quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Morangos da paz



Um cestinho veio do Huambo. Trazia morangos. Mal chegou e logo o cheiro da fruta inundou a casa. Eram morangos gostosos, que minha cunhada enviara. No cartão preso na pega lia-se: “Queiram aceitar a fruta da paz! Assina, Graça”.
Todos nos deliciamos. Minhas filhas, pela primeira vez, comeram morangos. Não eram morangos da televisão, que pobre come com os olhos! Eram de verdade. Por isso, houve disputa. Disputaram cada fruto e finalmente o cestinho feito de folhas de palmeira. A do meio queria usá-lo para guardar roupa da sua boneca, a mais velha queria-o para ornamentar a prateleira do seu quarto, enquanto o rapaz, o cassule, queria aproveitá-lo para fazer uma armadilha para prender pássaros.
Atraídos pelos morangos, no Natal de 2003, decidiram viajar até à fonte.
Foram 15 dias no Huambo. Chegaram com muitas novidades. Falaram dos primos, dos tios, das ruas e das pessoas. Apaixonaram-se pelo linguajar da região. A mais novinha disse que todas as paredes estavam picotadas: “Papá, o Huambo é muito bonito, até estão a pintar os prédios!”.
- Mas já começaram a pintar?
– Não, apenas picotaram as paredes!
Calei-me! ... Ela não sabia, que aquelas marcas nos edifícios eram sinais, deixados por anos de um conflito sangrento. Então, para quê fazê-la lembrar? Para quê mexer nas chagas?
Dormimos e durante uma semana as conversas gravitaram em torno do Planalto, até o brilho das imagens da parabólica retomarem o seu lugar cativo com a novela “Chocolate com Pimenta” e “A Cor do Pecado”.
Os relatos das crianças fizeram-me sair da casca e retomar um velho sonho. Então, nas férias, em Fevereiro, decidi viajar por terra. Queria conhecer melhor o país. O conhecimento propicia amor profundo.
Parti de Luanda de Jeep, como se estivesse a ir à Barra do Kwanza. Nada de preocupações com pistolas, AKM e granadas, apenas o cuidado redobrado com o carro emprestado.
Olhei para a paisagem sem medo de ser surpreendido por um disparo. A vegetação em movimento e os solavancos mexeram o saco de lembranças. Entre a ponte do rio Longa e Porto Amboim está o Calele. Era perigosíssimo. Em tempo de guerra passei ali com o coração apertado. Até para ateus Deus era a única salvação! Hoje, nem dei por ele.
A viagem entre o município do Porto Amboim e Gabela houve alturas que durava mais de 10 dias. Agora, apesar de parte dela não ter asfalto, apenas são precisas três horas. Entre as Cachoeiras da Binga e a Gabela havia um ponto crítico: o tal “Pau Preto”. No local, os camponeses trabalham a terra, os camionistas, que circulam a qualquer hora do dia, param para descansar. As flores silvestres cobrem os restos dos veículos atingidos pela violência. Enquanto, a oxidação corrói o metal, o tempo apaga o rasto da guerra fraticida.
Visitei a Quilenda, Kibala, Wako Kungo, Huambo e Benguela... Voltei a Luanda feliz e rejuvenescido! Os morangos da paz eram de verdade e jamais serão mofados! Morango é amor, é paz, é concórdia! VIVA!

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