terça-feira, 29 de junho de 2010

Adeus ao Danquá no último Comboio de Caxias!



Nos dias de aulas eu, Chume, Danquá e Serafina desembarcávamos em Alcântara e subíamos a Calçada das Necessidades. Sonhávamos e tecíamos o rumo futuro das nossas carreiras e países. Ao subir o morro, da minha Angola a visão sempre assente no consenso de que é preciso trabalhar cada vez mais afincadamente para aprofundar a reconciliação e a democracia, a paz e a construção de infraestruturas. Incentivar o exercício livre da opinião como factor geoestratégico. A ruptura com o ciclo de unanimidades e conformismos como fórmulas do determinismo do destino de nações africanas pobres e sem um futuro. - Temos de andar rápidos por razões de sobrevivência! Uns diziam sim e outros diziam não. Era preciso a aprender a estar de acordo, como nos ensinou Brechet.
Ao chegar ao Instituto, juntávamo-nos aos demais colegas do Curso. Cada um tinha o seu país, mas o sonho era comum: aproveitar o conhecimento disponibilizado pelo Instituto de Defesa Nacional de Lisboa para ajudar a concretização do sonho de felicidade de milhares de compatriotas.
O triste é saber que morreu, na Quinta-feira passada, em São Tomé e Príncipe o amigo e colega Fernando Danquá. Deixou pela metade o seu sonho! É um momento de muita dor e consternação. Calou-se o nosso sorriso, emudeceram as nossas conversas, uma cratera de dor se abriu no caminho.
Sua voz se sobrepõe ao ruído da velocidade do comboio de Caxias sobre os carris e as calemas entoarão sua sinfonia de enleio feito trilha sonora das nossas esperanças.
Acabou o Verão.O inverno permanecerá em nossas almas e as lágrimas expressarão a dor, o inconformismo e a impotência! É penoso perceber que parte de nós se foi com a morte do amigo Danquá, mas permanecerá insepulto o nosso sonho e as nossas boas lembranças!
Que Deus o tenha!


LEGENDA DA IMAGEM: Foto de Fernando Danquá, auditor do IDN e ex-ministro da Defesa de São Tomé e Príncipe, tirada na Ilha dos Açores em Abril de 2010 durante a deslocação do CDN10.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

NOSSO BEM, NOSSO MAR!

A vida, na sincronia com a história e a cultura, é feita de eventos carregados de simbolismo, que se tornam correias de uma cadeia de transmissão que interlaçam o passado, presente e o devir de gerações inteiras.
Os mitos se reactualizam e permanecem prenhes de sentido modelando atitudes e comportamentos de indivíduos e sociedades, graças ao papel semiótico dos rituais na sua revalorização e actualização diante de metamorfoses e desafios. Sem estes, aqueles se desvaneciam no percurso sinuoso do tempo e apagar-se-iam da memória das geraçãos depositárias que, assim não poderão transmitir os conhecimentos acumulados aos seus sucessores.
Através de cerimónias, danças, celebrações, orações, sacrifícios, os mitos perpassam as relações interpessoais, familiares e institucionais.
O 10 de Julho se inscreve na memória colectiva como a data da criação da Marinha de Guerra Angolana, enquanto Ramo das Forças Armadas. Foi o dia em que um punhado de jovens imberbes concluiu o primeiro curso de formação que os habilitou a integrar as primeiras tripulações dos Navios de patrulha herdados da Armada Portuguesa.
Eram parcos os conhecimentos científicos sobre a Arte Naval. Eram quase impíricos os gestos no manuseamento dos equipamento de bordo.
Na lição do provérbio segundo o qual o seguro morreu de velho, no mar a navegação era quase sempre costeira. Sem sonda acústica operacional, incaucos encalhariam em dunas e rochas submersas que povoam o mar misterioso.
Mas foram tempos de muita euforia e entrega, marcados por um contexto revolucionário que mobilizava e animava a sociadade para a defesa armada da pátria.
Mais tarde com quadros bem treinados, a Marinha foi equipada com as lanchas torpedeiras, lanchas de desemparque e as porta-mísseis.
Todos se entregavam de corpo e alma para um projecto comum, o de patrulhar as águas nacionais contra a infiltração do inimigo, a pirataria, a pesca, o narcotráfico, o tráfico de seres humanos, o contrabando e a imigração ilegal. Era preciso garantir a segurança da navegabilidade e o exercíco da actividade económica e a soberania do Estado angolano no mar e rios. Não se olhava ameios. Não se olhava a sacrifícios, não se mediam os esforços no remar a barca. Até se esqueciam o esticar das horas e a dor da fadigae da distância.
O amor amaina qualquer tempestade! O amor por Angola. O Amor pela Pátria. O amor pelo povo. O Amor à Marinha!
E no remoinho do percurso da memória centenas de marinheiros deixaram as suas marcas no projecto que cresceu ao sabor das estações. A todos eles, a nossa sentida homengem e gratidão por terem feito parte desse desafio e deixado com sacrifício a sua pedra no grande edifício. Trinta e quatro anos depois, eis-nos aqui, reunidos numa enorme família de mãos dadas para o engrandecimento do projecto iniciados a 10 de Julho de 1976.
E nas tensões das cordas que nos amarram ao cais do projecto de uma Marinha forte, gritemos em uníssono:
Viva o 10 de Julho!
Com mais trabalho, disciplina e amor, reedifiquemos a Marinha de Guerra Angolana!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cristóvão deixa um rasto de boas lembranças


Ano 2000! O ponteiro das horas, no seu rodopio estonteante, completava as exaustivas 24 voltas do dia, mas os jornalistas, empenhados em dar à estampa a primeira versão do novo projecto do jornal, não relevam o cansaço do esticar da jornada de trabalho. Queriam experimentar a agradável emoção de ver as páginas fresquinhas a circular logo de manhãzinha empurrados pelo pregão de jovens e dinâmicos ardinas luandenses.
A conversa animada salpicada por um humor fino versando sobre as mais variadas questões do quotidiano eram o remédio para descontrair e recarregar os ânimos. Ou descontrair os músculos faciais com suculentas gargalhadas! Não havia censura nem auto censura. E a melodia suavizava as tensões e amainava a alma para o resto do troço sinuoso do fecho, num momento em que o mês atingia o dia 45.
- Se não pagaram hoje, pagam amanhã, se amanhã não pagarem, a única certeza é que irão pagar.
José Cristóvão tinha sempre certezas e humor diante de dificuldades e de incertezas. Até sabia de todos os resultados dos nossos Palancas: A nossa Selecção se não ganhar empata, se não empatar, perde.
Aceitava todos os desafios e enfrentava-os com coragem e valentia. Era um verdadeiro combatente temperado nas fileiras das Forças Armadas de Libertação de Angola.
Na sua humildade indisfarçável, desfiava amor ao jornalismo e amizade e lealdade para com os seus camaradas, a quem aptou chamar por “Granda Vingarista”. Brincava, sorria e circulava em todas a editorias. Seus desabafos eram feitos com sinceridade e apego aos superiores interesses da classe e da Nação. Zeloso, desconhecia espaços proibidos, intrigas, inimigos ou grupinhos. O seu único estandarte era o do Jornal de Angola. Era daqueles que arregaçavam as mangas todos os dias para pensarem o jornal e fazerem funcionar a rotativa. Dialogava, negociava, conciliava, perdoava e reconciliava e consolova.
Atencioso para os jovens jornalistas a quem prestava ajuda ao engatinhar nos leads do jornalismo, sua voz inundava a redacção ao relembrar os grandes nomes da música urbana de Angola: David Zé, Artur Adriano, Urbano de Castro e ultimamente a nova versão da música de Prado Paim “Zezé gui bekelé monami…”.
Com a sua morte, se calou a voz das nossas canções comuns que serviram de trilha sonora no compasso da marcha de todos os dias.
E tudo acabou! Ontem, José Cristóvão foi a enterrar no Cemitério da Santana. Directores, jornalistas, fotógrafos, paginadores, amigos e funcionários do Jornal marcaram presença. O inconformismo e a resignação se revejam num cenário onde o olhar perdido sobre o horizonte coberto de sepulcros, se acha prenhe do vazio difícil de preencher.
A nova campa recebe rosas, dálias, lírios e malmequeres. E ao refazer o caminho do regresso, deixando para trás o corpo inanimado do companheiro e amigo com quem se partilhou momentos agradáveis na Redacção, cada um experimenta um ambiente ainda mais pesaroso.
Enquanto uns partem para a casa do falecido, outros persistem incrédulos e ficam na entrada do cemitério a ruminar agradáveis lembranças. Talvez aguardam em vão pelo regresso do Cristovão-Camarada. Entre os protagonistas destaque para Kizunda, António Paulo, Honorato, Cruz, Tchitata, Cavumbo, Teixeira, Meireles. Salvador, Luisa, Cassoma… E no rescaldo do percurso profissional de José Cristóvão, o reiterar do reconhecimento das suas qualidade humanas e profissionais: Granda Homem!
No dia em que o editor José Cristóvão foi a enterrar eis que um outro infortúnio bate novamente a porta do Jornal: morre o fotógrafo Pedro Salvador. Mais dor, mais lágrimas, mais lembranças! E perto das 13 horas, ocorre a dispersão do grupo. Um longo suspiro antecede a partida. A vida nos reserva muitas surpresas! E a imagem de Cristóvão e a de Salvador ficam congeladas na memória como películas delicadas de um evento inesquecível.
Adeus camaradas! E obrigado pela vossa amizade e generosidade!


LEGENDA DA IMAGEM:
José Cristovão (3º a contar da direita para a esquerda), no município do Wako Kungo, Kwanza Sul, acompanhado pelo brasileiro Raimundo Lima, Augusto Alfredo, um câmara da TPA e quadros de nacionalidade israelita que trabalham no Projecto Aldeia Nova. À foto é do jornalista Cândido Bessa.