domingo, 28 de setembro de 2008

Santo da casa faz milagre!

Faz tempo que não comunico com o meu amigo, mas sei que ele está bem e gozando de boa saúde. Pois está sempre em on-line no MSN e já não responde as minhas mensagens. Não o conheço pessoalmente, mas considero-o amigo. Falávamos no MSN, trocávamos impressões sobre vários assuntos, quer sobre o país, quer sobre o exercício do jornalismo em Angola. Manifestava a sua opinião sobre a rubrica “Atalhos da Utopia” que eu assinava semanalmente no Jornal de Angola e que mais tarde foi transformado em livro sob o título “INQUIETAÇÕES DO JORNALISMO” e lançado pela Nzila no dia consagrado à Liberdade de Imprensa. Desde aquele dia, o meu amigo sumiu, já não manda emails e já não falámos no MSN. O que terá acontecido de errado na última conversa? … Na conversa, contei-lhe um pouco da minha odisseia como estudante na Universidade Federal de Juiz de Fora-Minas Gerais, a formação em Comunicação Social, o atraso no pagamento da bolsa e a solidariedade dos colegas brasileiros. E finalmente as minhas inquietações após o regresso ao país. O mercado jornalístico está cada vez mais restrito, devido a inexistência de mais meios de comunicação e o não reconhecimento do diploma e da competência na hora de buscar um novo emprego. O mercado queixava-se da falta de quadros nacionais, enquanto gente formada era rejeitada com o argumento de que não havia mais lugar para novas contratações.
Combinada com o alcance da paz e da estabilização económica, Angola está na boca do mundo. Um novo eldorado em África! Na senda da criação de novos projectos editoriais, virou moda a contratação de consultores estrangeiros. A comunicação social virou área de garimpo. Muitos quadros nacionais QUEIXAM-SE é da falta de oportunidade! …
...Não me venham ensinar o caminho para a Gabela, sei-o de cor.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

“Memórias precoces” nos 33 anos da independência

O meu Livro-Reportagem “Memórias Precoces, Luanda- Gabela, uma viagem de 30 anos” do jornalista vai ser lançado em Novembro de 2008, em Luanda, no âmbito das celebrações do 33º aniversário da Independência Nacional.
Com prefácio do escritor Jofre Rocha, a obra com 130 páginas e escrita durante uma viagem de táxi entre Luanda e a cidade da Gabela, narra factos vivenciados entre 1975 -2005.
Segundo Jofre Rocha, “Memórias precoces é baseado na vida real e evoca perante o leitor uma sucessão de 30 anos de conflitos e dissensões que aconteceram na vivência multifacetada de personagens de carne e osso, em grande maioria simples aldeões e camponeses de um tempo de heroísmo em que a palavra de ordem era sobreviver, sobreviver, sempre sobreviver.”

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Kizaca da Malásia

Bom, a alegria foi sol de pouca dura! É bom ler sempre com cuidado o rótulo. A Kizaca que comprei não é angolana, mas importada da Malásia. Ingredientes: Folhas de Mandioca, sal e água. Na lata também vem instruções. "Receita Tradicional Angolana: Coloque uma galinha cassava aos pedaços numa panela com tomate, cebola e alho picado, deixe cozer durante 25 minutos, depois coloqueuma lata de Moamba Duchet, acrescentemeia dúzia de Kiabos e sal, deixe apurar em lume brando, sirva quente e acompanhe com funge e Kizaca Duchet".
As duas latas, as da Kizaca e da Moamba, aguardam um outro dia, enquanto procuro ânimo para confeccionar a Kizaca importada num país com tantas lavras de mandioqueiras, muita água e sal.
Quanto custa importar os equipamentos e embalar Kizaca Made in Angola?

Morangos da paz

Um cestinho veio do Huambo. Trouxe morangos. Mal chegou e logo o cheiro da fruta inundou a casa. Eram morangos gostosos, que minha cunhada enviara. No cartão preso na pega lia-se: “Queiram aceitar a fruta da paz! Assina, Graça”.
Todos nos deliciamos. Meus filhos, pela primeira vez, comeram morangos. Não eram morangos da televisão, que pobre come com os olhos. Eram de verdade! Por isso, houve disputa. Disputaram cada fruto e finalmente o cestinho feito de folhas de palmeira. A do meio queria usá-lo para guardar roupa da sua boneca, a mais velha queria-o para ornamentar a prateleira do seu quarto, enquanto o rapaz, o cassule, queria aproveitá-lo para fazer uma armadilha para prender pássaros.
Atraídos pelos morangos, no Natal de 2003, decidiram viajar até à fonte.
Permaneceram 15 dias no Huambo. Regressaram com muitas histórias. Falaram dos meninos do Huambo e das ruas. Apaixonaram-se pelo linguajar da região. A mais novinha disse que todas as paredes estavam picotadas: “Papá, o Huambo é muito bonito, até estão a pintar os prédios!”.
- Mas já começaram a pintar?
– Não, apenas picotaram as paredes!
Calei-me! ... Ela não sabia, que aquelas marcas nos edifícios eram sinais, deixados por anos de um conflito sangrento. Então, para quê fazê-la lembrar? Para quê mexer nas chagas?
Dormimos e durante uma semana as conversas gravitaram em torno do Planalto, até a aura das imagens da parabólica retomarem o seu lugar cativo com a novela “Chocolate com Pimenta”, “Celebridade” e “Da Cor do Pecado”.
Os relatos das crianças fizeram-me sair da carapaça e retomar um velho sonho. Então, nas férias, em Fevereiro, decidi viajar por terra. Queria conhecer melhor o país. O conhecimento propicia amor profundo. Quem ama conhece!
Parti de Luanda de Jeep, como se estivesse a ir à Barra do Kwanza. Nada de preocupações com pistolas, AKM e granadas, apenas o cuidado redobrado com o carro emprestado.
Olhei para a paisagem sem medo de ser surpreendido por um disparo. A vegetação em movimento e os solavancos mexeram o saco de lembranças. Entre a ponte do rio Longa e Porto Amboim está o Calele. Era perigosíssimo. Em tempo de guerra passei ali com o coração apertado. Até para ateus Deus era a única salvação! Hoje, nem dei por ele.
A viagem entre o município de Porto Amboim e o da Gabela houve alturas que durava mais de 10 dias. Agora, apesar de parte da estrada não ter asfalto, apenas são precisas três horas. Entre as Cachoeiras da Binga e a Gabela havia um ponto crítico: o tal “Pau Preto”. No local, os camponeses trabalham a terra, os camionista, que circulam a qualquer hora do dia, param para descansar. As flores silvestres cobrem os restos dos veículos atingidos pela violência. Enquanto, a oxidação corrói o metal, o tempo apaga o rasto da guerra fraticida.
Visitei a Quilenda, Kibala, Wako Kungo, Huambo e Benguela... Voltei a Luanda feliz e rejuvenescido! Os morangos da paz eram de verdade e jamais serão mofados! Morango é amor, é paz, é concórdia! VIVA!...

- Observação: Crónica publica em Abril de 2003 no Jornal de Angola, por altura das comemorações do 1º aniversário da Paz

sábado, 6 de setembro de 2008

Olha o dedo!

Na porta do edifício do Instituto de Formação Bancária, situado perto do Jornal de Angola, exibiu, para os demais ainda perfilados na longa fila de espera, o dedo indicar sujo de tinta.
Um sorriso triunfal cobriu o seu rosto ao deixar a Assembleia de voto. Havia acabado de votar pela segunda vez na Angola Independente!
Enquanto caminhava em direcção a Avenida Marginal, guardou o cartão no bolso e procurou pensar em outra coisa, mas em vão: As eleições monopolizavam tudo. Absolutamente tudo! Os jornais, as Rádios, a Televisão e por arrasto as conversas quotidianas.
Sem perceber, quedou-se no atraso no início da votação. Foi frustrante! Acordou às 5 horas, ficou na fila até às 12 horas. É complicado esperar. Viu gente reclamando, brigando com os funcionários do Comissão Nacional Eleitotal… não gostou de ouvir um deles respondendo uma senhora, enquanto arrumava as cadeiras: - Se quiseres, podes ir embora, não fazes falta!
Quis entrar na briga para limpar o equívoco daquela cabeça: - “ Faz falta sim, cada um de nós faz falta. Um voto fará falta para cada um dos candidatos”. Bastou olha-lo bem nos olhos para que este se calasse. Ainda bem!
Mas agora estava alegre. Esperar algumas horas não é nada para quem aguardou 16 anos por aquele momento! Sorriu e foi com relutância que resistiu ao desejo de exibir o dedo pintado para todos com quem cruzasse na rua.
- Olha o dedo, já votei…!

Memórias do cacimbo de 92

Eram 10 horas. Nas imediações da Igreja Sagrada Família, em Luanda, o trânsito automóvel era escasso, calmaria sonhada e desejada para horas de ponta. Caminhava tranquilo, quando foi interceptado por um militar. Não falou. Segurava firme uma metralhadora. E era com a ajuda desta que as instruções foram transmitidas. Eram gestos ríspidos e bastante eloquentes não deixando ruído para equívocos. O soldado todo vestido de uniforme preto, usava boina preta, luvas e óculos da mesma cor.
Atingido pela surpresa, o pedestre assustado descreveu um arco para não pisar no jardim da igreja, atravessou a rua e encaminhou-se agora para os lados do Hospital Militar. Depois de alguns passos, parou para apreciar o que aconteceria a um outro pedestre que seguia na direcção do soldado. Esperou num misto de receios e ansiedades. E de contentamento por não lhe ter acontecido o pior. Será que vai passar? … Suspirou. Não passou. Foi igualmente impedido de seguir no mesmo trajecto. Mas este não mudou de direcção. Recuou descendo pela Zona Verde e precipitadamente desapareceu.
Mas o que é que se passa? Nos seus 30 anos nunca tinha visto tal aparato militar! Já tinha visto vários tipos de uniformes: castanho, camaleão, tigre... Aliás, já usara muitos, mas este não se pareciam com os do exército coreano, cubano, russo, alemão democrático… enfim. Era algo novo.
A arma era estranha. Toda preta, tinha coronha dobrável e cano curto. O carregador era quase parecido com o da AKM. Mas são apenas aparências. Talvez, a coronha podia ser confundida com a da AK-47, mas não tinha nada a ver. Ancorou saudoso na sua alegria durante a recruta ao receber a sua primeira arma com coronha e guarda-mão reluzentes. A sua kalashi (diminuitivo de Kalashinikov) tinha bandoleira castanha e 3,6 kg de peso. O carregador era também castanho. Possui boa precisão e é fácil de montar e desmontar. É resistente capaz de suportar tudo desde a chuva, calor, areia, lama e até o próprio soldado. Do suspiro desabrochou um leve sorriso. Esse senhor Kalashinikov é o máximo! Dizem que desenhou esta arma, quando estava internado num hospital depois de ter sofrido ferimentos durante a batalha de Stalingrado. A AK é a minha grande paixão!
Ele sabia o que falava. Não encontrou semelhanças com aquela arma toda preta. Facto que o deixou inquieto. Mas o que é que se passa? O seguro morreu de velho, por isso correu para casa. Não queria ser surpreendido por qualquer infortúnio.
Se tivesse telefone telefonaria para alguém conhecido para obter informações. Mas telemóvel, em Junho de 1992, ainda era para o mercado ficção científica.
Contornou o Hospital Militar Principal e seguiu pela rua Comandante Jika. Perscrutava com subtileza no rosto de outros transeuntes indícios de alguma inquietação. Mas nada! Sob um clima ameno, caminhava colado ao cerco da Rádio Nacional de Angola. Ele procurava esbater o impacto vespertino causado pelo encontro com aquele militar, quando, ao aproximar-se da entrada da RNA foi novamente convida-do a afastar-se: – Senhor, afaste-se do arame!
Como gazela acordada por predadores na savana, sem olhar para onde vinha a ameaça, cor-rendo afastou-se. Só depois, com o pavor nos olhos, procurou saber de quem era aquela voz.
Isso é azar ou quê? Será que o mesmo soldado está a me perseguir? Não pode!... O coração carburava apressado. Isso não é normal. Está em todo lado! …Franziu o rosto!...
Na antiga Escola Comandante Jika, através do arame axadrezado visualizou o antigo gabinete do director “Nino”, a tribuna e a parada. Lembrou-se do desfile das tropas em parada nas sextas-feiras e dias de cerimónias. À Banda de Música e as canção: “Quero! Quero/ quero ser soldado/… com esta farda aprender a marcha/ com as armas lutaremos pela revolução”
– A Parada é um lugar sagrado. Tudo começa e acaba naquele lugar. O início da recruta. As formaturas. As marchas de Ordem Unida. Distribuição dos meios e equipamentos. Táctica, defesa, ataque, manobra, emboscada, flanco. Juramento de bandeira. A recepção de missões de combate. A partida, o regresso e o balanço. As alegrias e as tristezas. Parada é forja da amizade, da camaradagem e da lealdade. As canções e a cadência das botas no asfalto. Parou e imaginou o comandante do Batalhão de Instrução “Vulapata”, no seu jeito Garrincha de andar com suas pernas arqueadas, a marchar: Olhaaaar à Direita! Está alinhaaaar!...
Desperto por uma alfinetada de mau pressentimentos, retomou a marcha com vigor. Saudou a sentinela e dirigiu-se para o Bairro Prenda. – Kuemba tem que estar sempre atento! Camarão que dorme a calema leva. E sorriu!...
Ao atravessar a Rua Revolução de Outubro, ergueu a cabeça e leu no alto do edifício: LIBERDADE DE ÁFRICA…E acalmou-se sem um motivo aparente. Chegou a casa às 11 horas. Depois do almoço dormitava esquecido dos seus medos e receios, quando foi desperto pelo sinal horário da RNA: O Papa João Paulo II chegou hoje a Luanda.
Envergonhou-se pela teia de pensamentos que o atormentaram. Aqueles soldados pertenciam a uma nova polícia. A informação se espalhou no areal. A Polícia de Intervenção Rápida era a grande novidade. A arma não era AK, era Gallill de fabrico israelita. São parecidas, mas contrariamente a AK, que é de calibre 7,62 mm, esta é de 5,62 mm.
As botas também eram diferentes e usavam coletes à prova de bala… Usavam pistolas mas não eram de marca Makarov nem TT, Star ou walter. Essa tropa veio de onde? A pergunta teimosa perseguia todos que tivessem no seu caminho uma “Polícia de Intervenção Rápida”, que depois viraram “Polícia de Emergência” e “Ninjas”.
Todos a estimavam. Aquilo é que é polícia! Organizados, disciplinados e educados. Não falam muito, não se metem com a população, não brincam em serviço, no carro estão sempre bem alinhados e aprumados. Postura é postura e quando são chamados a agir em defesa da pátria angolana, da paz e da tranquilidade dos cidadãos fazem-no com muita prontidão e eficiência.
Os “Ninjas” lutam com destreza, neutralizam os seus inimigos impiedosamente e conseguem desaparecer sem deixar rasto. São invencíveis! É essa a imagem que se tem dos “Ninjas” e que é-nos transmitida através do cinema. Mas cinema é ficção!
Mas basta ouvir um pouco da folha de serviço e a história da Polícia de Intervenção Rápida de Angola para percebermos que a realidade não fica tão longe assim da ficção!

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Kizaca enlatada

Sábado comprei no Supermercado Kizaka e Muamba enlatadas. Subtilmente joguei-as no carrinho. Sentia-me maravilhado por ver folhas de mandioqueira pisadas e hoje enlatadas a disputar espaço com os outros manjares estrangeiros nas prateleiras de supermercados da Grande Cidade. A Kizaca e a Muamba são pratos familiares que marcaram a minha vida na aldeia. Ai que doce infância, ai que brisa amena, ai que cheiro bom da terra depois da chuva. Ai que bela paisagem!
A Kizaca acompanhando um prato de feijão com funge (pirão) era irresistível. Mas era comida de pobre, quando o arroz era apenas saboreado no Natal. Orgulho é perceber que eu e a Kizaca estamos novamente juntos. Apesar da nossa origem humilde, estamos sempre juntos nas avenidas caóticas da modernidade!
Aliás, já tivemos um encontro nas terras altas de Minas Gerais, Brasil. Mesmo não havendo pilão, o liquidificador serviu para triturar as folhas! Como vê a nossa amizade tem tem sementes, tem história! Por isso há sempre um jeitinho para se vencer a distância e ruminar o bom paladar!

Lágrimas de menina!


Por altura da independência, ela ainda jovem partiu para Lisboa. Trinta e três anos depois, ela volta para a antiga sede da Companhia Angolana de Agricultura (CADA), no Amboim, província do Kwanza Sul. Na berma da estrada, a poeira dorme sobre os limbos dos cafezeiros lembrando o pó fino que cobre a memória. Com passo húmido, passa pela antiga Estação do Caminho de Ferro do Amboim, a Cancela, as mansões pálidas pelo cacimbo dos anos e o Colégio S. João de Brito, a Barragem e o verde da paisagem. Do Colégio Santa Filomena apenas um montinho de terra de salalé. O périplo passa pelo local onde estavam os Escritórios centrais. Apenas algumas pedras e tijolos cobertos pelo capim remetem para aquele tempo de prosperidade. O Hospital resistiu aos tempos agrestes e ainda ajuda a população nativa a sobreviver. Depois da igreja, reencontrou a sua antiga babá , aí não teve como resistir. Então chorou de saudade dos velhos tempos de menina!

Viva a paz!


Cartazes, bandeiras, painéis, passeatas, programas de rádio e de TV momentaneamente invadiram os sentidos, transformando-se em novos atractivos. A programação quer da Rádio Nacional de Angola, da TPA quer dos jornais sofreu profunda alteração. Na grelha surgem os tempos de antena. Como saltimbancos, dez partidos e quatro coligações políticas empenham-se em procurar mostrar o quanto são capazes para justificar a escolha nas eleições de 5 de Setembro de 2008.
Seja quem vencer, a verdade é uma: todos os angolanos são vencedores, pois basta ver a tranquilidade como decorreu a campanha. Hoje de manhãzinha, ao descer para o Centro da cidade, me emocionei ao ver, nas ruas de Luanda, bandeiras do MPLA juntinhas as da UNITA…Viva a paz!