segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Palavras do autor na apresentação da Obra

  Excelências membros da Direcção do Departamento de Sociologia da Faculdades de Ciências Sociais!
  Prezados membros do corpo Docente!
     Prezado Editor da Mayamba, Dr. Arlindo Isabel!
  Estimados estudantes!
Queridos amigos!
Minhas senhoras e meus senhores!

Depois de mais de dois anos de várias tentativas, finalmente tenho a alegria de lançar em Angola, a  obra “AVENTURA DE UM ESTUDANTE ANGOLANO NO ESTRANGEIRO. Crónicas de uma viagem ao desconhecido”. 
Como estamos entre sociólogos, creio que para melhor entender a obra do autor, nada melhor que fazer uma incursão, ainda que breve, ao seu mundo, à sua origem e ao conjunto de eventos históricos que marcaram a sua vida. Ou seja, rever o universo de ícones e símbolos que povoam o seu subconsciente.
Chamo-me Augusto Alfredo Lourenço, tenho 49 anos de idade, e sou natural da localidade do Pange, município do Amboim, província do Kwanza Sul. Meu pai é Alfredo Lourenço, carpinteiro, agricultor, caçador e mais tarde motorista da ETP. Recorde-se que meu pai apenas sabia assinar o nome, mas depois que a caça se tornou impraticável, e porque no mato havia outros caçadores que caçavam homens, ele decidiu ser motorista. Como um homem analfabeto conseguiu obter cartas de Condução?
Como os meus irmãos já haviam partido para a guerra, foi a mim que coube a tarefa de ler para si os textos do código de estrada e de mecânica. No fim de meses ele decorou-os do princípio ao fim.
Minha mãe chamava-se Conceição Francisco Durí, doméstica. Ambos são naturais da localidade da Gangula, Novo Redondo, hoje Sumbe.
O Pange, meu berço, é um bairro cercado por um cordão de montanhas de pedra e coberto do verde das palmeiras e das mulembeiras. O Mazungue dá ao cenário o toque de sua magia, que só os rios conseguem transmitir à paisagem verde. Foi nesse ambiente bonançoso que me fiz homem.
Nasci e cresci nas cercanias das fazendas cafeícolas do Mário & Cunha, CADA-Boa Entrada e Marques & Seixas e cedo vi os contratados a trabalhar com as suas catanas e enxadas. Cedo também vi os capatazes a gritarem e a chicotearem os trabalhadores da fazenda. Cedo acompanhei as canções de trabalho dos contratados, que como bálsamo procuravam atenuar a dor da violência. Na minha visão, deste lado, na aldeia, estava a liberdade, e do outro lado, na fazenda, a opressão.
Um dia perguntei ao meu pai por que razão os contratados sofriam tanto, mas não conseguiam reagir e apenas cantavam. Meu pai disse que no cantar estava a sua resistência.
Então fiquei mais curioso. Fiquei mais atento. E hoje ainda me lembro das canções que eles mais cantavam. “KAPALANDADA WA LILA…”
Rezava todos as noites, até que certo dia, ao voltar da escola encontrei dois homens que haviam fugido da fazenda Mário & Cunha. Disseram que, após vários anos ao serviço dos colonos, não suportavam mais a dor do sofrimento e da humilhação.
Meu pai recebeu-os e passaram a morar lá em casa. Eu fiquei feliz, porque agora tinha ganho dois novos amigos e todas as noites ouvia deles estórias de terras longínquas do planalto Central.
Maurício Ernesto Kaesse e Tchiwangula tornaram-se nos meus melhores amigos. Íamos às lavras e almoçávamos juntos e ao regressar tomávamos banho no rio Mazungue, livrando-nos da poeira e do cansaço da lavoura.
Após 25 de Abril, festejamos juntos o fim do regime facista de Salazar e Caetano e igualmente juntos acompanhamos o hastear da nova bandeira da Angola Independente. Nunca os tinha visto tão felizes.
Construíram as suas casas ao lado da nossa, casaram-se e permaneceram até a década de 90, quando já velhinhos acabaram por morrer.
Nessa altura, eu já lá não estava, pois havia ingressado na FAPLA. Mesmo longe da minha aldeia, eu ainda ouvia as suas estórias e as canções de contratados que trabalhavam no cafezal.  
Conheço a dor e o sofrimento. O amor que anima o compasso da vida. A esperança e a fé no amanhã. É tudo isso que nos move todas as manhãs ao acordar para mais um dia.
E mesmo no quartel, nos momentos mais difíceis em que a pátria se viu ameaçada, procuramos forças no sentimento sublime que nos unia e identificava como filhos da mesma pátria.
Ao escrever esse livro, moveu-nos um único sentimento: o de partilhar com generosidade vivências e experiências acumuladas durante os quatro anos do curso no Brasil.
A literatura, com disse Roland Barthes na sua aula inaugural realizada no colégio de Paris, é o único espaço onde é possível agir com liberdade. Pois, nem na linguagem tal era possível já que esta é fascista, não pelo que ela dizia, mas pelo que ela obrigava a dizer.
A criação literária é uma forma de exercício da liberdade, basta ver que o impulso para o acto criador é inusitado.
Senão vejamos: a 3 de Maio de 1988, na noite em que acabava de imprimir o trabalho de fim do curso de graduação em Comunicação Social, recebi a notícia da morte por atropelamento da minha primogénita Edna. Estava na sala de aulas, quando a informação sobre a desgraça chegou. Apenas três meses depois consegui angariar dinheiro para poder viajar para o óbito.
Uma das lembranças que guardava com zelo era uma carta que Edna me havia enviado pouco antes de ser atropelado por um camião no mercado de Artesanato do Bairro Benfica, em Luanda.
Passado 4 anos, quando trocava os documentos da carteira, a esposa, ao ver o seu estado de conservação da referida carta, quis saber por quanto tempo ainda iria guardar a carta. Não respondi. E durante quatro noites consecutivas fiquei a cogitar em como preservar e partilhar a carta com os meus amigos e familiares. Foi assim que iniciei a escrever a história que vós tendes a oportunidade de ler hoje em forma de livro.
Obrigado Edna, por tudo. Pelo seu amor e carinho.
Obrigado à esposa, pelo incentivo involuntário.
 Minhas senhoras e meus senhores!
Eis a obra escrita com a alegria e também com muitas lágrimas.
Todos que um dia foram estudantes no estrangeiro, ao ler estas páginas da “Aventura de Um estudante Angolano no Estrangeiro“ irão com certeza encontrar laços de identidade e de projecção com as cenas e os personagens que costuram o enredo.
E para aqueles que serão um dia bolseiros, as lições ou o aprendizado que colherão da leitura, servir-vos-á de bússola orientadora no caminho da busca de conhecimentos técnicos e científicos indispensáveis para o desenvolvimento do nosso país.
Agradeço o Comando da Marinha, pelo apoio prestado na edição!
Ao Arlindo Isabel, pela rapidez com que aceitou e aprontou o livro.
À Drª Márcia Falabella, pelo carinho e por ter aceite prefaciar o livro.
Aos meus professores e colegas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, pela amizade e compreensão. Ao povo brasileiro, pela solidariedade.
A todos os presentes, reitero o meu muito obrigado pelo carinho da vossa audiência!

Faço votos de uma boa leitura !
Obrigado!


OBS. Palavras proferidas pelo autor  dia 13 de Setembro de 2012, no auditório da Faculdade de Ciências Sociais, em , Luanda, durante as jornadas do curso de Sociologia.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

AVENTURA DE ESTUDANTE CHEGA AO MERCADO


 

O livro Aventura de um estudante Angolano no estrangeiro vai ser lançado às 15horas desta quinta-feita, 13 de Setembro, na Faculdade de Ciências Sociais, em Luanda.


A obra de Augusto Alfredo, está escrita em forma de diário, retrata a vida de dois estudantes que partem do país na expectativa de formar-se no estrangeiro, onde se confrontam com várias dificuldades, desde a adaptação cultural, a falta de notícias do país, na altura em guerra, bem como a saudade. Os dois personagens principais Wandalika e Cativa, ao longo do enredo, vão desfiando o rosário dos seus conflitos e dramas em diálogos descontraídos onde estão em pauta os mais variados assuntos desde os corriqueiros do quotidiano, até aos desafios que perpassam o presente e futuro de Angola e do continente africano.

PARTICIPE!

 

 

 






 

 

 
 



 


 

 

 
 



 

 
 
 




 

 





 



 


domingo, 9 de setembro de 2012

AVENTURA DE ESTUDANTE ANGOLANO NO BRASIL

 

Depois de um mês a seguir o Horário Eleitoral pela rádio e TV e ter exercido o dever cívico, pintando com tinta indelével o tal dedo do gatilho, ficou para a CNE e os concorrentes a contagem dos votos conseguidos ou desconseguidos para se obter assentos na Assembleia. Depois de 31 de Agosto, o desejo de paz e concórdia prevalece. Relaxo e nada melhor que um duche.
A passar pela sala, apercebo-me que Televisão Pública de Angola divulga informações sobre a Semana do Brasil em Luanda. O Grito de Ipiranga! Lembro-me que foi no dia 7 de Setembro de 1822, que Dom Pedro proclamou a independência do Brasil.
Não é inconfidência. As gotas do chuveiro sobre a cabeça, sobre o rosto, sobre o corpo fazem a imaginação bater asas e voar livre ao sabor da suavidade do "Meu bem-Querer", de Djavan. E ébrio vou cantarolando: "É segredo, é sagrado. Está sacramentado no meu coração". E na teia de lembranças rebusco o dia em que conheci o Brasil e os laços que me amarram ao tronco da paixão de Zumbi.
28 de Junho de 1994. Estudantes angolanos desembarcaram no Rio de Janeiro, quando eram cerca das 18 horas. Na busca de apoio para encontrar um hotel onde recobrar as forças e os ânimos, gentes conterrânea possuídas pelo espírito de aves de rapina caíram-lhes em cima. E de táxi encaminham-se para a cidade. Estamos na Linha Vermelha, disse o taxista, quando foram surpreendidos por várias explosões. As bombas vinham de todos os lados. Os projécteis riscavam o céu com a violência que lhes é peculiar.
Viram-se emboscados. Rezaram e desejaram ganhar asas e voar de regresso a Luanda. Preferiam regressar mesmo sabendo que haviam saído do país num momento em que se travavam renhidos combates em todo o território nacional, depois de frustrados os Acordos de Paz rubricados a 31 de Maio de 1992, em Bicesse, Portugal.
O taxista olhou para o lado direito e fez o Sinal da Cruz. Agitaram-se e aflitos procuraram refúgio no espaço que não existia no interior do automóvel. Espremidos e receosos espreitavam através do vidro da janela.
Chegaram ao Hotel Copacabana em silêncio. Só na recepção souberam do tamanho disparate. As explosões eram de foguetes lançados para festejar o golo de empate do Brasil contra a Suécia, pois estavam em tempo da Copa do Mundo de 1994. Mais tarde, riram tranquilos e consolados pelo conteúdo fermentado contido no frigo-bar.
Quanto aos guias, um incidente veio pôr a nú os seus malabarismos. Após a chegada ao hotel, eles convidaram os bolseiros para um passeio à Copacabana. Do Ritz Hotel, desceram à rua em direcção ao mar, num passo sem compromisso. A meio do percurso, pararam numa movimentada casa nocturna. Pelo volume da música, adivinhava-se um grande espectáculo. Logo à entrada, os guias exigiram dez dólares. Segundo eles, era para verem strip tease! Stri quê? Na banda, vocês nunca viram coisa igual, vão gostar! Aquilo é o máximo! Procuravam persuadir os mais renitentes.
Enquanto o guia procurava agilizar o acesso, com olhares e gestos de insegurança, os bolseiros buscaram um cantinho formado entre dois pilares do edifício. Não é aqui no Rio que andam falar?!... É... é aqui mesmo! Hum, cuidado! Estão ouvir, já estão a falar em tripas!
Perto, uma mulher vestida com parcas roupas deixando entregues os seios e as ancas ao relento esbracejava. Estou a ficar pu…! Eh, elas aqui falam assim?! Não errou quem disse que a moda feminina oscilava entre o desejo confessável de vestir-se e o inconfessável de despir-se! Jogando no seguro, dois dos bolseiros decidiram regressar ao hotel. Os demais entraram na casa nocturna.
Um dos companheiros de viagem, que durante o voo havia exibido com orgulho o anel de casado ainda fresco no dedo, jurando fidelidade, caiu na armadilha. Depois de algumas cervejas, incitado pelos guias, agarrou numa das dançarinas e levou-a para o hotel. Quando se calculava que o casal já estivesse no ringue, um funcionário bate à porta e anuncia o flagrante. Quase acertou! Foi por um triz. Tremendo, o bolseiro pensou em assalto. A loira exigiu e recebeu a sua parte!
Era proibido levar para os quartos gente não hóspede. A multa deixou-o ainda mais magro do que parecia. Tentou buscar ajuda dos guias, mas estes manifestaram-se incapazes de tirar o seu pezinho da argola. E quase chorando, juntou-se aos demais bolseiros que resignados aguardavam na sala de espera do hotel. Ontem não vos disse?! Não é aqui o tal Rio que andam falar?!...
No dia seguinte, mal recompostos das 7 horas de viagem e do susto, acabariam por enfrentar uma outra dificuldade. O governo do presidente Itamar Franco decidiu trocar a moeda como uma das medidas para combater a inflação galopante. O Real substituiu o Cruzado. Os angolanos vêem-se numa encruzilhada. Um dólar valia 1 real. No mercado paralelo, dominado por gente árabe, 100 dólares valiam 73 reais ou menos. Os cambistas de rua procuravam salvar os aflitos em cada esquina de Copacabana.
Os 2 mil dólares em traveller check ou cheque de viagem foram trocados por 1460 reais. Não havia como resistir. Ou se aceitava trocar ou passava-se fome, pois estava a faltar dinheiro. Cada dia sentiam o frio da ponte mais próximo. Cortaram o vinho ao almoço e o sorvete de sobremesa. Eram momentos de apertar o cinto, acto que, malgrado, se prolongaria ao longo de toda a cintura do curso.
Outra katuta! O valor do hotel veio aterrorizá-los ainda mais. Só mais tarde perceberam o erro: ao invés de serem hospedados em hotel barato, os guias, também angolanos residentes no Rio de Janeiro, preferiram um hotel de cinco estrelas. Resultado! Depois de liquidarem as contas inflacionadas pela cumplicidade dos recepcionistas e guias, pouco sobrou.
Quem, como Wandalika, deixou ficar algum dinheiro em Luanda para manter a família e comprar chapas, que seu o amigo Epumumo ajudou a colocar numa parte da casa, amealhou lágrimas. Mas não podia deixar a família em casa de renda, ademais com o típico senhorio angolano, cuja decisão do aumento da renda ou do despejo pode advir do simples facto do inquilino estar a comer frango grelhado, quando ele abatia um prato de arroz com peixe frito.
Vencidas as dificuldades no Rio de Janeiro, no dia três de Julho de 1994, Wandalika partiu de autocarro para a cidade de Juiz de Fora.
Eram pouco menos das sete da noite. Ele e Deus sentaram-se no autocarro da UTIL. Wandalika sentia-se perseguido pelo perigo. Sem farda, sem revólver e sem fuzil sentia-se indefeso. Mais tarde, até chegou a fazer crescer as unhas para a sua defesa. As unhas somadas aos dentes davam pelo menos para deixar marcas no couro do agressor.
Mas só Deus sabia mesmo o que o esperava. Depois de mais ou menos uma hora de viagem, numa curva o autocarro balança fortemente. Um corpo cai no seu colo. Assustado joga o fardo para o corredor, desengatilha e espera pelo contra-ataque. Na escuridão, vê um vulto a arrastar-se lentamente. Levanta-se com dificuldades e procura uma poltrona vazia...
No Rio, contaram-lhe que no trajecto até Juiz de Fora ocorriam assaltos por altura dos desvios de Petrópolis. Por isso pensou tratar-se de um assalto. Não era! Era uma mulher que tinha ido ao banheiro. Na curva, a porta se abriu e ela foi jogada para fora. Aflita tentou subir a calça. Wandalika sorriu com gosto. Sorriu, sorriu! Depois parou bruscamente de gargalhar, quando se apercebeu que ele era o único que tinha achado graça ao sucedido. Mas deu para esquecer momentaneamente o seu drama. Como é bom sorrir das desgraças dos outros!
Eram 22 horas, quando desembarcou na Avenida Rio Branco. Havia muita gente nas ruas bem iluminadas e restaurantes plantados ao longo da Avenida. Auxiliado por um prestativo mineiro, procurou uma cabina telefónica. Do outro lado, alguém atendeu e prometeu ir ao seu encontro. Minutos depois, estava em presença de um indivíduo baixo, escuro e calvo. Saudou-o efusivamente e quis saber logo de notícias do país. E a guerra como vai? Nem sabe o que respondeu. Será que fazia sentido perguntar-se a alguém: o óbito correu bem?
Enquanto caminhavam em direcção à paragem de autocarro, acalmou-o e ele mudou de assunto. Agora queria saber de dinheiro. Outra maka! E desfiou o rosário do seu drama. Há mais de seis meses que não recebia o complemento de bolsa e as dificuldades começavam a pressionar o rendimento escolar. Faltavam livros, cadernos, cópias, roupas, sapatos, etc. E o aluguer? E as refeições estavam a ficar cada vez mais simples, incompletas, nuas e despidas de ingredientes. Sobremesas, nem pensar!
Os autocarros chegavam e partiam ruidosos: A aflição também embalava na calema, quando foi cortada pela chegada do autocarro do Bairro N.S. Aparecida. Subiram em direcção ao Bairro Nossa Senhora Aparecida, a Padroeira do Brasil. Ficava no alto do morro da cidade. Depois que o recém-chegado soube do nome do bairro, ficou incrivelmente mais calmo. A Santa estaria por perto e com certeza os iria ajudar a resistir.