sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Crônica: A Paixão de Ve

A Paixão de Ve[1]
Augusto Alfredo

Sempre que se falasse em género, eu pensava em comida, sobretudo presunto, salchicha, coração e fígado enlatados, grandes novidades do tempo do Comércio Interno que vieram alterar o paladar acostumado a Kizaca(PRATO FEITO DE FOLHAS DE MANDIOQUEIRA), calulú(PRATO FEITO COM FOLHAS DE BATATA DOCE E PEIXE OU CARNE SECA) e funje (PIRÃO DE FUBÁ) com feijão.
Depois a gramática ensinou-me que género também referia-se ao sexo: masculino e feminino. Cresci com estas duas noções, mas recentemente fui surpreendido. Afinal, existe também géneros do jornalismo. Tentei aprender, mas a mente baralhava-se entre o género-comida e género-sexo.
Bom, tive de decidir. Género-comida já não existe, porque o Comércio Interno faliu. Quanto ao Género-sexo anotei: Assomel[2], Amuja[3] &... Com apenas dois géneros a coisa ficou mais clara: o do sexo e o do jornalismo.
Numa altura em que a ocupação de fazendas brasileiras por parte dos sem-terras era manchete, o professor Renato exigiu um Editorial, que reflectisse o ponto de vista do Jornal em relação às acções lideradas pelo “Comunista Rainha”.
Verónica, moça inquieta, apaixonada do tema sobre ética no jornalismo, célebre na crítica aos “salários africanos” pagos a jornalistas brasileiros e tida como irmã gémea da Regina Casé, da TV Glovo, protestou:
- Sou a favor da invasões! A terra é para quem a trabalha.
E argumentou até ao confronto. O professor Renato espumava de raiva:
- O editorial é a opinião do dono do jornal. Isto é falta de profissionalismo! Que género de jornalista é você?
- Feminino! – respondeu Verónica com ironia.
- Qual é o seu número? – Gritou Renato, enquanto procurava o livro de chamada!
- Singular
- Você pensa que está em que grau?
- Normal
A turma aproveitou a chance e vaiou o professor que sorrateiro se escapou na porta entreaberta. Assim, passei a saber os “Géneros do Jornalismo” e a “Paixão da Verónica”.
Tamanha era a paixão da Verónica pelo Jornalismo, que levou-a a redigir no peito da camisola da turma um texto que vinculou colegas e professores do curso de jornalismo: “Se você ganha pouco, corre perigo, trabalha adoidado, vive estressado, fala dos outros e gosta aparecer... JUNTE-SE A NÓS!!! Jornalismo a gente sofre, mas a gente gosta”.

[1] Crónica publicada no dia 16 de Dezembro de 2000 no Jornal de Angola

[2] Associação das Mulheres Empresárias de Luanda (Assomel)
[3] Associação das Mulheres Jornalistas de Angola (Amuja)