deves escrever 30 linhas, a justificar a falta de mais informações sobre o paradeiro do avião! Porque o público exige que o informem. Ele não quer saber dos nossos problemas, deseja ter notícias frescas todas as manhãs! Nós somos servidores do público. Cada um tem que fazer a sua parte! Esse é o compromisso que assumimos ao sermos jornalistas e sobretudo aqui! Menina, diga, aonde está o avião? - (...) Já viram o meu azar!!!?
Estou a vir, ainda!



OBS: Texto publicado em 2003 no Jornal de Angola e incluído no Livro do Autor intitulado "Inquietações do Jornalismo" lançado pela Editora ZILA aos 3 de Maio de 2008.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Amor+ +Paz

No campo, cedinho, as crianças conhecem o perfume de várias flores. Para elas, todas são iguais até que a sistemática despótica se encarrega de as separar por grupos e classes. Contrariadas as crianças aprendem, mas guardam para si o segredo do amor das abelhas: Na natureza, não há flores silvestres, há apenas flores.
Porque o doce do mel não é feito do polén de flores de uma única espécie.
Busque doçura na diferença.
Em 2009, Cultive +amor e +paz!

Votos de Festas Felizes
e um Ano Novo cheio
de prosperidade!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

ई MUXIMA!

Foi um tremendo susto seguido de um silêncio vazio e sem amparo,feito náufrago arrastado pelo caudal do destino. A mania de ler o jornal de trás para frente acabou por reservar-me uma surpresa desagradável. Nem sei de onde adquiri este hábito, talvez seja dos tempos em que o Jornal de Angola trazia Banda Desenhada na última página…Zito Mabanga & companhia, talvez. A verdade é que o mesmo perdura!
Sabia que o jornalista Orlando Bento já não gozava de boa saúde. Andava fragilizado, doente. Mas torcia e acreditava que ele fizesse, no último instante, um esforço para driblar os males que o perseguiam.
Quando cheguei ao Jornal de Angola, ele era Chefe de Redacção. Ainda me lembro da nossa primeira conversa. Ao passar, cruzamo-nos num dos pequenos espaços que separavam as editorias: és tu o Augusto Alfredo? – Sim Chefe! – Vem cá! - Disse num jeito amável como se fôssemos amigos de longa data, que procuravam uma mesa de bar para colocar as fofocas em dia...
E sentamo-nos. Numa fala mansa, avaliou o meu desempenho e aconselhou-me a continuar a trabalhar na mesma ceara. – Eu confio em ti! – Disse ao apertar a minha mão.
Desde aquela data, sempre que tínhamos oportunidade falávamos sobre jornalismo. O jornalismo e a guerra. Jornalismo e a Paz. O Jornalismo e a democratização. O jornalismo e a reconciliação do país. O jornalismo e a reconstrução do país. Eram temas que manifestavam o amor que possuía em relação à profissão e ao país. Depois que passou a morar no bairro da Samba, algumas vezes à noite, íamos juntos. E a conversa não era diferente. Tudo gravitava em torno do Jornalismo e a forma deste contribuir para o engrandecimento do país. Orlando Bento era simples, calmo, humilde e pouco barulhento, comportamento típico de gente que acumulara experiência nas cadeiras da vida. Despido de vaidades que corroem os laços da amizade e da sinceridade. Ele era camarada sem qualquer máscara.
O Orlando Bento partiu. Na fila silenciosa do cemitério, seguiam familiares, antigos colegas e amigos com que partilhou momentos de alegrias e tristezas.
Na memória, ele continua eloquente e comprometido com os ideais pelos quais viveu e se bateu a vida inteira: basta reler um dos seus últimos textos...!


O Papa, os angolanos e a paz
Orlando Bento

Os angolanos continuam apostados na reconstrução, com os olhos virados para o desenvolvimento.
Com Angola estão também muitos parceiros. Bom mesmo foi saber, por exemplo, que o Papa Bento XVI invocou a benevolência de Deus sobre Angola para que cada um contribua para a paz alcançada há cinco anos. O Santo Padre pede perseverança na obra de reconciliação dos corações que ainda sangram com as feridas da guerra. O gesto da autoridade religiosa é sustentado pelo pedido a Deus para dar voz ao povo e assim instaurar-se uma autêntica vida em democracia no país.
Melhor ainda foi saber que o Papa se manifestou alegre com as obras de reconstrução nacional em curso, recordando às autoridades religiosas e civis a obrigação de privilegiar os pobres nas suas acções.
Bom também foi saber que o Sumo Pontífice saudou a predisposição do Papa Paulo V, que há 400 anos se mostrou favorável à recepção de uma representação da embaixada do Reino do Congo guiada pelo primo do rei Álvaro II, também conhecido por Dom António Manuel Vunda e que os cronistas romanos cognominaram “o Negrita”, considerado como sendo o primeiro embaixador negro de um reino cristão africano.
Há outros sinais que dão indicações de que o país está a crescer. Assim é que deve merecer registo o facto do Governo considerar positivo o balanço do Programa de Melhoria e Aumento da Oferta dos Serviços Sociais Básicos às populações, referente ao ano passado. Está em curso o alargamento de uma rede de supermercados que, em todo do o país, vai certamente resolver o problema de abastecimento de bens de primeira necessidade a muitas pessoas. Há, de resto, o conhecimento da execução física, financeira e dos resultados e impacto dos projectos constantes dos referidos programas.
É também um facto a construção e a recuperação de infra-estruturas administrativas ao nível das províncias, municípios e comunas e outras ligadas à estratégia global para a urbanização e promoção da habitação social. Importante ainda é saber que se prima pela harmonia no quadro de muitos processos em curso. Assim é que, para além da necessidade da satisfação de serviços básicos à população, cuida-se igualmente da recuperação dos principais troços rodoviários e da aquisição, pelas províncias, de medicamentos e outros bens. O que se pode exigir agora e esperar de todos os agentes activos é a comparticipação que ajude a materializar muitas outras acções, para que os benefícios sejam os requeridos. As igrejas, com tradição na comparticipação a que fazemos referência, costumam corresponder normalmente com a realização de muitas acções de carácter social.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Canto da saudade

As "Memórias precoces" já estão na rua. É sempre grande a satisfação de partilhar a nossa obra com os leitores. Aos olhos do público, elas são mais adultas do que nos parecem, talvez por isso sejam precoces. No dia do lançamento, eu estava entre dois ilustres Deputados à Assembleia Nacional: Roberto de Almeida, que assinou o prefácio, e o Deputado e jornalista Adelino de Almeida, que assumiu a apresentação do livro. Meu amigo, o sociólogo Paulo Carvalho, que fez o posfácio ficou na plateia como os treinadores na bancada incentivando-me, empurrando-me para o golo.
Eu estava naturalmente feliz, radiante! Era uma ocasião sublime... Faltaram muitos amigos, mas nas clareiras avistei uma enorme multidão. E ouvi as canções que exaltavam à coragem e ao patriotismo. Eram vozes de gente intrépida que marchou, lutou e muitas delas tombou no campo de honra para que Angola fosse hoje um país livre, independente e pacificado.
Faltavam 3 dias para o 11 de Novembro de 2008. Dia seguinte, domingo, parti sozinho para o Sumbe e ao avistar os cenários descritos na obra, chorei. Chorei de saudade, pelos ausentes, de gratidão, pelos que sacrificaram as suas vidas em defesa da pátria, e de alegria por poder trazer à ribalta gente humilde perdida na poeira da luta de todos os dias.
No dia de lançamento, Sábado, 8 de Novembro, choveu em vários bairros periféricos de Luanda. O mesmo ocorreu no Sumbe e Gabela no dia 11 de Novembro. Incrível, até a natureza não quis ficar indiferente!

sábado, 15 de novembro de 2008

A auréola de Roque Santeiro

Na pequena sala, amontoava-se toda a vizinhança e as luzes cintilavam na tela. As donas de casa rabujavam devido as pessoas que se assentavam sobre os espaldares das poltronas deixando estragos na modesta sala.
Os aparelhos de TV contavam-se pelo número de antenas no tecto das residências. Era luxo! No interior do país, a guerra subia de intensidade e o número de vítimas crescia a cada emboscada ou ataque. O país agitava-se na incongruência de um conflito que teimava em fazer de refém o destino de milhares de angolanos.
Na sequência, as cidades recebiam novos inquilinos rurais, que encontram na TV o que os contos lhe proporcionavam em suas aldeias de origem. Percorreram quilómetros a pé porque queriam fugir da morte. Deixaram para traz as plantações e as suas aldeias. Comprar quizaka, banana, abacate, rama-de-batata e mandioca era coisa que os entristecia. Os dias e as noites eram melancólicos, perturbados por lembranças e saudades. A saudade é um sentimento avassalador e antropófago. Devora, definha energias humanas. Estavam na cidade, mas o pensamento vivia algures no campo. A omnipresença é um exercício que quebra os limites da lucidez. Para não se estar a deriva, era preciso algo. Algo que justificasse a continuação da vida mesmo com os solavancos da estrada.
Então, à noite, Roque Santeiro animava os espectadores. Estes seguiam as cenas em silêncio. As ruas ficavam desérticas e os encontros amorosos retardados ou adiados por conta do episódio. No bairro Rocha Pinto, uma residência foi assaltada por meliantes e o proprietário, natural do município da Quibala, foi assassinado. A viúva e os filhos levados para algures. Os bandidos chegaram com um camião e carregaram tudo, mas a vizinhança não se apercebeu, porque era hora do Roque Santeiro.
A telenovela Roque Santeiro era um drama realista que repousava o seu enredo na problematização social. Fez de problemas sociais o tema central do debate. Durante o dia, não se falava em outra coisa.
A extravagante viúva Porcina, com os seus vestidos brilhantes, o arrogante Sinhôzinho Malta, com sua pulseira de ouro, cativavam a audiência. Todos torciam para que Roque Santeiro voltasse à Asa Branca e curasse os seus moradores dos males de que padeciam. Mas a sua presença iria levar à falência os negócios da cidade construída a custa do mito. Roque volta, mas não fica em Asa Branca, porém ficou na memória colectiva de espectadores. Cada um murmurava uma nova canção:
“Dizem que Roque Santeiro/Um homem debaixo de um sonho/Ficou defendendo o seu canto e morreu/Mas sei que é ainda vivente/ Na lama do rio corrente/Na terra onde ele nasceu/.
Mal a telenovela terminou, Luanda encheu-se de suas medalhas. Os mercados Roque Santeiro, Asa Branca, Pousada do Sossego… Rua da Lama… Zé das Medalhas.
O mercado Roque Santeiro é a maior bolsa de negócios de Angola. A aura do mito perdura e a profecia de Beato Salú, confunde-se com realidade. O pai de Roque Santeiro, bem na ponta do desenlace da trama antecipou-se à realidade.
“Ano de 1990, vai haver muito pasto e pouco rasto. E só um pastor e só um rebanho. No ano de 1991, vai haver muito chapéu e pouca cabeça. No ano de 1992, a água vai virar sangue e vai chover uma grande chuva de estrelas. Aí vai ser o fim do mundo”.
Em 31 de Maio de 1991, foi rubricado em Bicesse, Portugal, o Acordo de Paz entre o Governo angolano e o movimento rebelde, a Unita (União para a Independência Total de Angola) dirigida por Jonas Malheiro Savimbi.
Em Outubro de 1992, depois das primeiras eleições multipartidárias ganhas pelo partido governista, MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), a Unita recusou os resultados e reiniciou o conflito, o mais violento que a história angolana registou. Milhares de angolanos, que acreditavam na paz, tombaram nas ruas das cidades atingidos pelo fogo cruzado.
O barro sagrado das margens do rio ainda mitiga a dor das chagas. Roque Santeiro é gracejo na melancolia, estrela na noite, sinal vital, sobrevivência, esperança!

Cada um com sua âncora!

Era uma tarde de domingo. Brisa amena assinala a normalidade do ambiente e transmite um ar de romantismo próprio do sol ponte. O que destoava da paisagem era apenas uma coisa. Um homem, feito espantalho, cambaleando de lá para cá e de cá para lá.
Em sofrimento, caminhava errante no Calçadão da Avenida Marginal, enquanto atletas do fim-de-semana procuravam desentorpecer os músculos, afugentado o miúdo reumatismo ou a obesidade agasalhada pelas mordomias da modernidade.
O homem batia-se contra a lei da gravidade. Após um tropeço no seu próprio dese-quilíbrio, correu em meia haste e abraçou um poste de iluminação pública. Azar! Era o mesmo poste que, na madrugada, havia amparado um Nissan evitando que o mesmo se atirasse ao mar. Olhou ao redor com desconfiança e retomou o caminho murmurando em revolta seus pensamentos confusos.
Um casal de namorados afastou-se assustado e olhou de soslaio para o homem alto e fragilizado pelo álcool. No silêncio, uma inquietação persiste: como um pai de família, vestido de calça social, camisa branca e casaco, podia apresentar-se publicamente naquele estado deplorável. Talvez viesse de algum pedido!...
No rosto, bem perto do sobrolho, trazia uma escoriação, com certeza, uma marca deixada por alguma queda. Nas imediações do BNA, aproximou-se de um banco. Parecia um coqueiro sob a ventania. Com olhos fechados, jogou a vergonha ao relento e urinou. Os pedestres olharam-no com reprovação.
- Ua kambe ó sonhi!...
Uma canoa deslizava na água da baía. Dois adolescentes remavam calmamente. Viram um cardume e jogaram a âncora. O ruído afugentou garças que naltura procuravam o repasto para o jantar. Acordei pela mesma razão das aves.
Peguei ainda a âncora a meio do arco que descrevia. Para quem nasce no interior a âncora é algo que só vem nos livros. Não tem tanta serventia como o que lhe é atri-buído pelos homens do mar. E o pensamento agarra-se à âncora.
A âncora pode ser um ferro, uma pedra... A função é prender a embarcação para que ela não ande a deriva e o seu tamanho depende da dimensão do navio. Lembro-me! Certa vez, perante uma tempestade, um barco perdeu a âncora, quando esta ficou presa numa rocha. Quebrou-se o fio e a embarcação acabou encalhada na praia. Soçobrou. Jamais conseguiu voltar ao mar. Resultado, esventrado dos seus equipamentos, o casco ficou abandonado e entregue à oxidação, transformando-se em abrigo para espécies anfíbias como tartarugas e caranguejos. Hoje, só se percebe a sua presença, através de um ferro da haste feita cruz que sobressai entre as areais do Ambriz assinalando o local do “naufrágio”.
Um jovem apaixonado abriu a janela e jogou-se do edifício. Não viu as rosas que desabrochavam no jardim! Então, a âncora é importante! A âncora pode ser também uma ideia, um sentimento, uma pessoa, uma aldeia, uma cultura, um país! Um grande amor, uma grande paixão, Angola! Uma razão de viver. Quem não tem âncora se perde. Agarre a sua âncora e nunca perca o foco, permaneça no rumo certo.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

No encalço do perfume das Acácias de Benguela

Dois de Agosto de 2004. Por esta altura do cacimbo, dorme-se sobressaltado, quando se tem voo marcado para as primeiras horas do dia. O despertador cumpriu a sua missão, quando eram 4 da manhã. O frio apertava. Cheguei ao aeroporto as 5 Horas.
O avião da SAL partiu as 7H30. Nove passageiros iam a bordo. Rolou na pista e levantou voo. Lá em baixo, no bairro Rocha Pinto já via-se a fila de carros que se dirigiam para o centro da cidade. Imagina-se a tensão dos motoristas mascando a embraiagem.
Quando livres do drama, tem-se uma sensação agradável de alívio, denunciado por um morno sorriso no rosto. Suspenso no ar, a memória acciona o motor de busca de lembranças adormecidas. Desde 1992 que não ia a Benguela. Naquela altura, viajei por terra e guardo com zelo a imagem do soldado que na localidade da Canjala apontou-me uma arma AKM no peito. Segundos duraram uma eternidade. Mas com a paz conquistada, estes são episódios arquivados para a história. O perdão é a palavra de ordem para todos, porém nunca esquecer o passado, pois quem esquece corre risco de repeti-lo.
A chegada ao aeroporto 17 de Setembro ocorreu as 9H45. Dois passageiros exibiram Passaportes com capa cor de vinho. Estremeci. Contrariado mostrei o bilhete de identidade e passei. Que alívio, apenas um falso alarme.
O sol subia no céu ainda coberto pelo cacimbo. No lado de fora, duas senhoras varriam o pavimento com vassouras de palmeira. Uma delas tinha a perna coberta por um lenço. Não vi sequer um papel sendo carregado pela brisa matinal.
Subi até ao restaurante que fica no primeiro piso. O esmero e a cordialidade das moças durante o atendimento aguçam a fome. Na pista, aterra um outro avião da Air Gemini. Depois mais três aeronaves ligeiras. A paisagem adjacente é coberta por capim seco. No horizonte, uma cadeia de montanhas formando uma cordilheira ainda translúcida no cacimbo matinal. Uma voz masculina chama pelos passageiros com destino a Luanda.
Como aves que adivinham um temporal, todos os aviões partem, apenas um fica em terra. Este jamais voltará a bater as asas. Algum infortúnio, quiçá, num poiso ou numa descolagem deixou-o com a parte da fuselagem danificada. Lembro-me da canção Iumbi-Iumbi do Planalto Central: “Kaquelé Katchibambaá ... tuendeéé... Iumbi-Iumbi levanta voo e vamos...”
Na estrada para Lobito fui saboreando a paisagem e os benguelenses. A nova ponte sobre rio Cuporolo está a ser erguida, vêem-se os suportes de betão.

SUOR SOBRE METAL ENCANDESCENTE

Meia hora depois chega-se ao destino. Os estaleiros da Sonamet ficam na entrada da Restinga. Criada em 1997, a Sonamet é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito angolano, cujos accionistas são Stolt Offshore(55%), Sonangol(44%) e Wapo Internacional(5%). Desde a sua constituição, a empresa fábrica oleodutos e gasodutos enrolados, tubos agregados, torres de elevação e bóias de exportação.
Vinte cinco por cento dos 800 trabalhadores são expatriados entre índios, paquistaneses, franceses e portugueses. Houve alturas de muito trabalho que chegou a ter cerca de 1700 trabalhadores. Esta é uma das duas empresa do Lobito, a par do Porto local, que mais gente emprega.
Tem escola de formação para caldeireiros (técnicos que fazem e montam as estruturas de metal) e soldadores. Vinte cinco alunos frequentam o curso cuja duração é de 6 meses.
“Mas há alunos que com 4 meses estão preparados para executar qualquer tarefa”, segundo o português Avelino de Sousa.
Avelino de Sousa já esteve no projecto Sanha Condensados, no Bloco Zero, gaba-se de estar a “formar homens que serão capazes de enfrentar qualquer desafio”.
A disciplina, a higiene e seguranças fazem parte do quotidiano. A empresa tem uma fábrica de acetileno e o carbureto(vulgo cal) resultante da produção é aproveitado pelos trabalhadores para pintarem as paredes de suas casas.
Aqui o trabalho começa cedo, as 7 horas. Numa das áreas estão a fabricar o boatlanding (acostamento) para o Kizomba B que está a ser construído na Coreia do Sul. Têm ainda obras para o projecto Dália. Tudo aqui é pesado. Basta ver que o seu guindaste é capaz de levantar 450 mil kg. A barcaça DLB1 atracada ao largo levantava 600 toneladas quando nova, hoje de tanto peso apenas suporta 450 mil Kg. É a assim a vida. Vamos perdendo alguns dotes com o desgaste provocado pelo uso.
Obras são várias: pernas para jaqueta, Deck para o Kizomba. No sector de fabricação de bóias (uma espécie de tanque flutuante) já foi produzida a maior do mundo com 23 metros de diâmetro e 8 metros de altura, para o Kizomba A. A outra com igual dimensão será concluída em Março. A primeira a ser concluída foi para o projecto Girassol e tinha 18 metros de diâmetro e 8m de altura. A fabricação de uma bóia dura 12 meses, diz o engenheiro indiano Appu, há 6 anos na Sonamet.
As âncoras de sucussão são fixadas no fundo do mar para prender as bóias e os navio. São necessários 30 dias para ser construída. A chapa com que é feita tem cerca de 10 centímetros de espessura. Imaginem tornar cilíndrico este material. Há locais em que a soldadura é feita a 200 graus centígrados. Até as botas queimam, apesar da protecção do corpo. Lá apenas trabalham indianos que são especializados no assunto que recebem 5 litros de água antes da empreitada. A soldadura é especial. Antes era feita no exterior, mas com decisão o produto sai 10 vezes mais barato.
Ao lado do estaleiro da Sonamet, está a fábrica Tecnip, vocacionada para a fabricação de umbilicais. Os tubos que transportam o petróleo das profundezas do mar até a superfície. Lá iremos em outra oportunidade.
E a visita termina. Devolvo ao guia, as botas, o capacete de segurança e os óculos de protecção. Ele chama-se Avelino Epalanga, formado em mecânica, já esteve na África do Sul e na Correia do Sul. Forte e de altura média, trabalha na área de segurança há 3 anos e está feliz por ter recebido o primeiro filho. Como qualquer pai, tece planos para o seu menino.
Agradece a Sonamet pelo emprego e lamenta o facto de não existir outras empresas a funcionar para atenderem a procura. Fala da Fábrica de cimento. Para ele, a sua operacionalidade provocaria uma “grande revolução” na actividade do Porto e do Caminho de Ferro de Benguela. “Empresários sul africanos estavam interessados em reactivá-las, mas...” interrompe e mímica dos lábios encarregara-se de completar a comunicação. “O mesmo aconteceu à fábrica de papel”, conclui desanimado.

ALMOÇO, CAFÉ E DOSE DE BAGACEIRA

Perto da Sonamet fica a Pensão Alvorense. O director da Sonamet o francês Marc Guinard fala de novos projectos da empresa e de sua família. Anuncia a chegada da mulher e dos filhos.
Calmamente num português soletrado fala da perspectiva que visa aumentar a capacidade fabril e de carregamento. Para efeito a empresa está a investir de forma faseada cerca de 20 milhões de dólares, (sendo metade para este ano e a outra prevista para 2005), na expansão do seu estaleiro.Com esta acção, barcos de grande porte poderão atracar sem dificuldades.
Na mesa bife, pizza, massa, salada, pudim, refrigerante, Água Keve, café e uma dose de bagaceira local. Tudo por 1200 kwanzas. O café é importado. E o nosso, perguntei? O garçom não soube responder. Lembrei-me da promessa feita pelo ministro da Agricultura Lutukuta, por altura do lançamento dos leites Kamba da Latiangol. De acordo com o ministro, para o relançamento da produção era importante o incentivo ao consumo interno a fim de contornar o preço baixo do produto no mercado internacional. Lembre-se que uma tonelada custa cerca de 300 dólares. Se o quadro não se alterar, a fama granjeada por localidades como Gabela, serão apenas emblemas na memória do tempo.
Sobre a bagaceira, ocorreu-me perguntar pela antiga Fábrica Angolana de Vermutes e Licores. Soube estar paralisada há bastante tempo.
O açúcar também é importado, antes existia aqui perto uma açucareira. O processo da sua reactivação talvez ande esquecido em alguma gaveta. Nem sei quem venceu o leilão.
Na rua, à caminho do aeroporto, muitos carros com volante à direita. Para o André Tchivela, o motorista que me transportou em Benguela, a decisão do Governo em proibir a sua circulação vai criar problemas para os cidadãos. “Os carros vindos da Namíbia dão uma grande ajuda e têm bons motores”, estima. Mas o Governo justifica a decisão com o número de acidentes fatais.
Do lado de fora do aeroporto, estão dois engraxadores. Uma senhora mestiça, diz ir a Luanda para tratar dos dentes, apesar de ter medo de andar de avião. Outra benguelense, Iola, reside hoje em Luanda. Diz ter ido a Benguela para visitar a mãe que andava doente. Fixou residência em Luanda pelo facto do marido estar na capital e também porque encontrou oportunidade de emprego. Com dois filhos, a esperança é voltar a Benguela, quando for inaugurada a fábrica da Coca-cola. Teme ganhar menos, mas o problema habitacional desaconselha decisão contrária. A sala de embarque está vazia, apenas algumas filas de cadeiras de plástico.
Partida acontece as 15H10. Com a aproximação da capital a aeronave reduz a altitude. Por esta hora, o sol pinta telas impressionistas na paisagem semi-árida.
Chego a Luanda as 16H20. Termina a viagem. Chega a hora de enfrentar dribles dos taxistas, o engarramento e o stress. Ligo o rádio do carro e prolongo momentaneamente o êxtase vespertino como espumas que ficam na praia a cada calema. “Quero falar de uma coisa/ Adivinham onde ela anda/ Deve estar dentro do peito ou caminha pelo ar/ Pode estar aqui do lado/ Mas perto que pensamos/ ...” Agradeço a Milton Nascimento pela canção e a Deus pela viagem!

P.S. Reportagem publicada no Jornal de Angola em Agosto de 2004

Reencontro com Cabinda no caminho do petróleo

Para conhecer-se um elefante, basta andar! E foi andando que o homem descobriu a natureza e frutos que dela pode colher! A 300 km da costa angolana, existem plataformas com uma altura comparável a de um edifício de 6 andares, hotel para 180 pessoas. Telefones, água doce, energia eléctrica 24/24 horas e emissão de TV. Outro espanto é perceber como se explora petróleo no mar a uma profundidade superior a um quilómetro. Só visto!
São 9 da manhã! O tempo corre. Esta é a segunda vez que viaja para a província de Cabinda. A primeira ocorrera em 1984 integrado num grupo de finalista da antiga Escola Político-Militar Comandante Jika, em Luanda. Na altura, desembarcou no aeroporto da cidade e foi logo transportado por um camião de marca Ural.
Ao sair da cidade a caminho do município do Belize, por volta das 22 horas, os ocupantes do camião foram colhidos por uma chama que fez reluzir as coronhas das armas. Os olhos, que procuraram em vão alvos na densa floresta, foram encandeados pela chama. Nas narinas, o cheiro do óleo. Era o petróleo de Malongo!
Vinte anos depois estava de regresso. A companhia é outra e as preocupações também eram diferentes. Vinha como jornalista conhecer melhor o mundo dos petróleos. Sem fusil nem a preocupação de antanho, apenas trazia um bloco de notas e uma lapiseira. O cenário, este continua o mesmo. As tochas continuam acesas como que em monumentos históricos assinalando um feito heróico de inigualável valentia. Apenas ele mudara, crescera e deixara sonhos e ilusões à berma do caminho como restos de cigarros abandonados na borda do cinzeiro. A paisagem, esta continua a mesma: verde!
As sondas disseminam-se mar adentro. Ao anoitecer, as tochas acesas denunciam uma cidade flutuante sobre a orla marítima. Um verdadeiro caleidoscópio captura os olhares. Mas parte desse espectáculo tem seus dias contados. Em 2005, a queima de gás durante a exploração petrolífera vai ser reduzida. Para o efeito, a ChevronTexaco e suas associadas do Bloco Zero investem 1,5 biliões de dólares, para levar avante empreitada. O projecto implicará a recolha de gás associado e não associado dos Blocos Zero, 2, 14, 15, 17 e 18. A liquefacção do gás será feita numa instalação em terra, do tipo via única, com capacidade para 4 milhões de toneladas por ano. Esse produto será depois vendido nos mercados europeus e norte americano. Em 2006, não se queimará mais gás. Para além dos ganhos em receitas, os benefícios ambientais serão significativos. Por outro, muitos desempregados, que hoje vêem suas esperanças encalhadas, vão poder soltar o papagaio e sonhar.

ENCONTRO COM MUNDO DOS ÓLEOS

“Descoberto mais um poço de petróleo em águas profundas”. Assim têm sido as manchetes nos órgãos de comunicação. A notícia não passa despercebida, mas quantos têm a noção da localização geográfica dos blocos, as potencialidades das reservas, bem como a complexidade tecnológica que envolve a exploração, sobretudo em águas profundas? Já se chegou a confundir Benguela e Belize, localidades de Angola com as dos poços. Por isso os técnicos dos petróleos queixam-se dos equívocos da imprensa. É para prevenir embaraços que falhas do género provocam que a ChevronTexaco levou a Cabinda um grupo de jornalistas.
Depois de desembarcar no aeroporto de Cabinda, os profissionais da imprensa visitaram vários projectos sociais realizados pela multinacional americana em Angola. A primeira foi a escola Patrice Lumumba, inaugurada em 2001. Esta possui nove salas apetrechadas e funciona em três turnos. É hora de aulas. Em cada sala cabem 40 crianças. Ao verem entrar os visitantes, erguem-se dos assentos e em uníssonos dão as boas vindas: “Bom dia senhores....”. - Qual é o vosso sonho? Ouviram-se várias vozes: “engenheiro, médico, piloto... E o grupo saiu perseguido por olhares carregados de esperança.
Em plena hora de trabalho, viam-se muitas pessoas nas ruas. Nada difere do que ocorre nas demais províncias. É a síndroma do desemprego. A ChevronTexaco consciente desta dificuldade tem apoiado empresas locais. E com base em parcerias entre empresas nacionais e estrangeiras, a multinacional apoia esforços no sentido de relançar a actividade económica na província, fazendo com que muitos produtos e serviços hoje fornecidos por empresas estrangeiras possam ser prestados por nacionais.
Na bomba de abastecimento de combustível, a fila é enorme. Há falta de gasolina. A Cabinda Golf para suprir as suas necessidades instalou uma mini refinaria em Malongo, que produz cerca de 16 mil barris de gasóleo e fuel para os seus helicópteros. A empresa também produz gás, que serve para atender as necessidades do mercado local e exportar para o Brasil. A presença da ChevronTexaco faz-se notar para além dos campos de petróleos. Escolas, residências para professores e enfermeiros, piscina, centros médicos, maternidades, dioceses, condomínios, instalações para a associação de pescadores, fomento agrícola e outros projectos espalhados em toda extensão da província levam a sua marca. Anualmente, mais de 12 milhões de dólares são canalizados para projectos comunitários em todo país.
Ao passar por alguns empreendimentos em execução, ouvem-se queixas devido ao incumprimento dos prazos na entrega das obras. “Mas nós condescendemos, procuramos fazê-los compreender a situação”, diz um dos funcionários da multinacional.


MALANGO É UMA CIDADE À PARTE

Malango é uma cidade à parte, cercada por arame e habitada por gente de vários quadrantes. Diz-se que lá até existem pacaças, que andam tranquilamente sem temer a acção de caçadores furtivos.
Malondo tem escola de formação, um refeitório que atende mais de 2500 refeições/dia. Possui clínica e campos de jogos. Lá trabalham mais de 2 mil cidadãos nacionais e cerca de 300 expatriados.
O verde cobre a paisagem. Depois do almoço, os visitantes partem de helicóptero para o alto mar. Mas antes a preocupação com a segurança. Capacete, tapadores de ouvidos, colecte salva-vidas, óculos e botas. Não querem quebrar o recorde. Desde 1999 que não se regista qualquer acidente.
Um angolano e um americano formam a dupla de pilotos. É o processo de angolanização em curso no sector. O decreto 20/82 exige 70 por cento de angolanos nas companhias petrolíferas. A respeito a ChevronTexaco diz que a nível de quadros superiores já alcançou os 67 % e a de técnicos médios os 100%. A satisfação é indisfarçável ao ver angolanos como Daniel Rocha a exercer o cargo de director do Departamento de produção da multinacional americana.
O helicóptero levanta vou e a viagem dura mais de 30 minutos. Suficientes para alguns adormecerem ademais depois de um almoço cheio de iguarias.
Na sonda Sanha Condensados jovens angolanos impressionam qualquer visitante, pela maneira profissional como executam as suas atribuições. Trabalham lado-a-lado com colegas seus estrangeiros. A comunicação se processa em Inglês. Estes jovens permanecem no mar 30 dias e trabalham de dia e de noite. “Enquanto dormimos ele trabalham”. Não há tempo de descanso. Está tudo cronometrado. Basta ver, por exemplo, que o aluguel de um guindaste fixador de sondas custa 450 mil dólares/dia. Qualquer falha ou atraso acarretaria prejuízos avultados.
Os olhos enchem-se de surpresas. Algumas sondas têm uma altura comparável a de um prédio de 6 andares. No Takula existe um hotel para 180 pessoas. São autênticos edifícios. A estrutura é firme como se estivesse em terra. Tem luz e água canalizada. “A luz aqui não vai”, diz um dos operadores. A tecnologia usada é de ponta, em alguns casos Angola é o segundo país depois do EUA onde a mesma está a ser usada.
Os investimentos são avultados e os resultados espectaculares. Em 1966, eram exportados 3 mil barris hoje esta cifra atinge 4,5 milhões de barris carregados de dois em dois dias. Basta ver que em 2002 a produção da ChevroTexaco foi de 626,664 milhões de barris dia, dos quais 50% exportados para os Estados Unidos da América. Nemba produziu em 2003, 48 milhões de barris. A produção actual é de 132 mil barris/dia.
Segundo informações colhidas no local, parte daquela estrutura de ferro pesado das sondas é feita em Angola, nos estaleiros da Sonamet no Lobito. Chega a hora da partida. O superitendente Emanuel Leopoldo despede-se dos visitantes. Naquela altura, o sol era apenas uma bola de morna. Do Sanha Condensados os visitantes partem directo para o aeroporto. Chegam a Luanda por volta das 19 horas. Sob as luzes da cidade, os luandenses regressam a casa.
Antes do sono chegar, os excursionista passam em revista os dados memorizados: O país terá, o maior navio do mundo para armazenar gás em estado líquido. Já está em construção na Coreia...Próximo mês de Outubro Bomboco vai começar operar. Em Angola, a ChevronTexaco e suas associadas a maior produtora de petróleo. Composto por 36 campos principais, incluindo Tacula e Malongo, a produção média do Bloco Zero é de 400 mil barris de petróleo por dia. No Bloco 14, desde 1997, fez nove descobertas. A produção actual é de 85 mil barris/dia. No Bloco dois, perto da foz rio Zaire, 47 mil barris de petróleo/dia são extraídos em águas profundas.

P.S: Essa Reportagem foi escrita e publicada no Jornal de Angola em 2004

Culturas e dicotomias

A música brasileira, sobretudo a MPB, a Sertaneja e o Samba eram as preferidas daquela casa nocturna da cidade de Juiz de Fora-Minas Gerais denominada Paiol. Nome sugestivo!... Homens e mulheres de várias idades buscavam no balançar dos corpos o prazer de estarem ainda vivas. Havia música ao vivo e muita animação. Nos intervalos, punham música de aparelho.
Na noite, dançava Roberta Miranda, Roberto Carlos, Vando, sertanejas, sambas, pagodes... De dia na Faculdade, essa música era brega. E ninguém queria ser brega. Nas conversas, na cantina, falávamos de Caetano Veloso, Djavan, Betânia, Carolina, Paralamas e de Netinho... Ai Raul Seixas e a sua metarmorfose ambulante. “Tente outras vez”. “Eu nasci há dez mil anos”. E Renato Russo, Cazuza e Sepultura!
Vivia assim entre várias realidades, várias culturas, várias dicotomias: O morro e a baixa, o centro e a periferia, Angola e Brasil, o negro e o branco, a faculdade e o analfabetismo, a riqueza e a pobreza, enfim, o clássico e o popular, o moderno e o tradicional, o sagrado e o profano. Como ébrio, subia e descia vários universos sem sequer distinguir as linhas ténues que limitavam as suas fronteiras.
Saía à madrugada do Paiol e caminhava despreocupado em direcção ao morro. Cruzava com outros amantes da noite. Juiz de Fora era minha de ponta-a- ponta. Um pobre gemia de frio na calçada. Aproximei-me para ajudá-lo. Em farrapos dormia ele, a esposa e um cachorro. É pobre e ainda tem cachorro! Coitado do cão! Qual dos dois irá sobreviver? O homem pediu um dinheirinho, segundo ele, para combater o frio. Corri até a casa, busquei um cobertor e dei-lho. Segundo um provérbio angolano, o macaco gosta de dar, o problema é o tamanho da mão.
Na noite seguinte, passei por lá. Ele gemia novamente, mas de bebedeira. A voz saía pastosa. Rapaz, um negão roubou-me o cobertor. Aldrabão! Trocou o cobertor por cachaça “Velho Barreiro” e a garrafa vazia espreitava entre os seus farrapos. Dar esmola pode ser uma forma de atrair mais gente pobre para às ruas.
Durante a noite, atravessava várias vezes o Paraibuna em busca de melhor espaço de dança. Ao ver a minha sombra sobre as águas calmas do Paraibuna, lembrava-me do rio da minha infância, o Mazungue da Gabela, que tal como o Paraibuna vivia transformado em esgoto. “Cada aldeia tem um rio e todos os rios se parecem”...escreveu o professor José Luiz Ribeiro.
Mas o Paraibuna tem apoios, até foi criado um grupo para a sua defesa. Procuram através de programas harmonizar a convivência entre a cidade e a natureza. Um convívio sempre marcado por vários sobressaltos. É do rio onde retiram areia para a construção civil, enquanto outros jogam lixo no seu leito. O rio fica triste e os ambientalistas também.
Nisto de tristezas, todos nós temos um rio de mágoas correndo por dentro. São tristezas individuais, colectivas, regionais, locais. Enfim, tristezas partilhadas.
Depois do silêncio eterno de Renato Russo, segui com lágrimas as imagens da morte da Banda “Mamonas Assassinas”. Regressava de um espectáculo em Brasília, quando o avião caiu antes de aterrar no aeroporto de Guarulhos, S. Paulo. O grupo fazia sucesso no Brasil e no mundo, quando a morte chegou.
Eu preciso te falar, /
Te encontrar de qualquer ­jeito .../
Já não dá mais prá viver, /
Um sentimento sem ­sentido... /
Cantaria Tim Maia naquela noite, mas assim o destino não o quis. A banda tocava os primeiros acordes, quando o cantor abandonou o palco. O seu vozeirão calou-se, mas o eco persegue os amantes da sua música.
Eu preciso descobrir /
A emoção de estar contigo, /
Ver o sol amanhecer./
E ver a vida acontecer /
Como um dia de Domingo/
Paulo, da dupla Paulo e Daniel não viu o sol amanhecer. Regressava a casa no seu BMW zero quilómetros, quando este saiu da pista, capotou e pegou fogo. Deixou uma filhinha e uma carreira promissora. Órfão, Daniel segue a carreira a solo. Sempre que o vejo lembro-me do Paulo e das imagens do acidente.
Na ponta final do curso, ocorreu a morte da Princesa Diana. Lágrimas. Ela havia acabado de visitar Angola, no âmbito da luta contra as minas anti-pessoais. O Mercedes Benz em que seguia embateu violentamente contra um pilar de betão, quando era perseguido por paparazzis. O incidente reacende a discussão em torno da ética do jornalismo.
Depois foi a morte do medianeiro do processo de paz Alioune Blond Beye. Foi também de acidente, mas de aviação. Ficámos a olhar a chuva a cair do telhado e um mau pressentimento a descer-nos a garganta. O reacender da guerra está para breve? ... E imitando um personagem da peça teatral “A Escada de Jacó” repetia: a vida nos reserva muitas mágoas...
Velhinha, tinha cabelos de algodão e mãos retorcidas pelo tempo. No seu quarto semi-iluminado, mergulhava num monólogo imperceptível. Falava, discutia e gesticulava. Cantava canções de embalar. Quantas crianças brotaram do seu regaço? Cruzava com ela no corredor, mas Dindinha não dava por mim. Será que ela sabia da minha existência?
A velha, carinhosamente chamada por Dindinha, era a mãe da dona Maria Márcia. Certa vez, ao chegar à casa, encontrei um ambiente nebuloso. Dindinha tinha morrido. Me imaginei sem mãe. Como seria viver sem mãe e sem pai? Afinal, acabamos todos como filhos de chocadeira! Os irmãos de hoje, talvez sejam amanhã apenas simples companheiros de viagem. Que tristeza!...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

As promessas do Pai-Grande!

Quinta-feira é um dia especial. Às quintas publicava minha crónica no Jornal de Angola. Também às quintas escrevia o editorial reservado à Página de Economia do mesmo Jornal. E hoje continua sendo especial. Neste dia da semana saio de casa a pé e percorro aquele que denomino o “trajecto da fé”. Nesse espaço, vivi momentos marcantes de minha vida como cadete da Escola Político Militar. Foram no total cinco anos. Estudei marxismo e acreditei na possibilidade de se construir uma sociedade mais justa e harmoniosa. O Muro de Berlim desabou, mas eu continuo acreditando. De manhãzinha vou dar aulas de jornalismo e à tarde participo da radionovela da RNA. Tudo por prazer! É pois um dia em que sou mais eu. Faço o que mais gosto. Moldo o mundo a meu jeito. É-se protagonista e não expectador.
Hoje de manhã sai do Bairro Cassenda caminhando tranquilo, quando avistei dois cartazes pregados atrás de um grande outdoor. Em baixo do mesmo, vinha escrito “Vote 11”. O rosto do presidente da Unita Samakuva parecia céptico. Parei e olhei fixamente nos seus olhos. Pelo menos assim me parece depois que os resultados foram divulgados, dando vitória ao partido MPLA com mais de 81 por cento. Tem um olhar incrédulo, se calhar nem mais acredita na vitalidade do partido que ele dirige. Agora concordo com a decisão do Governo da Província de Luanda de retirar a propaganda das ruas depois das eleições. As mensagens acabam sendo extemporâneas, destorcidas pelo tempo e pela nova realidade.
Atravessei a rua perto da Escola Jika e procurei espreitar sobre o muro. Não havia sinais da antiga escola. O busto do Comandante Jika talvez ande algures. Queria entrar e retirar uma daquelas pedras ou pedaços de tijolos espalhados no chão. Queria guardar a lembrança em alguma prateleira lá em casa. … O olhar do segurança deixou-me nas intenções. Não queria arrumar sarilho. Agora pensava na fé, quanto fui interceptado por uma jovem que me fez a entrega de um pequeno anúncio:
“Atenção. Chegou em Angola o homem que desfaz qual quer feitiço. Pai grande.
Faço tratamento. Se você tem: Cabeça aberta, jiba, bicho na barriga perdeu a potência, não faz filho. Venha se tratar com o pai grande. Temos o medicamento certo Para o seu problema. Ligue já e marque a tua consulta. Primeira consulta é grátis”.
E em baixo vinham sete terminais de telemóveis da empresa Unitel. Pai-Grande tem bué de contactos. Estes telefones são todos dele? Ou é de seus assistentes? … São muitos!!!
Li e fiquei a rir à-toa. Essa moça me escolheu porquê? Será porque tenho cabelos brancos? Vou já cortá-lo logo. Cabeça aberta? Ah, tenho cabeça aberta, penso pra caramba! Mas isso não é doença. Não sofro se jiba, bicho na barriga? Eh, isso é quê!… Se forem vermes estes saem com Albendazol, não preciso recorrer ao Pai Grande. Filhos tenho …
Pai Grande obrigado pela oferta, procure outra presa!

domingo, 28 de setembro de 2008

Santo da casa faz milagre!

Faz tempo que não comunico com o meu amigo, mas sei que ele está bem e gozando de boa saúde. Pois está sempre em on-line no MSN e já não responde as minhas mensagens. Não o conheço pessoalmente, mas considero-o amigo. Falávamos no MSN, trocávamos impressões sobre vários assuntos, quer sobre o país, quer sobre o exercício do jornalismo em Angola. Manifestava a sua opinião sobre a rubrica “Atalhos da Utopia” que eu assinava semanalmente no Jornal de Angola e que mais tarde foi transformado em livro sob o título “INQUIETAÇÕES DO JORNALISMO” e lançado pela Nzila no dia consagrado à Liberdade de Imprensa. Desde aquele dia, o meu amigo sumiu, já não manda emails e já não falámos no MSN. O que terá acontecido de errado na última conversa? … Na conversa, contei-lhe um pouco da minha odisseia como estudante na Universidade Federal de Juiz de Fora-Minas Gerais, a formação em Comunicação Social, o atraso no pagamento da bolsa e a solidariedade dos colegas brasileiros. E finalmente as minhas inquietações após o regresso ao país. O mercado jornalístico está cada vez mais restrito, devido a inexistência de mais meios de comunicação e o não reconhecimento do diploma e da competência na hora de buscar um novo emprego. O mercado queixava-se da falta de quadros nacionais, enquanto gente formada era rejeitada com o argumento de que não havia mais lugar para novas contratações.
Combinada com o alcance da paz e da estabilização económica, Angola está na boca do mundo. Um novo eldorado em África! Na senda da criação de novos projectos editoriais, virou moda a contratação de consultores estrangeiros. A comunicação social virou área de garimpo. Muitos quadros nacionais QUEIXAM-SE é da falta de oportunidade! …
...Não me venham ensinar o caminho para a Gabela, sei-o de cor.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

“Memórias precoces” nos 33 anos da independência

O meu Livro-Reportagem “Memórias Precoces, Luanda- Gabela, uma viagem de 30 anos” do jornalista vai ser lançado em Novembro de 2008, em Luanda, no âmbito das celebrações do 33º aniversário da Independência Nacional.
Com prefácio do escritor Jofre Rocha, a obra com 130 páginas e escrita durante uma viagem de táxi entre Luanda e a cidade da Gabela, narra factos vivenciados entre 1975 -2005.
Segundo Jofre Rocha, “Memórias precoces é baseado na vida real e evoca perante o leitor uma sucessão de 30 anos de conflitos e dissensões que aconteceram na vivência multifacetada de personagens de carne e osso, em grande maioria simples aldeões e camponeses de um tempo de heroísmo em que a palavra de ordem era sobreviver, sobreviver, sempre sobreviver.”

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Kizaca da Malásia

Bom, a alegria foi sol de pouca dura! É bom ler sempre com cuidado o rótulo. A Kizaca que comprei não é angolana, mas importada da Malásia. Ingredientes: Folhas de Mandioca, sal e água. Na lata também vem instruções. "Receita Tradicional Angolana: Coloque uma galinha cassava aos pedaços numa panela com tomate, cebola e alho picado, deixe cozer durante 25 minutos, depois coloqueuma lata de Moamba Duchet, acrescentemeia dúzia de Kiabos e sal, deixe apurar em lume brando, sirva quente e acompanhe com funge e Kizaca Duchet".
As duas latas, as da Kizaca e da Moamba, aguardam um outro dia, enquanto procuro ânimo para confeccionar a Kizaca importada num país com tantas lavras de mandioqueiras, muita água e sal.
Quanto custa importar os equipamentos e embalar Kizaca Made in Angola?

Morangos da paz

Um cestinho veio do Huambo. Trouxe morangos. Mal chegou e logo o cheiro da fruta inundou a casa. Eram morangos gostosos, que minha cunhada enviara. No cartão preso na pega lia-se: “Queiram aceitar a fruta da paz! Assina, Graça”.
Todos nos deliciamos. Meus filhos, pela primeira vez, comeram morangos. Não eram morangos da televisão, que pobre come com os olhos. Eram de verdade! Por isso, houve disputa. Disputaram cada fruto e finalmente o cestinho feito de folhas de palmeira. A do meio queria usá-lo para guardar roupa da sua boneca, a mais velha queria-o para ornamentar a prateleira do seu quarto, enquanto o rapaz, o cassule, queria aproveitá-lo para fazer uma armadilha para prender pássaros.
Atraídos pelos morangos, no Natal de 2003, decidiram viajar até à fonte.
Permaneceram 15 dias no Huambo. Regressaram com muitas histórias. Falaram dos meninos do Huambo e das ruas. Apaixonaram-se pelo linguajar da região. A mais novinha disse que todas as paredes estavam picotadas: “Papá, o Huambo é muito bonito, até estão a pintar os prédios!”.
- Mas já começaram a pintar?
– Não, apenas picotaram as paredes!
Calei-me! ... Ela não sabia, que aquelas marcas nos edifícios eram sinais, deixados por anos de um conflito sangrento. Então, para quê fazê-la lembrar? Para quê mexer nas chagas?
Dormimos e durante uma semana as conversas gravitaram em torno do Planalto, até a aura das imagens da parabólica retomarem o seu lugar cativo com a novela “Chocolate com Pimenta”, “Celebridade” e “Da Cor do Pecado”.
Os relatos das crianças fizeram-me sair da carapaça e retomar um velho sonho. Então, nas férias, em Fevereiro, decidi viajar por terra. Queria conhecer melhor o país. O conhecimento propicia amor profundo. Quem ama conhece!
Parti de Luanda de Jeep, como se estivesse a ir à Barra do Kwanza. Nada de preocupações com pistolas, AKM e granadas, apenas o cuidado redobrado com o carro emprestado.
Olhei para a paisagem sem medo de ser surpreendido por um disparo. A vegetação em movimento e os solavancos mexeram o saco de lembranças. Entre a ponte do rio Longa e Porto Amboim está o Calele. Era perigosíssimo. Em tempo de guerra passei ali com o coração apertado. Até para ateus Deus era a única salvação! Hoje, nem dei por ele.
A viagem entre o município de Porto Amboim e o da Gabela houve alturas que durava mais de 10 dias. Agora, apesar de parte da estrada não ter asfalto, apenas são precisas três horas. Entre as Cachoeiras da Binga e a Gabela havia um ponto crítico: o tal “Pau Preto”. No local, os camponeses trabalham a terra, os camionista, que circulam a qualquer hora do dia, param para descansar. As flores silvestres cobrem os restos dos veículos atingidos pela violência. Enquanto, a oxidação corrói o metal, o tempo apaga o rasto da guerra fraticida.
Visitei a Quilenda, Kibala, Wako Kungo, Huambo e Benguela... Voltei a Luanda feliz e rejuvenescido! Os morangos da paz eram de verdade e jamais serão mofados! Morango é amor, é paz, é concórdia! VIVA!...

- Observação: Crónica publica em Abril de 2003 no Jornal de Angola, por altura das comemorações do 1º aniversário da Paz

sábado, 6 de setembro de 2008

Olha o dedo!

Na porta do edifício do Instituto de Formação Bancária, situado perto do Jornal de Angola, exibiu, para os demais ainda perfilados na longa fila de espera, o dedo indicar sujo de tinta.
Um sorriso triunfal cobriu o seu rosto ao deixar a Assembleia de voto. Havia acabado de votar pela segunda vez na Angola Independente!
Enquanto caminhava em direcção a Avenida Marginal, guardou o cartão no bolso e procurou pensar em outra coisa, mas em vão: As eleições monopolizavam tudo. Absolutamente tudo! Os jornais, as Rádios, a Televisão e por arrasto as conversas quotidianas.
Sem perceber, quedou-se no atraso no início da votação. Foi frustrante! Acordou às 5 horas, ficou na fila até às 12 horas. É complicado esperar. Viu gente reclamando, brigando com os funcionários do Comissão Nacional Eleitotal… não gostou de ouvir um deles respondendo uma senhora, enquanto arrumava as cadeiras: - Se quiseres, podes ir embora, não fazes falta!
Quis entrar na briga para limpar o equívoco daquela cabeça: - “ Faz falta sim, cada um de nós faz falta. Um voto fará falta para cada um dos candidatos”. Bastou olha-lo bem nos olhos para que este se calasse. Ainda bem!
Mas agora estava alegre. Esperar algumas horas não é nada para quem aguardou 16 anos por aquele momento! Sorriu e foi com relutância que resistiu ao desejo de exibir o dedo pintado para todos com quem cruzasse na rua.
- Olha o dedo, já votei…!

Memórias do cacimbo de 92

Eram 10 horas. Nas imediações da Igreja Sagrada Família, em Luanda, o trânsito automóvel era escasso, calmaria sonhada e desejada para horas de ponta. Caminhava tranquilo, quando foi interceptado por um militar. Não falou. Segurava firme uma metralhadora. E era com a ajuda desta que as instruções foram transmitidas. Eram gestos ríspidos e bastante eloquentes não deixando ruído para equívocos. O soldado todo vestido de uniforme preto, usava boina preta, luvas e óculos da mesma cor.
Atingido pela surpresa, o pedestre assustado descreveu um arco para não pisar no jardim da igreja, atravessou a rua e encaminhou-se agora para os lados do Hospital Militar. Depois de alguns passos, parou para apreciar o que aconteceria a um outro pedestre que seguia na direcção do soldado. Esperou num misto de receios e ansiedades. E de contentamento por não lhe ter acontecido o pior. Será que vai passar? … Suspirou. Não passou. Foi igualmente impedido de seguir no mesmo trajecto. Mas este não mudou de direcção. Recuou descendo pela Zona Verde e precipitadamente desapareceu.
Mas o que é que se passa? Nos seus 30 anos nunca tinha visto tal aparato militar! Já tinha visto vários tipos de uniformes: castanho, camaleão, tigre... Aliás, já usara muitos, mas este não se pareciam com os do exército coreano, cubano, russo, alemão democrático… enfim. Era algo novo.
A arma era estranha. Toda preta, tinha coronha dobrável e cano curto. O carregador era quase parecido com o da AKM. Mas são apenas aparências. Talvez, a coronha podia ser confundida com a da AK-47, mas não tinha nada a ver. Ancorou saudoso na sua alegria durante a recruta ao receber a sua primeira arma com coronha e guarda-mão reluzentes. A sua kalashi (diminuitivo de Kalashinikov) tinha bandoleira castanha e 3,6 kg de peso. O carregador era também castanho. Possui boa precisão e é fácil de montar e desmontar. É resistente capaz de suportar tudo desde a chuva, calor, areia, lama e até o próprio soldado. Do suspiro desabrochou um leve sorriso. Esse senhor Kalashinikov é o máximo! Dizem que desenhou esta arma, quando estava internado num hospital depois de ter sofrido ferimentos durante a batalha de Stalingrado. A AK é a minha grande paixão!
Ele sabia o que falava. Não encontrou semelhanças com aquela arma toda preta. Facto que o deixou inquieto. Mas o que é que se passa? O seguro morreu de velho, por isso correu para casa. Não queria ser surpreendido por qualquer infortúnio.
Se tivesse telefone telefonaria para alguém conhecido para obter informações. Mas telemóvel, em Junho de 1992, ainda era para o mercado ficção científica.
Contornou o Hospital Militar Principal e seguiu pela rua Comandante Jika. Perscrutava com subtileza no rosto de outros transeuntes indícios de alguma inquietação. Mas nada! Sob um clima ameno, caminhava colado ao cerco da Rádio Nacional de Angola. Ele procurava esbater o impacto vespertino causado pelo encontro com aquele militar, quando, ao aproximar-se da entrada da RNA foi novamente convida-do a afastar-se: – Senhor, afaste-se do arame!
Como gazela acordada por predadores na savana, sem olhar para onde vinha a ameaça, cor-rendo afastou-se. Só depois, com o pavor nos olhos, procurou saber de quem era aquela voz.
Isso é azar ou quê? Será que o mesmo soldado está a me perseguir? Não pode!... O coração carburava apressado. Isso não é normal. Está em todo lado! …Franziu o rosto!...
Na antiga Escola Comandante Jika, através do arame axadrezado visualizou o antigo gabinete do director “Nino”, a tribuna e a parada. Lembrou-se do desfile das tropas em parada nas sextas-feiras e dias de cerimónias. À Banda de Música e as canção: “Quero! Quero/ quero ser soldado/… com esta farda aprender a marcha/ com as armas lutaremos pela revolução”
– A Parada é um lugar sagrado. Tudo começa e acaba naquele lugar. O início da recruta. As formaturas. As marchas de Ordem Unida. Distribuição dos meios e equipamentos. Táctica, defesa, ataque, manobra, emboscada, flanco. Juramento de bandeira. A recepção de missões de combate. A partida, o regresso e o balanço. As alegrias e as tristezas. Parada é forja da amizade, da camaradagem e da lealdade. As canções e a cadência das botas no asfalto. Parou e imaginou o comandante do Batalhão de Instrução “Vulapata”, no seu jeito Garrincha de andar com suas pernas arqueadas, a marchar: Olhaaaar à Direita! Está alinhaaaar!...
Desperto por uma alfinetada de mau pressentimentos, retomou a marcha com vigor. Saudou a sentinela e dirigiu-se para o Bairro Prenda. – Kuemba tem que estar sempre atento! Camarão que dorme a calema leva. E sorriu!...
Ao atravessar a Rua Revolução de Outubro, ergueu a cabeça e leu no alto do edifício: LIBERDADE DE ÁFRICA…E acalmou-se sem um motivo aparente. Chegou a casa às 11 horas. Depois do almoço dormitava esquecido dos seus medos e receios, quando foi desperto pelo sinal horário da RNA: O Papa João Paulo II chegou hoje a Luanda.
Envergonhou-se pela teia de pensamentos que o atormentaram. Aqueles soldados pertenciam a uma nova polícia. A informação se espalhou no areal. A Polícia de Intervenção Rápida era a grande novidade. A arma não era AK, era Gallill de fabrico israelita. São parecidas, mas contrariamente a AK, que é de calibre 7,62 mm, esta é de 5,62 mm.
As botas também eram diferentes e usavam coletes à prova de bala… Usavam pistolas mas não eram de marca Makarov nem TT, Star ou walter. Essa tropa veio de onde? A pergunta teimosa perseguia todos que tivessem no seu caminho uma “Polícia de Intervenção Rápida”, que depois viraram “Polícia de Emergência” e “Ninjas”.
Todos a estimavam. Aquilo é que é polícia! Organizados, disciplinados e educados. Não falam muito, não se metem com a população, não brincam em serviço, no carro estão sempre bem alinhados e aprumados. Postura é postura e quando são chamados a agir em defesa da pátria angolana, da paz e da tranquilidade dos cidadãos fazem-no com muita prontidão e eficiência.
Os “Ninjas” lutam com destreza, neutralizam os seus inimigos impiedosamente e conseguem desaparecer sem deixar rasto. São invencíveis! É essa a imagem que se tem dos “Ninjas” e que é-nos transmitida através do cinema. Mas cinema é ficção!
Mas basta ouvir um pouco da folha de serviço e a história da Polícia de Intervenção Rápida de Angola para percebermos que a realidade não fica tão longe assim da ficção!

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Kizaca enlatada

Sábado comprei no Supermercado Kizaka e Muamba enlatadas. Subtilmente joguei-as no carrinho. Sentia-me maravilhado por ver folhas de mandioqueira pisadas e hoje enlatadas a disputar espaço com os outros manjares estrangeiros nas prateleiras de supermercados da Grande Cidade. A Kizaca e a Muamba são pratos familiares que marcaram a minha vida na aldeia. Ai que doce infância, ai que brisa amena, ai que cheiro bom da terra depois da chuva. Ai que bela paisagem!
A Kizaca acompanhando um prato de feijão com funge (pirão) era irresistível. Mas era comida de pobre, quando o arroz era apenas saboreado no Natal. Orgulho é perceber que eu e a Kizaca estamos novamente juntos. Apesar da nossa origem humilde, estamos sempre juntos nas avenidas caóticas da modernidade!
Aliás, já tivemos um encontro nas terras altas de Minas Gerais, Brasil. Mesmo não havendo pilão, o liquidificador serviu para triturar as folhas! Como vê a nossa amizade tem tem sementes, tem história! Por isso há sempre um jeitinho para se vencer a distância e ruminar o bom paladar!

Lágrimas de menina!


Por altura da independência, ela ainda jovem partiu para Lisboa. Trinta e três anos depois, ela volta para a antiga sede da Companhia Angolana de Agricultura (CADA), no Amboim, província do Kwanza Sul. Na berma da estrada, a poeira dorme sobre os limbos dos cafezeiros lembrando o pó fino que cobre a memória. Com passo húmido, passa pela antiga Estação do Caminho de Ferro do Amboim, a Cancela, as mansões pálidas pelo cacimbo dos anos e o Colégio S. João de Brito, a Barragem e o verde da paisagem. Do Colégio Santa Filomena apenas um montinho de terra de salalé. O périplo passa pelo local onde estavam os Escritórios centrais. Apenas algumas pedras e tijolos cobertos pelo capim remetem para aquele tempo de prosperidade. O Hospital resistiu aos tempos agrestes e ainda ajuda a população nativa a sobreviver. Depois da igreja, reencontrou a sua antiga babá , aí não teve como resistir. Então chorou de saudade dos velhos tempos de menina!

Viva a paz!


Cartazes, bandeiras, painéis, passeatas, programas de rádio e de TV momentaneamente invadiram os sentidos, transformando-se em novos atractivos. A programação quer da Rádio Nacional de Angola, da TPA quer dos jornais sofreu profunda alteração. Na grelha surgem os tempos de antena. Como saltimbancos, dez partidos e quatro coligações políticas empenham-se em procurar mostrar o quanto são capazes para justificar a escolha nas eleições de 5 de Setembro de 2008.
Seja quem vencer, a verdade é uma: todos os angolanos são vencedores, pois basta ver a tranquilidade como decorreu a campanha. Hoje de manhãzinha, ao descer para o Centro da cidade, me emocionei ao ver, nas ruas de Luanda, bandeiras do MPLA juntinhas as da UNITA…Viva a paz!

sábado, 23 de agosto de 2008

Quem aceita Jesus?

Nossa Senhora Aparecida, no Estado de Minas Gerais, Brasil, era um bairro de gente simples com muitos brancos, negros e mestiços. Funcionários, operários de construção civil, vendedores e empregados. Algumas ruas eram asfaltadas e outras calçadas de pedra. A casa onde morávamos ficava no término dos autocarros daquela linha. A cerca de 20 metros havia duas cantinas e um orelhão (telefone público). O bairro Nossa Senhora Aparecida fazia fronteira com o bairro Santa Rita, Santa Cândida e Nossa Senhora de Lourdes. Era muita Santa à nossa volta.No anexo com o Sangueve, também vivia um capitão da Força Aérea Angolana chamado António. Um luandense do Bairro Rangel. Mais tarde viemos a saber que era apenas tenente. Estamos zerados, dizia o Sangueve. Estamos é zebrados! Sorríamos. Sorríamos... Na primeira semana, peguei, a título de empréstimo, em 100 dólares e dei-os a cada um deles. A alegria havia retornado. Dois dias depois, voltaram a pedir mais 100 dólares. Acedi. Semana seguinte pediram mais 100 dólares. Recusei. Dei-lhes apenas 50. Entretanto, os gastos eram compreensíveis, pois os meus companheiros tentavam atenuar a dívida do aluguer, melhorar a dieta alimentar, comprar roupa e diminuir o cansaço andando de autocarro.Do frango havíamos passado para carne, sobretudo de fígado de vaca. Voltamos a gargalhar ao lembrar os esqueletos de frango.Mas no mealheiro o nível de segurança baixava. Em menos de um mês estava apenas com 300 dólares. O ponteiro estava no vermelho. Para quem não sabia quando receber reforço de verba, a situação era realmente aflitiva.Como o quadro degradava-se a cada dia, decidi manter um encontro com os companheiros de caserna para a revisão da situação. Camaradas! Nós somos militares e temos que buscar soluções. Mas que soluções? Somos comandos desembarcados na profundidade do inimigo. A nossa missão é de alto risco.Não temos como receber apoio da retaguarda, devemos contar com os nossos próprios meios e capacidade de sobrevivência. Temos de aprender a pescar!O Sangueve acendeu um cigarro com indisfarçável insatisfação pelo diálogo que para si até aí era incompreensível. Esperei alguns segundos até a conclusão da primeira baforada e prossegui com maior acutilância. Como vos disse, a guerra em Angola não deixa espaço para vislumbrarmos um futuro de paz dentro de pouco tempo. As tropas do Governo desdobram-se no terreno para rechaçar o inimigo, mas a situação vai durar algum tempo.Sabem que o inimigo está bem municiado. Caxito, Catete... são zonas de guerra! Não temos como receber o dinheiro da bolsa dentro de pouco tempo. Temos de resistir. Todo esforço vai ser canalizado para a guerra. Esta é a verdade.A impaciência dos interlocutores empurrou-me precipitadamente para a parte principal do plano. Vamos procurar uma igreja. O falso capitão, sorriu numa alta gargalhada, levantou-se, abriu a porta e saiu, fechando-a atrás de si com alguma violência. A porta fechou-se e no caminho que nos unia apareceram pedras que cresceram e chegaram a pedregulhos. Para ele, eu era um doido, um exibicionista! Quem olha em várias direcções não avança! Concentrei o fogo no Sangueve. Queria convencê-lo. Fica calmo, nós vamos conseguir manobrar. Os chineses dizem que a arte da guerra é a arte da manobra. Vamos à igreja! Meu companheiro Sangueve manifestava-se relutante, argumentando que era católico desde os tempos de criança no município do Bailundo e não protestante. E eu contra-atacava. Quando a vida está em perigo, as soluções devem ter em conta primeiro a sobrevivência. Lá vais seguir todos os movimentos de levantar, fechar os olhos, assentar e ajoelhar. Fica calmo! Mas porquê que você não quer ir na Católica? ... Até fui baptizado pela Católica, mas ainda era criancinha, apenas tinha 2 anos. Então, vamos lá! Nem pensar! A última vez que pus os meus pés numa igreja Católica foi em 1993. Nem imaginas! O quê? Fomos corridos pelo padre! ... Hum, fizeram quê! Sabes que depois de 1975, após a proclamação da independência quase todos os jovens aderiram ao ateísmo científico. Aliás, era condição para ser-se militante do MPLA, mais tarde transformado em Partido do Trabalho. Todos queriam ser comunistas! Então, em 1991, familiares de um militar falecido queriam que se realizasse uma missa em sua memória na Igreja Sagrada Família. A plateia era composta maioritariamente por militares garbosamente fardados exibindo braços musculosos. Eram dos debraços!... Quando começou a missa foi uma desgraça. O diabo desceu? Não, nenhum deles sabia rezar o Pai Nosso e nem Ave-Maria . Nem ninguém sabia cantar as canções. O Padre sentiu-se solitário perante o cadáver. E enfurecido começou a amaldiçoar os presentes: O que é que vieram fazer aqui? São vocês que quando vivos não se preocupam em ir à igreja e fazem-no apenas na hora da morte. Vocês são oportunistas. Igreja não é loja onde se compra a fé. De nada adianta pedir a Deus que receba a alma de alguém que em vida foi carrasco do Senhor. Sem terminar a missa, pegamos no caixão e saímos apressados.O padre tinha razão. As pessoas só procuram a igreja quando têm problemas. Quando estão encravados. Eu não vou mudar de igreja agora. Epá Sangueve, então vai me fazer companhia para eu não ir sozinho. Vou pensar no teu caso...Apesar da dificuldade, consegui convencê-lo. Contribuíram para o facto, acredito, vários factores, entre quais o ser-se da mesma arma: a Marinha. Subimos paralelo ao rio Paraibuna em direcção ao Bairro Benfica, passando pelo Jóquei Clube, Parque de Exposições e admirámos os canhões expostos no Batalhão de Artilharia de Campanha.Conversávamos tranquilamente ora em português ora em Umbundo. Nessa última língua era apenas em ocasiões, quando era preciso rematar ou colocar ênfase no discurso. Chegamos ao destino por volta das 17 horas. Parámos perto do jardim do Benfica e encaminhámo-nos em direcção à Igreja Baptista. Mas o culto começaria apenas às 19 horas.Fizemos um raid de reconhecimento e buscámos um esconderijo por perto. Numa distância capaz de controlar todos os movimentos de entrada e saída do templo.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Viva a paz! Viva a Democracia!

Em Setembro de 1992, era a primeira vez que iria votar. Tinha 29 anos! A ansiedade tomava conta das horas vespertinas. O sono foi coberto por várias pulgas. Muitas coisas estavam em jogo. Os Programas eleitorais haviam (des) vendado alguns pontos obscuros. A propaganda ajudava, mas também atrapalhava.
A guerra, com suas dores e horrores, havia terminado há pouco tempo, há 18 meses. E os eleitores eram chamados para escolher quem os iria governar. Era como se os antigos contendores haviam repassado para o eleitorado o que não foi decidido no teatro operacional.
Aguentei a fila várias horas. Vi o sorriso com que saiam os que haviam exercido o seu direito de cidadania na Angola Independente e animei-me!
Já passava da hora do almoço, mas nem dei pelo ruído da fome. Quando chegou a minha vez, rezei para que tudo corresse bem, pois de algures já partiam mensagens de inquietações.
Caminhei sobre o gume da navalha até a mesa de voto. E trémulo, procurei o partido e o candidato da minha preferência. Sem titubear, Xis num e Xis no outro!
Quando depositei-o na urna ainda me questionava se não me havia enganado na hora do voto, tamanha era a responsabilidade e a tensão que pesava no ombro de cada eleitor.
Dezasseis anos depois, volto às urnas mas mais tranquilo, calmo. Acabou o medo e as incertezas!

Viva a paz! Viva a Democracia!

Mazungue é meu e ponto

Mazungue, o rio Gabelense que corre entre pedras, troncos e angústias. Adoptei-o como meu pseudónimo, aliás nunca tive outro. E os questionamentos surgiram: -
- Por quê Mazungue?
- É o rio da minha infância!
Pois todos têm um rio correndo dentro de si. Muitos já o viram ao relento, mas poucos ouviram enternecidos a melodia das suas águas entre rochas. Ademais a cidade é sempre ruidosa e degradante. Passando por debaixo da cidade da Gabela, transporta as gorduras da modernidade e só lá mais em baixo se purifica e sorri. Não sei onde fica a sua nascente nem a sua foz. Dizem nascer na Donga - região a norte do Amboim, perto da Gabela e desaguar no rio Chilo, que por sua vez desagua no rio Keve, na região da Binga, desaguando este no Oceano Atlântico.
Sei apenas que ele ornamentou as nossas brincadeiras e arrefeceu-nos do calor das correrias no capim das margens. É dele os bagres e cacussos que ajudavam a vencer a rotina pesada da cozinha feita de funge com feijão.
O mergulho no rio virou desporto para gente ribeirinha como as do Pange e Londa. Suas águas irrigavam no cacimbo as hortas fertilizadas com excrementos de cabras e excitava na memória das lavadeiras o sabor do canto da última farra.
Ouviu e guardou lamúrias de amores desavindos, paixões proibidas, traições e declarações de enamorados.
O Mazungue é o confidente, amigo, camarada!

O Mazungue é meu não o partilho com mais ninguém. Me desculpem, mas ser fã tem esse quinhão possessivo. E ponto!

domingo, 20 de julho de 2008

Aventura em terras de Minas!


Após a chegada à cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil, procurei montar o quarto. Como sobrava pouco dinheiro, pesquisei móveis mais baratos. Sozinho peguei num táxi no Bairro Manuel Honório para ir até ao Calçadão trocar duas notas de cem dólares. O motorista entrou pela avenida Rio Branco, atravessou a Rua dos Andradas, subiu a Barão de Cataguases e pegou a Olegário Maciel. Não conhecia nada, por isso não desconfiei. Desceu a Padre Café, a Avenida Independência e só depois chegamos à Rua Halfeld, vulgo Calçadão. Foram mais de 30 minutos de viagem, num circuito que gastaria apenas cinco. O taxista prolongou a viagem para amealhar mais uns trocados, pois havia descoberto, eu era estrangeiro. Troquei os 200 dólares, um dólar valia um real. Calmamente, parando aqui e acolá para admirar as vitrines, caminhei em direcção ao Mergulhão, uma passagem inferior em cima da qual estava a linha do comboio. Perto do Largo Riachuelo, agarraram o meu braço e fui cercado por quatro mulheres de meia-idade. Preparei as unhas e os dentes para a luta. Uma delas, a mais novinha, sorriu para mim e afagou a minha mão esquerda. Desarmei. Eram ciganas. Leram a minha mão. Disseram que eu não era da cidade. Certo! E que havia uma mulher que me amava muito. Talvez! Ouvi desconfiado e de cara franzida. Queria logo sair daí e correr. Mas correr para onde?
Sempre com sorriso, a cigana sem soltar a minha mão, prometeu fazer uma oração para dar-me sorte, mas antes pediu que retirasse tudo que tinha no bolso. Assim me livraria do fardo que transportava. Ingénuo! Tirei o que tinha no bolso direito já que ela segurava o braço esquerdo. Sorte minha! Num gesto rápido, ela pegou o conteúdo retirado do bolso. Entrei em pânico. Eram os cinquenta Reais! Avancei em posição de ataque. Ela juntaram-se num cacho e uma dela simulou gritar por um agente da polícia. Sem saber se gritava ou chorava ou as duas coisas simultaneamente, fiquei a olhar impotente o movimento da urbe mineira. Dia seguinte, na companhia do Sangueve, com o dinheiro que sobrara, comprei a cama, o colchão e o cobertor, tudo no bazar da Pechincha. Fui atendido por uma moça negra chamada Maria José. Você é nigeriano? Não, angolano. Ah, tá! Vão ficar aqui muito tempo? Sim. Ok. Tá morando onde?... E deu seu número de telefone. No estabelecimento havia de tudo: aparelhos de rádios e TV, móveis, vasos, pratos, roupas, enfim. Uma infinidade de objectos quinquilharia para todos bolsos e gostos. Fiquei feliz com o preço. O Sangueve foi buscar uma carroça puxada a cavalo. Meu amigo parecia um artista de cinema de pé sobre a carroça. Como se estivesse a inspecciona-lo, admirei o cavalo grande e castanho. Batia os pés no asfalto e agitava a cauda preta afugentado os insectos. As viseiras chamaram a minha atenção. Para quê serviam? Para o bicho não mudar de direcção atoa. Explicou o proprietário. Se olhar em várias direcções ele não caminha directo, não avança. Fiquei pensando nas suas últimas palavras, enquanto subíamos lentos o morro com os móveis em direcção a casa. Quando se olha em várias direcções não se avança! Tive pena do animal. Tinha o rosto triste. Quando é que uma mula sorri? Talvez quando se vinga dos homens sujando a cidade de asfalto com as suas fezes esverdeadas. Ou então, quando consegue jogar o seu algoz para o chão. Pois vida sem riso é dor!
Montamos a cama e aguardei a noite chegar. É sempre boa a estreia. A noite chegou, mas não acreditei. Fiquei sem dormir. Foi uma noite longa, porque as pulgas e percevejos não deixaram. Sem dinheiro para as novas compras tive de aprender a conviver com elas durante quase um ano. Uma coexistência penosa. Dois dias depois, a Maria José ligou para o telefone público. Queria falar com um dos angolanos que moravam ali perto. Foram logo chamar-nos. Todos saímos a correr. Primeiro, o António, a seguir, o Sangueve e eu no fim da fila. Estão chamando por um cara angolano! Será o António? O mensageiro branco mostrou-se indeciso. Sangueve? Não! Respondeu com convicção! Augusto? Isso, é ele mesmo. Meu coração tremeu. Quem seria? De Angola, não é possível!... Peguei o auscultador com cuidado como se ele mordesse ao mínimo gesto. Alô, é Augusto!.... Siiim! O coração trabalhava assustado. Aqui é Maria José, do Bazar da Pechincha! Ah, sim! Você não ligou até hoje!... ...Hum! Vamos passear um pouquinho hoje a noite? Hoje a noite? A que horas? Oito da noite! O quê? Às oito horas vou estar na Faculdade! Dezoito, dezanove e vinte. Vinte horas! Entendeu? Yá. Beijo. Tchau. Nunca recebera tanto beijo, pena que era só ao telefone. No encontro, ela já traçava planos para o futuro. Quando é que teu dinheiro vem? Fingi que não tinha ouvido. Ela com esperteza prosseguiu sem se importar com o meu silêncio. Sabia que atacaria no flanco. Eu estou muito apaixonada por você, rapaz! Vou te fazer feliz. Você não tem filhos? Eu nunca tive marido nem filhos. Você é um cara legal, atencioso... Sempre sonhei ter um cara assim… dentes lindos!... Hum!... Vamos arranjar a nossa casa, comprar mobília como aquela. E apontava para uma montra.
O coração agora tremia. Olhei indiferente para as montras, esperando a hora da despedida. Não é aqui no tal Brasil que andam falar, hum?!... Perto do Supermercado Bretas, parámos antes de atravessar para o lado do Shopping Santa Cruz. Passou um autocarro do Bairro São Pedro. No parque, vultos se movimentavam no ambiente semi-escuro. Isso aí é uma zona. Zona? Sim. Você em Angola não tem zona, não? Temos. Pensei longe. Lá cada um tem a sua zona. É mesmo? Eu também tenho a minha, onde nasci... Como assim?! Desconfiada e surpreendida. Ué, você nasceu numa zona? Sim. Chama-se Gabela. Quibela? Não, Gabela. Quibela. Estava perder a paciência. Zona é terra onde a gente nasce. Cada um tem sua aldeia. Respirou de alívio e abraçou-me. Pensei que fosse... Fosse o quê? Zona p’ra gente é lugar onde ficam as quengas. Quengas? Sim, mulheres da vida. Ah, as putas? Sorriu, sorriu. Afagando-me a cabeça com ternura. Com indícios de nervos ainda mal disfarçados na voz, perguntei: E aqueles homens que estão com elas? São clientes ou então gigolôs. Acompanhante, protector. Aié? Mas tem também homens trabalhando. Tem mulheres e homens da vida. Trabalhando a esta hora? Esta é a hora que tem mais clientes. Clientes? É, a esta hora a zona fica, assim! A mensagem foi codificada com os dedos da mão esquerda abrindo e fechando em cacho. Tem gente que não gosta de mulher. Na África também tem bichas? Tem sim! Com o socialismo, surgiram muitas bichas à entrada de supermercados e restaurantes. É mesmo?! As pessoas chegavam à madrugada e só saiam de lá no dia seguinte. Que isso, cara?! Como nem todos os dias são santos, muitos regressavam sem conseguir nada. Sei, tem isso também… Aqui, me diga uma coisa. O socialismo é bom? É, tem algumas coisas boas, mas o terrível é enfrentar as bichas. Na luta, algumas vezes se quebravam os vidros da montra. Muita gente ficava ferida. Nossa, tudo por causa das bichas? Tudo. Que isso, rapaz?! Na África também tem lâminas. Hein?... Gente que é lâmina! Comecei a ficar com medo. Lembrei-me de um filme onde uma mulher degolava as suas vítimas com uma lâmina que escondia por debaixo da língua. Não tem nada a ver! Lâmina é homem que gosta de mulher e também de homem. E lâmina porquê? Porque corta dos dois lados, bobo. Ah!... Não gostei da última palavra, mas escondi a minha insatisfação numa gargalhada. Baby, você só gosta de mulher, né?!... Desmanchei-me num sorri. Mas o volume das carícias e o andar sempre abraçado me sufocavam. Me senti amarrado sem espaço para o voo. Vamos embora! E sempre me abraçando, junto do Directório Académico, subimos no autocarro Santa Rita e na brisa fria da noite o meu pensamento ancorou na “zona”. Já viu alguém nascer numa zona? Cheguei a casa a sorrir. Dia seguinte, um homem negro que prestava serviço no Bazar alertou-me do perigo que corria. Oh negão, esta muher tem homem. Ela tem uma fiha com um cara de um metro e oitenta. Não pisa na bola com o cara. Vai te fazer bagaço, negão. Bagaço?! Azar. Corri e busquei refúgio, no Bairro Nossa Senhora Aparecida. Cheguei ofegante. É o quê mais? Não é nada, é só correr mesmo. Corpo são, mente sã! Ah, pensei que te correram. Eu? Nem pensar! Estais me estranhando! Não ouviste hoje de manhã no programa do Márcio Augusto, da Rádio Solar AM. Disseram o quê? Hoje não é um bom dia para o teu signo. Como assim? Peixe, deves estar atento com as coisas ao seu redor e ser muito prudente, porque algo de horrível poderá acontecer na sua vida. Sangueve, se ficares a ouvir estes gajos, nunca serás feliz. É mesmo! Se ficares atento vais ver que o signo de Peixes nunca tem uma previsão boa. Ora porque cuidado com dinheiro, ora porque o seu astral está em baixa. Eh, estamos mal! Também, vamos cuidar de dinheiro que não temos!... Aquário é prisão de peixes e gaiola de pássaros.