quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Patriotismo de jovens angolanas em Lisboa


Eram 13 horas! Acabava de sair da Embaixada angolana, um edifício localizado numa Avenida bem movimentada de Lisboa. Diante da Bandeira Nacional hasteada no edifício, qualquer muangolê experimenta um sentimento sublime de angolanidade. É o sentimento de pertença que nos infla de orgulho.
De manhã, com o medo de errar, perguntei a um senhor de meia-idade se aquele seria o trem para Entre Campos. Ele disse que sim. Subi atrás do homem, que mais tarde começou a pedir esmola aos passageiros. Que susto! Era deficiente visual! Quase explodi ao reprimir uma gargalhada!... Ser novato em cidade desconhecida prega dessas partidas.Cego é quem não quero ver!
Linha Amarela. Linha Verde! Linha Vermelha! E Linha…! No regresso, vinha mais cauteloso, tamanho era o desnorte. Subi no Metro, desconfiado pela incerteza de ser aquele o trajecto, que me levaria directamente ao Rossio, Centro de Lisboa.
Sentei-me e ao meu lado, poisaram suave, para minha surpresa e agrado, duas moças, que mal tinham passado da adolescência, se é que já deixaram na poeira dos anos essa fase de metamorfoses, cobranças, incompreensões, sonhos, contradições e expectativas.
Acostumado a ouvir com maior frequência sotaques de caboverdianos e guinienses, desconfiei e afinei os ouvidos. Na velocidade e no semi-escuro do túnel, desviei a atenção para as sombras deixadas pelos objectos em movimento na imaginação dos passageiros.
- Os outros têm muitas coisas bonitas, fábricas e indústrias e vida melhor, não nos esqueçamos que eles tiveram de batalhar, arregaçar as mangas.
- Batalharam muito! O país precisa de nós. A droga não é a solução, porque ela apenas destrói o nosso sonho, tornando-nos reféns do vício.
- É verdade! Devemos estudar, procurar assimilar o máximo de conhecimentos, para voltarmos para o país.
-Estás a ver! O nosso curso vai ser importante. Aliás, depois de vários anos de guerra…
- O país precisa de quadros competentes e dedicados. E nós podemos ajudar a construir um país melhor.
- Só com trabalho podemos conseguir o que queremos!
Impelido pela curiosidade, desisti de fazer de espelho a janela do Metro e sorrateiramente tentei encarar a moça, que sentava de frente para mim. Ela era clara, usava jeans e um casaco preto. Mas logo os nossos olhos se cruzaram e eu refugiei-me apressado no túnel do eléctrico. A que estava do meu lado, era baixa e fala menos. E o diálogo tornou-se tão interessante, que me emocionei. Fiquei impressionado com a clareza e a convicção com que defendiam as suas ideias:
- Moças, de que país são vocês?
Não tive dúvidas, são angolanas de verdade, como aqueles e aquelas que deram o que tinham de melhor para defender a pátria.
A Stela e a Amélia estudam Serviço Social em Lisboa a expensas da família, pois não têm bolsa de estudo. Nos períodos da tarde, pensam arranjar emprego, para ajudar a suportar a formação.
E foi com lágrimas nos olhos que as vi partir, acenando-me. Elas desceram na Baixa do Chiado e eu desceria no Rossio, mas na distracção errei novamente a paragem, mas não fiz questão, tinha ganho o dia.
Ao desembarcar, limpei com a manga do casaco uma lágrima teimosa. Não são lágrimas da idade ou da saudade da família distante, mas sim de emoção de perceber que todo o sacrifício de gerações sucessivas de angolanos não fora em vão. E não tinha dúvidas! Através da devoção, do amor ao país e aos seus símbolos identificamos um verdadeiro patriota.
Esquecido do almoço, mergulhei em meus pensamento, ao caminhar nas ruas da Lisboa, onde desembarquei dois dias antes das celebrações do 34º aniversário da Independência de Angola. Cheguei à Europa, num momento em que mundo comemorava o 9 de Novembro, dia da queda do Muro de Berlim. O Muro que separava a Nação alemã caiu há 20 anos. Na cerimónia vi Walesa a derrubar a réplica, mas quantos muros estão por derrubar?
É com atitudes como as da Stela e Amélia que derrubaremos o muro da pobreza, da fome, da injustiça e do desemprego e em seu lugar edificarmos uma Angola reconciliada e próspera.
Hoje é 20 de Novembro, pensei ao chegar ao hotel. Faltam poucos dias para o CAN 2010! E a alegria, por tão retumbante vitória, banhou o rosto. Já ganhamos!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Morangos da paz



Um cestinho veio do Huambo. Trazia morangos. Mal chegou e logo o cheiro da fruta inundou a casa. Eram morangos gostosos, que minha cunhada enviara. No cartão preso na pega lia-se: “Queiram aceitar a fruta da paz! Assina, Graça”.
Todos nos deliciamos. Minhas filhas, pela primeira vez, comeram morangos. Não eram morangos da televisão, que pobre come com os olhos! Eram de verdade. Por isso, houve disputa. Disputaram cada fruto e finalmente o cestinho feito de folhas de palmeira. A do meio queria usá-lo para guardar roupa da sua boneca, a mais velha queria-o para ornamentar a prateleira do seu quarto, enquanto o rapaz, o cassule, queria aproveitá-lo para fazer uma armadilha para prender pássaros.
Atraídos pelos morangos, no Natal de 2003, decidiram viajar até à fonte.
Foram 15 dias no Huambo. Chegaram com muitas novidades. Falaram dos primos, dos tios, das ruas e das pessoas. Apaixonaram-se pelo linguajar da região. A mais novinha disse que todas as paredes estavam picotadas: “Papá, o Huambo é muito bonito, até estão a pintar os prédios!”.
- Mas já começaram a pintar?
– Não, apenas picotaram as paredes!
Calei-me! ... Ela não sabia, que aquelas marcas nos edifícios eram sinais, deixados por anos de um conflito sangrento. Então, para quê fazê-la lembrar? Para quê mexer nas chagas?
Dormimos e durante uma semana as conversas gravitaram em torno do Planalto, até o brilho das imagens da parabólica retomarem o seu lugar cativo com a novela “Chocolate com Pimenta” e “A Cor do Pecado”.
Os relatos das crianças fizeram-me sair da casca e retomar um velho sonho. Então, nas férias, em Fevereiro, decidi viajar por terra. Queria conhecer melhor o país. O conhecimento propicia amor profundo.
Parti de Luanda de Jeep, como se estivesse a ir à Barra do Kwanza. Nada de preocupações com pistolas, AKM e granadas, apenas o cuidado redobrado com o carro emprestado.
Olhei para a paisagem sem medo de ser surpreendido por um disparo. A vegetação em movimento e os solavancos mexeram o saco de lembranças. Entre a ponte do rio Longa e Porto Amboim está o Calele. Era perigosíssimo. Em tempo de guerra passei ali com o coração apertado. Até para ateus Deus era a única salvação! Hoje, nem dei por ele.
A viagem entre o município do Porto Amboim e Gabela houve alturas que durava mais de 10 dias. Agora, apesar de parte dela não ter asfalto, apenas são precisas três horas. Entre as Cachoeiras da Binga e a Gabela havia um ponto crítico: o tal “Pau Preto”. No local, os camponeses trabalham a terra, os camionistas, que circulam a qualquer hora do dia, param para descansar. As flores silvestres cobrem os restos dos veículos atingidos pela violência. Enquanto, a oxidação corrói o metal, o tempo apaga o rasto da guerra fraticida.
Visitei a Quilenda, Kibala, Wako Kungo, Huambo e Benguela... Voltei a Luanda feliz e rejuvenescido! Os morangos da paz eram de verdade e jamais serão mofados! Morango é amor, é paz, é concórdia! VIVA!