quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Desejo


Apesar da distância, a festa do fim do ano teve o sabor à Candando. No cair do pano sobre 2009, o sentimento predominante é o de alegria por termos chegado são e salvos ao fim do ano e de uma década. Não se esqueçamos porém, que no percurso tortuoso da vida, todos somos afluentes de um mesmo rio que desce em direcção à foz.
Desejo-vos um 2010 cheio de fé, muita saúde, paz e prosperidade!
Olha, em 2009 aprendi que quando as estrelas desaparecem do céu é porque está a amanhecer. Seja você a estrela de um novo dia!

Nos vemos em 2010, se Deus assim o desejar.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Tempero!

Funge, peixe, carne e feijão preto eram os pratos preferidos pelos dois, mas
quem os confeccionava com maior frequência era o Cativa. Cada um tinha a
sua especialidade. Wandalika dedicava-se em confeccionar arroz com bife e
salada, peixe grelhado com macarrão. Era criativo que chegou a fazer kizaca
com o liquidificador e funge de bombó a partir da farinha de mandioca não
torrada. Aos sábados, quando houvesse dinheiro, fazia geralmente compras no
supermercado do Bairro São Mateus, antevendo o fim-de-semana. Quando na
cozinha, até usava avental e o tempero inundava a casa. À noite, temperava o
peixe ou carne, colocava em via de alho e no dia seguinte, em fogo brando,
confeccionava o almoço.
E durante a refeição, Cativa não poupava elogios. Pai, aprendeste cozinhar
assim aonde? Aprendi com a minha dama, mas ela diz que eu não sei
cozinhar. Hum! Talvez não goste de concorrência! Talvez! Cozinhas tipo dama!
Tens mãos de fada! Eh rapaz, cuidado! Yá, outro dia até fizeste calulú! Aquilo
era uma delícia, até bizei! Onde é que compraste a rama de batata? Encontrei-
a na quinta do meu colega. Eles aqui não comem rama nem folhas de
mandioca! Não sabem o que estão a perder! Aquilo é a pura vitamina. Olha,
durante a Festa dos Africanos, fizemos um prato de Angola, que os brasileiros
não resistiram! Kizaca com muamba! Até estavam a lamber os dedos. Outros
diziam que era medicamento. Têm razão, p’ra nós que bebemos, aquilo ajuda a
manter a forma.
Agora estes frangos que nascem num dia e crescem na noite seguinte, é só
doenças para o corpo. Ah porque colesterol! No kimbo nunca ouvi falar disto.
Falando em colesterol, tens de ter cuidado com o uso de gorduras. Você põe
muito óleo na comida. Ah, agora estás a controlar até o óleo? Estou mal! Não é
controlar o óleo, é controlar a saúde, …Basta ver a maneira como abres a lata.
Deves fazer dois furos, um pequeno e o outro um pouquinho maior. Não
precisa estuprar a lata! Eh, aquilo são buracões! Isso é coisa de pobre. O pobre
é sempre muito exagerado no uso das coisas. Já tem pouco, mas usam sem
parcimónia. Depois dia seguinte, está com a caneca na porta do vizinho!
Wandalika, falando em vizinha. Tive uma no bairro São Pedro da Barra que de
manhã, mandava o filho pedir fósforo, açúcar e chá. No almoço, sal, gindungo
e óleo. Um dia reclamei, sabe o que ela disse? Aquela senhora é bruxa, yá!
Que estão a se achar, mas quando morrerem vão deixar tudo para o velório!
Um dia destes, bebi uns copos, quase lhe dei uma surra, a sorte é que ela
fugiu! Você vai querer bater uma mulher? Yá, ela estava a brincar… Nunca
viste? Mulher tem muito jeito. Ainda vai manipular a informação e quando o
marido dela ouvir!... Epá, se eu estou a ver que o marido dela tem músculos,
não vou perder tempo. Pego logo no ferro, antes que não me passam uma
bassúlas e cabeçadas. Há gajos que batem à sério. Eu lhe furo e vou lhe
cumprir... Também, já viram um tropa a levar purrada na mão de um civil… Em
Luanda, ninguém te acode e ainda por cima começam a agitar: lhe dá mesmo!
Yá, lhe pega, Uááá! Palmas e assobio e tudo! Olha, falando em purrada. No
Bairro Golfe, um 2º tenente estava a conduzir o seu carrito, quando ao travar
para deixar passar um peão foi atingido na parte traseira por um turismo. O
gajo estava distraído! Yá, ouve então! O tenente desce para ir saber o que
aconteceu. Assim que se abaixou para ver os danos, o condutor que havia
batido, também desce e dá-lhe duas galhetas daquelas, pai! O tropa cai! Todo mundo só a olhar. Era hora do engarrafamento. O tenente levantou-se
calmamente, puxou na pistola e disparou no joelho do cara. Todo mundo
começou a gritar: Matou! Matou!…UÁUÉÉ Outros puseram as mãos na
cabeça! Uaéé… O militar subiu no carrito dele e bazou.
As moças que vinham no carro que havia batido, fugiram todas deixando o
condutor deitado no chão. A boca já bem seca! Fala mais! Aquilo tudo é só
ilusão, por causa das catorzinhas… Essas pequenas o que fazem!!! Lhe saiu!
Acho que o militar depois foi julgado, mas ganhou razão. Yá, bater no tropa é
teu azar que estás a procurar! Isto até é porque a guerra acabou, no tempo da
quitota quem é que levantava o coiso!!!... A paz é fixe! Todos estamos
misturados no engarrafamento!.... Desencartados, gatunos, malucos,
assassinos…chefe, subordinado, general, soldado. É como na Internet! É
democracia global, yá! O general está se esticar com o jeep Toyota Prado
novinho, você aqui do lado com o teu Starlet a deitar bué de fumo no escape,
também a fazer banga! É o quê? Isso é Angola! Estamos sempre a subir!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal com palavras


No Natal, estamos em comunhão, mas é um dia incomum, porque rompe com o ciclo de rotinas moldadas no fazer da vida um lugar de vencer distâncias e derrubar obstáculos. É momento de pausa para um olhar desarmado, ainda que de soslaio, para o mundo que se estende além do ego de cada um.
Apreciar a beleza e o significado da obra que erguemos e as relações que estabelecemos e mantemos com a esposa, com os filhos, com os outros membros da família, com os colegas e amigos, com Deus e a Pátria!
Com certeza, para muitos, no fim, ao voltar o olhar para o horizonte, a retina guardará um tapete colorido de flores, cujo perfume agradará às redondezas. E outros, amaldiçoarão a sua sorte, quando se aperceberem que, a seus pés, das sementes germinaram apenas espinhos. Permanecerá todo o sentido da parábola segundo a qual quem semeia ventos colherá tempestades. E a festa que se fizer, ajustar-se-ia ao devido tamanho e à qualidade da colheita no fecho da safra. Se calhar, muitos teriam poucas razões para festejar.
Haverá outros, para quem as sementes não germinaram. Chorarão, mas a porta não se fechou! Não amaldiçoe nem culpabilize os demais. Reveja os seus próprios métodos e técnicas que usou no amanho da terra. Verificai a fertilidade do solo e a qualidade da semente!
O semeador sofrerá, chorará e suará, mas, se tudo for feito com amor resultará numa safra de muita fartura em paz e alegria. O amor brilha e é comum confundi-lo com o de muitos cascalhos que abundam na natureza. Muitos caíram em desgraça por o terem confundido.
Saúde, dinheiro, carros, felicidade. – “A felicidade, todos nós queremos”, cantou Sebem! A todos existe a chance de encontrá-la, mas ela pode estar por detrás de um simples gesto de amizade, de amor, de carinho, de camaradagem e de solidariedade.
E ontem, por razões que transcendem a imodéstia, foi um dia daqueles que ganham lugar cativo no arquivo da memória e coroam a vida com o sublime dos presentes.
- Ainda guardo uma foto daquele tempo antes da independência. Nela estou eu e outras crianças da minha idade. As crianças brancas, de que faço parte, estavam bem apresentadas e naturalmente sorridentes, enquanto as negras mal vestidas e tristes. Hoje, os meus olhos vêm coesas que não viam naquele tempo. Se naquela altura não fosse assim, o nosso futuro teria sido diferente!
Essas são palavras de um ex-estudante da Escola Primária nº66 Augusto Gil, na Gabela. Hoje, ele tem 46 anos e vive no Porto, Portugal.
Uma dessas crianças negras de que se refere, e que levavam banana cozida com dendém e lavavam os pés empoeirados pela marcha no riacho antes de entrar na cidade de asfalto, sou eu! E o meu Natal era diferente do dele, mas tinha presépio e menino Jesus!
Na conversa mantida através do MSN, ele contou a saudade que sente dos antigos colegas e amigos e de Angola. E ficámos remoendo nossas lembranças, costurando sob o frio do inverno os nossos sonhos num amanhã radiante, que enterre para sempre as tristezas que amargaram a vida!
Ao terminar, ele clicou num bolo e eu num presente! E ficou a promessa de vermo-nos em 2010, em Angola! Que Deus nos abençoe!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Parabéns Proletário

É Dezembro, estamos em clima de festa. E não podia ter sido escolhida uma data diferente para o lançamento do primeiro CD do músico Proletário. No cenário musical desde 1970, Proletário consegue gravar o seu disco 39 anos depois. Parabéns pela perseverança! Foram vários anos de lutas e esperas, mas finalmente o sonho se concretiza. É uma vitória para o músico e para todos os amantes da sua arte, que de Scania 111 passaram em Sanguiguenda, Kapelequeze, Makumba e até Kimbonbeia. As 13 faixas editadas representam ínfima parte do reportório do cantor, mas para começar, valeu! Coragem! É uma Caminhada!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


Saudade é um pouco como a fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector


OBSERVAÇÃO: Essa foi a última carta de Edna, antes da sua morte por atropelamento em Maio de 1998. Se estivesse viva faria dia 25 de Dezembro de 2009, 21 anos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

REFAZER VIDAS! HARMONIZAR DESEJOS!





A Palanca Negra gigante foi uma das vítimas do conflito angolano, que terminou há sete anos, depois de mais de 30 anos.
A localização do antílope, que é símbolo da Selecção de Futebol e da Companhia Aérea angolana, põe fim à especulações sobre a sua extinção. Depois do fim da guerra, manadas de elefantes e outras espécies estão regressando aos parques e reservas naturais. Todos estão desejosos dereconstruir as suas vidas, a sarar as chagas, a cicatrizar as feridas! Incrível, homens e palancas partilham o mesmo desejo: viver em paz e harmonia!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Patriotismo de jovens angolanas em Lisboa


Eram 13 horas! Acabava de sair da Embaixada angolana, um edifício localizado numa Avenida bem movimentada de Lisboa. Diante da Bandeira Nacional hasteada no edifício, qualquer muangolê experimenta um sentimento sublime de angolanidade. É o sentimento de pertença que nos infla de orgulho.
De manhã, com o medo de errar, perguntei a um senhor de meia-idade se aquele seria o trem para Entre Campos. Ele disse que sim. Subi atrás do homem, que mais tarde começou a pedir esmola aos passageiros. Que susto! Era deficiente visual! Quase explodi ao reprimir uma gargalhada!... Ser novato em cidade desconhecida prega dessas partidas.Cego é quem não quero ver!
Linha Amarela. Linha Verde! Linha Vermelha! E Linha…! No regresso, vinha mais cauteloso, tamanho era o desnorte. Subi no Metro, desconfiado pela incerteza de ser aquele o trajecto, que me levaria directamente ao Rossio, Centro de Lisboa.
Sentei-me e ao meu lado, poisaram suave, para minha surpresa e agrado, duas moças, que mal tinham passado da adolescência, se é que já deixaram na poeira dos anos essa fase de metamorfoses, cobranças, incompreensões, sonhos, contradições e expectativas.
Acostumado a ouvir com maior frequência sotaques de caboverdianos e guinienses, desconfiei e afinei os ouvidos. Na velocidade e no semi-escuro do túnel, desviei a atenção para as sombras deixadas pelos objectos em movimento na imaginação dos passageiros.
- Os outros têm muitas coisas bonitas, fábricas e indústrias e vida melhor, não nos esqueçamos que eles tiveram de batalhar, arregaçar as mangas.
- Batalharam muito! O país precisa de nós. A droga não é a solução, porque ela apenas destrói o nosso sonho, tornando-nos reféns do vício.
- É verdade! Devemos estudar, procurar assimilar o máximo de conhecimentos, para voltarmos para o país.
-Estás a ver! O nosso curso vai ser importante. Aliás, depois de vários anos de guerra…
- O país precisa de quadros competentes e dedicados. E nós podemos ajudar a construir um país melhor.
- Só com trabalho podemos conseguir o que queremos!
Impelido pela curiosidade, desisti de fazer de espelho a janela do Metro e sorrateiramente tentei encarar a moça, que sentava de frente para mim. Ela era clara, usava jeans e um casaco preto. Mas logo os nossos olhos se cruzaram e eu refugiei-me apressado no túnel do eléctrico. A que estava do meu lado, era baixa e fala menos. E o diálogo tornou-se tão interessante, que me emocionei. Fiquei impressionado com a clareza e a convicção com que defendiam as suas ideias:
- Moças, de que país são vocês?
Não tive dúvidas, são angolanas de verdade, como aqueles e aquelas que deram o que tinham de melhor para defender a pátria.
A Stela e a Amélia estudam Serviço Social em Lisboa a expensas da família, pois não têm bolsa de estudo. Nos períodos da tarde, pensam arranjar emprego, para ajudar a suportar a formação.
E foi com lágrimas nos olhos que as vi partir, acenando-me. Elas desceram na Baixa do Chiado e eu desceria no Rossio, mas na distracção errei novamente a paragem, mas não fiz questão, tinha ganho o dia.
Ao desembarcar, limpei com a manga do casaco uma lágrima teimosa. Não são lágrimas da idade ou da saudade da família distante, mas sim de emoção de perceber que todo o sacrifício de gerações sucessivas de angolanos não fora em vão. E não tinha dúvidas! Através da devoção, do amor ao país e aos seus símbolos identificamos um verdadeiro patriota.
Esquecido do almoço, mergulhei em meus pensamento, ao caminhar nas ruas da Lisboa, onde desembarquei dois dias antes das celebrações do 34º aniversário da Independência de Angola. Cheguei à Europa, num momento em que mundo comemorava o 9 de Novembro, dia da queda do Muro de Berlim. O Muro que separava a Nação alemã caiu há 20 anos. Na cerimónia vi Walesa a derrubar a réplica, mas quantos muros estão por derrubar?
É com atitudes como as da Stela e Amélia que derrubaremos o muro da pobreza, da fome, da injustiça e do desemprego e em seu lugar edificarmos uma Angola reconciliada e próspera.
Hoje é 20 de Novembro, pensei ao chegar ao hotel. Faltam poucos dias para o CAN 2010! E a alegria, por tão retumbante vitória, banhou o rosto. Já ganhamos!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Morangos da paz



Um cestinho veio do Huambo. Trazia morangos. Mal chegou e logo o cheiro da fruta inundou a casa. Eram morangos gostosos, que minha cunhada enviara. No cartão preso na pega lia-se: “Queiram aceitar a fruta da paz! Assina, Graça”.
Todos nos deliciamos. Minhas filhas, pela primeira vez, comeram morangos. Não eram morangos da televisão, que pobre come com os olhos! Eram de verdade. Por isso, houve disputa. Disputaram cada fruto e finalmente o cestinho feito de folhas de palmeira. A do meio queria usá-lo para guardar roupa da sua boneca, a mais velha queria-o para ornamentar a prateleira do seu quarto, enquanto o rapaz, o cassule, queria aproveitá-lo para fazer uma armadilha para prender pássaros.
Atraídos pelos morangos, no Natal de 2003, decidiram viajar até à fonte.
Foram 15 dias no Huambo. Chegaram com muitas novidades. Falaram dos primos, dos tios, das ruas e das pessoas. Apaixonaram-se pelo linguajar da região. A mais novinha disse que todas as paredes estavam picotadas: “Papá, o Huambo é muito bonito, até estão a pintar os prédios!”.
- Mas já começaram a pintar?
– Não, apenas picotaram as paredes!
Calei-me! ... Ela não sabia, que aquelas marcas nos edifícios eram sinais, deixados por anos de um conflito sangrento. Então, para quê fazê-la lembrar? Para quê mexer nas chagas?
Dormimos e durante uma semana as conversas gravitaram em torno do Planalto, até o brilho das imagens da parabólica retomarem o seu lugar cativo com a novela “Chocolate com Pimenta” e “A Cor do Pecado”.
Os relatos das crianças fizeram-me sair da casca e retomar um velho sonho. Então, nas férias, em Fevereiro, decidi viajar por terra. Queria conhecer melhor o país. O conhecimento propicia amor profundo.
Parti de Luanda de Jeep, como se estivesse a ir à Barra do Kwanza. Nada de preocupações com pistolas, AKM e granadas, apenas o cuidado redobrado com o carro emprestado.
Olhei para a paisagem sem medo de ser surpreendido por um disparo. A vegetação em movimento e os solavancos mexeram o saco de lembranças. Entre a ponte do rio Longa e Porto Amboim está o Calele. Era perigosíssimo. Em tempo de guerra passei ali com o coração apertado. Até para ateus Deus era a única salvação! Hoje, nem dei por ele.
A viagem entre o município do Porto Amboim e Gabela houve alturas que durava mais de 10 dias. Agora, apesar de parte dela não ter asfalto, apenas são precisas três horas. Entre as Cachoeiras da Binga e a Gabela havia um ponto crítico: o tal “Pau Preto”. No local, os camponeses trabalham a terra, os camionistas, que circulam a qualquer hora do dia, param para descansar. As flores silvestres cobrem os restos dos veículos atingidos pela violência. Enquanto, a oxidação corrói o metal, o tempo apaga o rasto da guerra fraticida.
Visitei a Quilenda, Kibala, Wako Kungo, Huambo e Benguela... Voltei a Luanda feliz e rejuvenescido! Os morangos da paz eram de verdade e jamais serão mofados! Morango é amor, é paz, é concórdia! VIVA!

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Razões do optimismo angolano

Dia 31 de Dezembro de 2003, depois do balanço feito pelo governador do Banco Nacional de Angola, Amadeu Maurício, e impulsionado pelo entusiasmo manifestado durante a cerimónia de fim de ano, corri a procura do barbeiro. Pois, não queria transitar de ano com o mesmo visual, deteriorado pelos estragos de uma calvície que não indícia nem fortuna nem feitiço.
Contrariamente ao optimismo de Amadeu Maurício, o meu barbeiro mostrou-se pessimista. Referiu-se com cepticismo às medidas do Governo que levaram a queda da inflação acumulada de mais de 100%, em 2002, para cerca de 72%, em 2003.
Para ele, os poucos ganhos ora tidos como “históricos” iriam perder-se: a inflação vai descolar e com ela o custo de vida. Será, em sua perspectiva, o fim do sonho de estabilização.
O Deputado da UNITA Maluca, que na altura procurava também amparar o que sobrara da careca, murmurou algo que tinha a ver com a aprovação pela Assembleia Nacional da injecção de notas de maior valor facial. – Eles querem assim, tentamos mas...
Refugiei-me no silêncio. Terminado o corte, dei a última olhada no espelho e paguei o serviço com duas notas de 100 kwanzas. Depois perguntei qual era o valor praticado no início do ano de 2003. – 200 Kwanzas! não aumentamos nada, - adiantou o barbeiro.
- Então, de alguma forma as medidas do Governo tiveram efeito positivo na vida do cidadão. O mercado monetário e cambial funcionou melhor e houve maior estabilização do índice geral de preços. A taxa de câmbio estabilou-se. O pão sofreu ínfimo incremento. O pão burro, quase que saiu de circulação. Os preços da fuba, do peixe, da quizaca continuam os mesmos. Nos supermercados já vemos produtos de produção nacional. Passou para a história o tempo em que consumiamos tomate importado. O Kwanza valorizou-se.
O Cartão Multicaixa já funciona, pelo menos em Luanda! O sistema financeiro começa a organizar-se. O cidadão pode obter crédito junto dos bancos. O crédito bancário timidamente começa a fazer parte do quotidiano do cidadão comum. Comprar tudo a pronto pagamento, indicia alguma anormalidade! No mundo afora até uma caneta de 10 dólares pode ser paga em prestações. Aqui compra-se carro só com o dinheiro na mão... por isso a solução tem sido as quixiquilas! Nunca houve tanto jogo da sorte em Angola! Os juros ainda são altos, mas esse é um outro desafio.
Mas 2003 pode ser considerado sim, um ano histórico. De Janeiro a Setembro Angola exportou um total de 224 milhões 109 mil e 612 barris de petróleo, cujo preço médio foi avaliado em 6 biliões 252 milhões 172 mil e 76 dólares e 20 cêntimos. As receitas diamantíferas atingiram os 800 milhões de dólares. Mas não foi só em petróleo e diamantes. Houve esforços em vários sectores. O país transformou-se num verdadeiro canteiro de obras. Construção agita o mercado. A indústria de rochas ornamentais e a madeireira procuram animar-se. Apela-se ao controlo rigoroso das receitas e a maior transparência nas gestão dos recursos públicos!
As potencialidades turísticas atraíram para o país mais de 90 mil visitantes. O número de investidores cresceu. Todos procuram aproveitar a oportunidade imperdível. Agência Nacional de investimentos foi criada para agilizar o processo de investimento. Guiché Único vai diminuir as queixas sobre a burocracia. A rede comercial começa a estender-se às mais variadas localidades. As cantinas e botequins voltam aos bairros. É o início do fim do comércio informal.
A circulação rodoviária começa a tranquilizar-se com a reconstrução de algumas pontes e a reabilitação de alguma vias primárias e secundárias. Sumbe não tem ainda telefonia celular, mas foi uma das primeiras a ganhar a preferência dos autocarros da Macon.
Viajar hoje no trajecto Luanda-Sumbe é mais cómodo e seguro. Nada de correrias diabólicas, que quase sempre terminam em tragédia!
Por outro, tem que se pensar na construção de rodoviárias. Por exemplo, Luanda deve ter um centro rodoviário; ponto de partida e de chegada de todos os autocarros que circulam pelo país.
Não se pode pensar, por exemplo, em incentivar o turismo interno com a Macon a disputar com os candongueiros os passageiros no mercado do Rocha Pinto; ou com aeroportos domésticos no estado em que se encontram.
Já foi ao aeroporto doméstico de Luanda? Se as condições de Luanda são as que assitimos, então o que dizer do Saurimo e do KK?
Em 2003, o alarme veio da fauna: vamos importar carapau e a Palanca Negra não foi ainda encontrada no Parque da Cangandala. Sobre as Pescas falta fiscalização: há cerca de 4 anos, quando uma manchete desse Jornal dava conta do risco de extinção do camarão e de outras espécies marinhas, foi prontamente desmentida pela fonte (Ministério das Pescas). Afinal quem tinha razão? Agora soou a sirene!
A telefonia cobre cada vez melhor o país, pena que a qualidade caiu de mau para péssimo. Com duas operadoras apenas, fica difícil escolher qual delas é a melhorzinha. Optar é um exercício de autoflagelamento.
Energia piscou e a água pingou, em 2003. No entanto, mais de 100 milhões foram pelo ralo. Sem o fornecimento regular destes dois produtos fica difícil pensar em grandes projectos industriais. Aliás, depois da paz e a aprovação da Nova Lei sobre investimentos Privados, os investidores têm isso como condição básica.
Agora maior esperança está voltada para a barragem de Capanda.
Com Capanda a operar, ocorrerá uma grande revolução. Vai permitir a reindustrialização do país, o aumento de postos de trabalhos e a diminuição do desemprego, a iluminação dos bairros e o aumento do patrulhamento policial. Aumento do número de estabelecimentos de ensino dando aulas no período nocturno, da circulação de autocarros a noite, aumento do aproveitamento dos alunos, pois terão condições para revisar as matérias a noite, enfim, da oferta de bens e serviços, a diminuição da mortalidade e dos incêndios por vela esquecida no colchão ou por explosão do candeeiro a petróleo. Teremos mais estações de serviço... e espaços de lazer!
Quem vive da venda de velas, candeeiros, geradores, pilhas, lanternas, arcas frigoríficas verá, decerto, o facturamento a minguar.
TENHO OU NÃO RAZÃO PARA SER OPTIMISTA EM 2004?
2004: produção, transparência e controlo!


OBS. Texto publicado em Dezembro de 2003 no Jornal de Angola sob o título "Razões do Optimismo Angolano em 2004".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Justificação

Estimados internautas!

Queiram desculpar-me pela baixa assiduidade. Aconteceram várias coisas que mexeram com as margens da vida. Da Samba, hoje moro no bairro Zango-1, município de Viana. Somado ao engarramento do trânsito, a casa onde moro não possui energia eléctrica e o sinal da Internet(Movinet) é muito deficiente.

Aceitam a justificação? ... OK! Espero por 2010 para normalizar o sono e o sonho!

Bye, bye!

MEMÓRIAS DO GUERRILHEIRO “KUMBI DIEZABU”


São 14 horas e 45 minutos. Cai chuva miudinha lá fora. Uma chuva fina, mas persistente. No interior da vivenda do velho guerrilheiro, situado no Bairro Prenda, em Luanda, a vida estacionou na berma da estrada.
O tempo encalhou nas pedras do caminho. Na parede frontal da sala um relógio. Os ponteiros marcam 11 horas, talvez 23 horas. Num outro, à direita, são 17 horas e cinco minutos. Serão já 5 horas e 5 minutos da manhã? Uma diferença de fusos horários que só passageiros assíduos frequentadores de aeroportos e rodoviárias encaram com friesa. Onde estamos? Luanda-Lisboa-Rio ou Nova Iorque? Qual dos relógios está certo?
A espera é salpicada de ansiedade. As cortinas se abrem e o guerrilheiro apoiado sobre uma moleta canadiana esboça um sorriso difícil de decifrar. Veste um fato castanho e gravata bonita.
Artur Vidal Gomes “Kumbi Diezabu” poisa o olhar húmido sobre as peças de artesanato que ornamentam a sala. Na memória, lembranças indeléveis de um passado que faz do presente seu refém.
“Kumbi Diezabu” traduzido para português, quer dizer “o dia esperado chegou”. Efectivamente “Kumbi Diezabu”, porque foi difícil localizá-lo em Luanda. Conhecera-o em 1980, no Sumbe. Na altura, era director do complexo agro-pecuário da Cela-Wako Kungo, Kwanza Sul. Ele usava botas de cano alto parecia personagem de um filme. Baixo e forte, se não fosse a trombose que o fragilizara e o deixara incapaz de se movimentar sem moletas e a dificuldade visível em pronunciar as palavras, diría-se que Diezabu não mudou muito nos últimos anos. Talvez por isso tenha sido fácil reconhecê-lo. Mantém os fartos cabelos jimi e a mesma barba cercando o rosto. Só que agora os cabelos brancos devoram os negros, como o deserto que avança sobre a floresta.
No rosto largo, sobressaem dois pontinhos luminosos e eloquentes. São estes, que na companhia das mãos e da mímica dos lábios, completam o discurso oral entrecortado por momentâneos silêncios. A esposa zelosa ajuda a descodificar as imprecisões dos signos. A comunicação se estabelece. Atordoados, os visitantes viajam no balão de recordações de “Kumbi Diezabu”.
“Kumbi Diezabu”nasceu aos 7 de Abril de 1942 na aldeia de Kagi-Mazumbu-Nambuangongo. Órfão de pai, aos 10 anos é arrancado da escola e vendido ao proprietário de fazendas de café, Zeca Faria e mais tarde ao fazendeiro José Eduardo dos Santos, dono da roça “Santa Euláli”
Aos 19 anos, desejoso de lutar contra o colonialismo português, depois da eclosão do 15 de Março, ingressa no MPLA, representado na área pelo comandante João Gonçalves Benedito. Participou em vários combates em Nambuangongo, Ukua e Dembos.
A 9 de Agosto de 1961, depois da expedição colonialista ter desarticulado as posições guerrilheiras no Kikabu e Luika, apoderam-se da localidade de Mukondo, dando início à ocupação efectiva de Nambuangongo, em 10 de Setembro de 1961.
Na madrugada desse mesmo dia, Artur Vidal Gomes, na altura usando como pseudónimo “Vingador Justiceiro” toma parte na tentativa dos nacionalistas reconquistarem a localidade. As tropas coloniais entrincheiradas na igreja, aniquilaram metade do efectivo dos atacantes, graças a ajuda de armadilhas, electrocucção bem como de bombardeamento de canhões e metralhadoras de 12,7 milímetros.
Com 19 anos de idade “Vingador Justiceiro”, é eleito pelo conselho de anciãos do Kagi para substituir o comandante Benedito, que havia partido para Leopoldiville, hoje República do Congo, com intenção de contactar a direcção do MPLA e aí abastecer-se de armas e munições.
A situação degradava-se a cada dia, no entanto os nacionalistas faziam tudo para contrariar os ocupacionistas. Já sob comando de Vingador Justiceiro reuniram armas rudimentares do tipo kaniangulo e alimentação para continuarem o combate de guerrilha que eles desconheciam na essência.
A 1 de Março de 1963, Vingador Justiceiro parte para Leopoldiille, onde prosseguiu com a sua actividade militante, mobilizando refugiados angolanos para a causa da libertação. Na sequência foi várias vezes preso pelos gendarmes, polícia hostil ao MPLA.
Um ano mais tarde, frequenta o primeiro curso militar na antiga União Soviética. Em Outubro 1967 regressa ao continente africano e é colocado como responsável do campo militar da Organização de Unidade Africana(OUA, em Kongwa-Dodoma Tanzânia, destinada aos movimentos de libertação africanos. Depois recebe ordens para seguir para o interior na companhia de todo efectivo que aí se encontrava.
“Kumbi Diezabu” foi, em 1968, instrutor militar do Centro de Instrução Revolucionária Mandume II-ZA terceira região do MPLA, Moxico.
Liderou a abertura da IV região Político Militar em Maio de 1968, (Que compreende as províncias da Lunda e Malanje) e lhe é atribuído a categoria de comandante da Zona Certeza. Mais tarde chegou a ocupar o cargo de Chefe das operações e do reconhecimento do Comando dessa região. Com a morte do comandante da IV Região Joaquim João Cardoso e do seu chefe logístico, Henrique Leonardo Gama Gil ´Liberdade”, a 21 de Maio de 1969, “Kumbi Diezabu” é nomeado comissário político e interinamente comandante da região.
Em 1970, vai para Tanzânia e ocupa-se do campo de treinos em Mgagao-Iringa com ajuda de instrutores chineses.
Posteriormente fez o curso médio de veterinária, na Roménia. Participou do Congresso de Lusaka, em 1974. Em 1976, foi nomeado director provincial da agricultura da Huíla. Em 1977, assumiu a direcção da Empresa de Produção Suína- Enasu-UEE. De 4 a 10 de Dezembro foi delegado ao I Congresso do MPLA.
Trabalhou ainda como director da Empresa de Avicultura, responsável da pecuária do Complexo agrário do Luinga, Kamabatela, director do complexo da Cela, Kwanzas-Sul.
Durante o II Congresso do MPLA-PT realizado em Dezembro de 1980, é eleito membro efectivo do Comité Central, concomitantemente deputado a Assembleia do Povo e membro da sua comisão permanente.
Em Março de 1980, é nomeado por despacho presidencial ao cargo de ministro da Agricultura função que exerceu até Dezembro de 1983. De Fevereiro de 1984 até Julho de 1987, foi comissário Provincial do Zaire.
Depois daí, jamais o velho guerrelheiro encontrou tranquilidade. Deixou de sorrir. Desempregado e sem outra fonte de renda, não viu outra alternativa para sustentar o seu agregado composto por sete filhos e mais 11 familiares senão transformar-se em condutor de táxi. Como não há males que venham só, o antigo ministro de Agricultura recebeu ordem de despejo da casa, onde morava, no Bairro Alvalade.
Pausa. Desvia o olhar. Esfrega as vistas com as costas da mão, para camuflar uma lágrima teimosa. Suspira. E teimosamente tenta desfiar o rosário de suas lembranças. Mas soçobra. Ergue-se lentamente, mas muito lentamente e com os olhos fixos no tecto. Leva a mão esquerda ao peito, bem por cima do coração: Deus sabe, onde errei! “Kumbi Diezabu”.
A entrevista termina! O ex-ministro acompanha a reportagem até à porta. No quintal, o ar fresco da chuva reanima os ânimos. “A Luta Continua!”, diz Diezabu em jeito de despedida.
Na garagem apenas um gerador pequeno. Não há vestígios da presença de automóveis. A esposa, Fernanda Luisa Gomes, que trabalha no Comité da OMA, pede uma boleia ao carro do Jornal.
A casa de “Kumbi Diezabu” era a única que não tinha seguranças. Na do lado esquerdo, havia dois homens fardados e na de frente vários carros e um guarda à paisana. Olharam-nos desconfiados.
Ainda chovia, quando o carro partiu. E no vai e vem do limpa pára-brisas cada um procurou aconchegar a seu jeito as lembranças vespertinas. Kumbi Diezabu! Kumbi Diezabu! Kumbi Diezabu!



P.S- Texto publicado no Jornal de Angola em 2005, por altura das celebrações do aniversário do 4 de Fevereiro, dia do início da Luta Armada. O referido artigo está igualmente publicado no livro do autor denominado"Inquietações do Jornalismo".

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Lições de um grupo de teatro de Minas Gerais

O teatro tem várias definições. Para Luigi Pirandello “teatro é acima de tudo espectáculo. Arte sim, mas vida também. Criação sim, mas duradoura não: momentânea”. Para Garcia Lorca, “teatro é o barômetro que marca a grandeza e a decadência de uma sociedade.”
Portanto, teatro é a própria vida. Teatro é a manifestação do homem com suas virtudes e defeitos, inquietações e conflitos. Em todas as definições das várias que existem, ressalta a preocupação do homem com o seu destino e com a relação que ele estabelece com o seu meio circundante, onde subjaze o conflitualidade. Por outro, a necessidade vital em querer comunicar uma mensagem através de uma densidade de signo icónicos (gesto, cenário, figurino, música, côr, voz, dança etc).
É uma arte voltada para o outrem. É uma arte através do qual o actor se doa ao próximo com generosidade. Um homem de carne e osso diante dum outro homem. O que torna uma arte colectiva, cujo pressuposto é a existência de uma narrativa, ou uma história para ser contada, um actor, que empresta o seu corpo e suas emoções ao personagem, e um público, que dá a sua cumplicidade ao jogo dramático. Estes são três factores fundamentais para que o espectáculo teatral aconteça.
A origem do teatro é longínqua no tempo, remonta desde os primórdios da espécie humana. Aliás, vem desde as sociedades primitivas o uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais, que controlavam todos os factos necessários a sobrevivência (fertilidade da terra, procriação, casa, sucesso nas batalhas e etc). Estas danças possuiam também carácter de exorcização dos maus espíritos, sublinhando a relação existente entre o sagrado e o profano no teatro.
Assim, o teatro na sua origem repousa em três fundamentos:
1. MITOLÓGICO, porque através dele contava-se o mito que encerra a origem da vida e das coisas. A luta do homem contra as forças sobrenaturais. Porque o mito define como deve ser. Conforme diz Leví-Strauss: “Um mito diz respeito, sempre a acontecimentos passados: antes da criação do Mundo”, revelando-se daí os paradigmas modelares para todos os ritos e actividades humanas, desde alimentação, casamento, trabalho, educação, arte, sabedoria etc. Portanto, conhecer o mito é aprender o segredo da origem das coisas, destaca Mircea Eliade. O mito dá sentido a existência das coisas.
2. RITUALÍSTICO: Esse domínio é manifestado através de canções e danças exaltando os deuses, a vida e rejuvenescimento do mito que está na sua origem. O mito que não é ritualizado, morre. A festa da Kianda, na Ilha de Luanda, por exemplo, se não for reactualizado o mito que esteve na base da sua criação, corre o risco de desaparecer, porque para as novas gerações ele estará despido de qualquer significado. Logo será banalizado.
3. LÚDICO: O homem é um jogador. Defende Johan Huizinga, o autor do livro- “Homo Ludens”. E o sentido de jogo manifesta-se em quase toda a sua actividade. Na guerra, na caça, na festa, na dança, na conquistas amorosas, (não só o recurso à densidade sígnica da linguagem não-verbal, mas também a simulação e a dissimulação).
Através do jogo a comunidade pode transmitir mensagens. É o caso do Mankala, jogo existente na África Central, no qual não é obrigatório haver um vencedor, prevalecendo a igualdade entre os participantes. Aliás, o número de grãos prevalece igual até ao fim. Contrariamente aos jogos euro-asiáticos, cuja regra obedece a uma situação hieráquica, o Mankala visa apenas a reciprocidade e o aprendizado através da observação.
Assim, com o desenvolvimento do domínio e conhecimento do homem em relação aos mistérios da natureza, o teatro repousando sobre os traços mitológicos e ritualísticos realça a característica educacional e didáctica. Aliás, existem sempre uma relação entre comunicação e a cultura. Nos conteúdos de um acto comunicacional entre um emissor e o receptor está presente o elemento cultural.
Por isso, nas lendas, contos e fábulas além da representação de vários seres(Deus dionísio, para os gregos e baco para os latinos), destaca-se a sua vocação didáctica. A moral da história. Portanto, o teatro é essencialmente educativo. Já que nas diversas manifestações, ainda que rústicas, onde o fenómeno teatral enquanto arte ainda não constitui preocupação, mesmo assim, nota-se já a proeminência da sua vocação de transmissor de conhecimentos acumulados ao longo de várias gerações para às mais jovens. Pode-se mesmo afirmar, que a dramatização é a forma mais antiga de educação que a humanidade já conheceu.
O teatro é uma arte essencialmente educativa. Educa não só o que está na plateia, que vai descodificando a multiplicidade de mensagens que são produzidas no palco, mas também educa o próprio actor que experimenta várias emoções na interpretação de diferentes personagens.

PROJECTO “O TEATRO VAI Á ESCOLA”

Sobre o “Projecto o teatro vai à escola”, do Grupo de Teatro do Centro de Estudos teatrais da Universidade Federal de Juiz de Fora-Minas Gerais- Brasil, cabe destacar primeiro a origem do grupo e a sua trajectória.
O Grupo foi criado por um grupo de estudantes universitários dentro do directório académico da Faculdade de Filosofia e Letra em 7 de Julho de 1966.
A trajectória do Grupo Divulgação ao longo desses trinta e nove anos de existência ininterrupta pode ser comparada a uma luta quixotesca por um ideal: a utopia da cidadania e da educação assistemática tendo por base o esteio da cultura. São os verdadeiros discípulos apaixonados de Brecht e o seu teatro didáctico. Comprometido em educar o homem para fazer a revolução. Através do seu teatro eles esperam que o espectador que entre na sala não deixe a cabeça na entrada, com o chapéu que fica no cabide, mas entre com ela para que possa sair do teatro com a consciência de poder contribuir para a transformação do mundo. Ou melhor, sai indignidado contra a opressão e as injustiças de que é vítima. Não é por acaso que seu lema é “Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro”. Aliás, o facto de ter sido criado dentro do directório acadêmico da Faculdade de Filosofia e Letra, decerto, comprometeu-o com a educação e com a qualidade dramatúrgica.
O Grupo fez do teatro uma trincheira de resistência contra a opressão da censura política, em 1967, até os mais refinados métodos de pressão económica, típicas do capitalismo. Fez do teatro a arma na luta pela cidadania. Ao longo dos 39 anos montou palcos, onde não havia nada, saiu à rua para levar teatro aos bairros suburbanos e rurais. Nos últimos 20 anos, tem se dedicado sistemáticamente a abrir as portas do teatro para o povo, coisa que antes não acontecia. Para muitas sociedades a arte é ainda um produto para o consumo das elites. Pois para estas o pobre deve preocupar-se apenas em alimentar a barriga. Este projecto rompeu ciclo e desmontou o tabu. Deu para perceber que o homem do morro também gosta de bom teatro. Digo, de bom teatro, porque há muita coisa por aí que não o é. Pode ser tudo menos bom teatro.
O Grupo Divulgação montou peças de autores como Sófocle( Édipo-Rei); Garcia Lorca, (Bodas de Sangue, Yerma, A casa de Bernarda Alba); Moliére (O Burguês Fidalgo, Escola de mulheres); Máximo Górki (Pequenos Burgueses), Tchekhov (O jardim das cerejeiras), Shakespeare (Mercador de Veneza); Miguel Cervantes (Cervantina); Maquiavel (A mandrágora) e etc. Peças que inflamavam o eco da elite passaram a ser vistos pelos cidadãos comuns.
Escolas e comunidasdes carentes têm nos espectáculos diálogos com a cultura. Uma recente pesquisa em escolas mostrou que estudantes que não eram capazes de dizer o que já tinham lido, sabiam perfeitamente falar sobre o espectáculo que tinham assistido. Adolescentes, estudantes universitários e cidadãos de terceira idade têm subido ao palco pela primeira vez em espectáculos.
Através do projecto “A Escola vai ao teatro”, projecto de extensão universitária, as escolas da cidade, sobretudo, da periferia têm acesso aos espectáculos do Grupo. Escolas inteiras se inscrevem e no dia indicado eles aparecem para assistir a peça, acompanhados pelos professores. É um dia de festa! O teatro de 210 lugares fica lotado. O teatro passou a ser uma discilplina obrigatória, a partir do momento em que o aluno depois da peça deve fazer um relato sobre o que viu. Esse contacto está na base do aumento do número de inscritos em cursos e oficinas do grupo. Seminários denominados “Os caminhos do teatro” realizados duas vezes por anos trazem para a cidade autores, actores famosos e estudiosos das artes dramáticas para juntos reflectirem sobre o fazer teatral.
Contraiamente à telenovela que transforma o público em telespectadores, o teatro converte o público em actor, participando activamente no desenvolvimento da história. Contribui com emoções, com gragalhadas, assobios, palmas para o espectáculo, que dele tanto depende para atingir o seu fim.
O Grupo tem preocupações em organizar cursos de teatro para professores de literatura, porque acredita que um bom professor tem que ser um bom actor. Porque só assim poderá transmitir e atrair o aluno para a disciplina de literatura.

Qualidade das encenações: Anualmente são encenadas quatro peças duas em cada temporada. Cada temporada comporta uma peça infanto-juvenil e outra para o público adulto. As temporadas duram cerca de 3 meses e os actores seleccionados de teste antecedido de um curso de introdução ao teatro são obrigados a particicipar na produção de cenários, adereços, figurinos etc. Tudo é feito com redobrado zelo e esmero, aí reside o segredo de ser uma coleccionadora de prémios de teatro ao nível de todo Brasil.
O Grupo divulgação é uma verdadeira oficina de formação e educação da nova geração. Suas peças têm sempre como objecto a educação através do questionamento. O despertar da consciência do homem face ao seu destino. Despertar-lo da letárgia.
Quanto aos ensaios: Duram cerca de 3 meses: de Segunda a Domingo. Muitos irão considerar este tempo muito longo, sobretudo porque cá entre nós, durante um ano um grupo é capaz de fazer mais de cinco estréias. Mas não acredito que o artesão da peça, “o Pensador”, convertido em símbolo da Cultura Nacional, o tenha concluído em 24 horas.
Arte exige paixão, inspiração, transpiração, comprometimento, sacrifício. Porque o actor contribui de alguma forma para a transformação das consciências.
No entanto, a melhor forma de fazer-teatro é fazê-lo.
“Com as mãos cheias de flores/o coração pleno de amor/A alma repleta de júbilo/Saltimbancos da paixão/Aproximemo-nos do tablado/Altar de Deus e do homem”
CERTOS DE QUE:

“Sempre é preciso sonhar/ Até por instante/ E quando o sonho acabar/ Procure por outro adiante/ Todo dia quando acordar/ Mesmo estando atrasado/ Não esqueça de levar/ Seu sonho sempre embrulhado/ Leve o sonho pra rua/ Faça tudo acontecer/ Viaje até o mundo da lua/ Só depende de você
(Sonho Pirata, Liliana Neves)


------- Palestra proferida durante o Festival Nacional de Teatro realizado em Cabinda em 2001.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Pensador वेर्सुस सोफ्रेदोर?

Era sábado! Wandaulika ao chegar a casa, procurava dormir quando ouviu alguém bater a porta. Quem será!... Desconfiado, no escuro procurou os chinelos e acendeu a luz. Depois, encaminhou-se para à entrada e abriu a porta num gesto brusco.
Posso entrar? Era a sua namorada. Parecia preocupada. O que se passa? Não estou me sentindo bem. Ela entrou num passo lento, segurando com as duas mãos a barriga, puxou a cadeira e sentou-se. Agora tinha os cotovelos sobre a mesa e a cabeça entre as mãos.
Wandaulika admirou a sua sombra projectada contra a parede e lembrou-se do “Pensador”, peça de artesanato de origem Tchokwe e tido como símbolo da cultura angolana. Era uma imagem hilariante, mas reprimiu o riso. Pensador sofredor!
Estou com muitas dores, no baixo ventre, acho que vou ter bebé! Sinto dores estranhas! Mas que dores? Vocês homens não entendem, isso é coisa de mulheres! Ah, ok!
Vou ser pai! Wandaulika sobressaltou-se. Sabia que a namorada estava grávida e ele decidira que se levasse a gravidez até ao fim. Mas aquela notícia deixava-o atordoado, confuso, preocupado. Sentou-se na cama. Cotovelos sobre os joelhos e a cabeça entre as mãos. A sua sombra evocava também a figura do “Pensador”, mas ele já não percebera.
Ferida em perna alheia, cheira, mas não dói!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Rei Édipo e Jornalismo

Sempre que alguém fala em Jornalismo Investigativo lembro-me de uma peça de teatro denominada Rei Édipo, escrita por Sófocles, um dos grandes trágicos da história do teatro Universal, a par de Ésquilo e Eurípedes). E porquê? Porque Édipo é o primeiro Dectetive da Historia Universal, séculos antes de Cristo. Recorde-se que Sófocle nasceu no ano 496 antes de Cristo.
A cidade de Tebas passava por grandes desgraças e as populações manifestaram ao Rei o quanto sofriam. Em resposta o Rei disse: “Meus pobres filhos! O desejo que haveies manifestado, não o desconhecia eu, pois sei quanto sofreis. E eu sofro muito mais que cada um de vós, porque sofro por todos”.
É assim que manda o seu cunhado Creonte para junto do Oráculo descobrir as causas que estavam por de trás da desgraça da cidade.
Ao regressar à cidade, Creonte conta que Deus pedia que se limpasse uma nódoa de sangue que havia caído sobre a cidade e que não permitisse que ela se alastrasse até se tornar impossível a sua extinção.
Ou seja, o oráculo anunciava publicamente a existência na cidades de um indivíduo profanador, assassíno do antigo Rei, Laio, e que teria de ser expulso da cidade para que Tebas voltasse a ser saudável. O Rei que escutara atentamente pediu que se investigasse e prometeu que nada ficaria por investigar.

Ou seja, a missão principal era a de:
- Investigar a verdade
- Fazer Justiça
- Defender paz e bem estar comuns
- Garantir uma relação salutar entre o exercício do Poder e povo
- Manifestar o compromisso com a sociedade

Sófocles conta na tragédia que Édipo Rei por o orgulho já havia cumprido os desígnios do oráculo: lutar contra uma comitiva e assassinar a quase todos os seus componentes, inclusive seu pai; decifrar o enigma da esfinge e, conseguentemente, desposar Jocasta, a Rainha de Tebas, sua mãe.
Quando a tragédia tem início, Édipo, ainda por orgulho de ser filho da fortuna, quer investigar e descobrir o assassino do antigo Rei Laio, seu pai. Promete que nada ficaria por investigar para o bem estar da comunidade tebana. E leva a investigação até as últimas consequências. Nenhum argumento o demove, nem mesmo a acusação de Tirésias, representante da verdade oracular. Édipo assume a condição de juiz e réu ao mesmo tempo, quando a sua cegueira existencial será clareada através da cegueira física. Édipo Rei é o exemplo de dective que persite na investigação até desvendar o crime.
Dá-se o nome de Jornalismo Investigativo à prática de reportagem especializada em desvendar mistérios e factos ocultos do conhecimento público, especialmente crimes e casos de corrupção, que podem eventualmente virar notícia.

ORIGEM DO JORNALISMO INVESTIGATIVO
Em 1964, o mais ambicionado prémio de Jornlismo, o pulipzer foi atribuído para o Philadelphia Bulletin na característica de reportagem. O prémio enaltecia o trabalho do jornal ao denunciar a corrupção na polícia da cidade, mostrando como os oficiais da corporação estavam envolvidos numa rede de jogatina, sobretudo numa espécie de jogo ilegal.
A nova categoria do PRÉMIO Pulitzer era denominada Reportagem investigativa, dando assim ênfase ao papel da imprensa escrita como um sector activo, reformista e denunciador. E todos jornais passaram a apostar no desenvolvimento do novo género jornalístico. É assim, que oito anos mais tarde surge o clássico do Jornalismo Investigativo com o caso watergate, no jornal washingtion Post.

TIPOS DE JORNALISMO INVESTIGATIVO

1. Reportagem Investigativa Original
•Envolve os próprios repórteres na descoberta e documentação de actividades até então desconhecidas do público. É um tipo de reportagem que acaba sempre por provocar reacções públicas oficiais sobre os assuntos ou actividades denunciadas.

2. Reportagem investigativa interpretativa
•Enquanto a primeira revela informações até então não divulgadas, a segunda, a Reportagem Investigativa Interpretativa surge como resultado de cuidadosa reflexão e análise de uma ideia, como a busca obstinada dos factos para reunir informação num novo e mais completo texto, o qual fornece ao público um melhor entendimento do que acontece. Geralmente envolve assuntos mais complexos ou um conjunto de factos, mais do que numa denúncia clássica.
3. Reportagem sobre investigações
A terceira categoria de Reportagem Investigativa se empenha em acompanhar investigações. A reportagem tem origem da fuga de informação de uma investigação oficial em andamento ou em processo de preparação por outras fontes, geralmente agências governamentais.
4. Jornalismo investigativo acusatório
Investigar + moral. O jornalismo investigativo induz o público a dar a sua opinião sobre as revelações em pauta. Dão um enfoque condenatório: Necessidade de apresentar provas para seguir em frente.

Tendência actual

Reportagens canalizam a sua atenção ao risco de segurança pessoal em elevadores, o mau serviço de algumas concessionárias de automóveis, a fraca vigilância em bancos, piscinas e praias, ou aeroportos; o contrabando de mercadorias, redes de prostituição, fraude de empresas de limpreza, perigos dos transportes escolares, taxistas, fraca vigilância em maternidades facilitando o roubo de crianças.
Portanto, é preciso garantir que o jornalismo continue a exercer o seu papel de guardião dos cidadãos, mantendo-se acordado quando a cidade inteira dorme.



* Texto adaptado de uma conferência proferida em 2006 aos jornalistaS da cidade do Lubango, numa iniciativa do Sindicato dos Jornalistas Angolanos.