terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Dificuldades do noticiário económico em Angola

A importância da imprensa para o crescimento económico, com incidência para o papel da publicidade, foi pela primeira vez analisada de forma profunda por Harold Adams Innis. (SANTOS, 2001, p.76)
Para economista canadiano, os meios de comunicação de massas eram como o motor do desenvolvimento económico. Mais tarde, as suas pesquisas levaram-no “a entregar à Comunicação Social a pesada responsabilidade de ser o motor da própria História”.
Esta teoria foi desenvolvida na obra “Uma história da comunicação” que serviu de base para outros três livros editados em 1950 e 1952: “Império e comunicações”, “A Tendência da Comunicação” e “Conceitos de Tempo em Mudança”.
A minha reflexão: “As dificuldades do noticiário económico em Angola”, vai no sentido de partilhar algumas experiências acumuladas primeiro como leitor, ouvinte e telespectador e depois como repórter e mais tarde como editor de economia do Jornal de Angola. Não há a presunção, no entanto, de esgotar a abordagem do tema. Mas sentimo-nos felizes pelo facto de podermos contribuir de alguma forma para a compreensão de um assunto que goza sempre de actualidade como é o exercício do jornalismo económico.
Os vendedores ambulantes inundam as ruas de Luanda. As autoridades se preocupam e os cidadãos questionam. Os cambistas de rua perseguidos aqui, ressurgem num outro lugar com o mesmo vigor e com as mesmas notas novinhas acenando às pessoas que passam. Empresas nacionais não conseguem vender a sua produção, porque as mercadorias importadas oferecem preços mais competitivos. Os industriais reclamam da cobrança do imposto de consumo às matérias-primas. Empresários queixam-se da falta de crédito bancário e ou dos juros altos. A má gestão que leva a falência algumas empresas e o crescente exército de reserva aguardando vaga na entrada dos edifícios em obras. A descoberta de mais um poço de petróleo em águas profundas, a exploração de mais uma mina de diamantes a céu aberto. A substituição das plantações de café pelas de mandioca. A greve de petrolíferos na Venezuela que baixa as receitas do petróleo comprometendo a execução do Orçamento Geral do Estado angolano. O preço do combustível que sobe nas bombas de combustíveis, o taxista que encurta a viagem e o funge que diminui no prato. Enfim, é a mão invisível do mercado!
Esses problemas, que têm a ver com o funcionamento do sistema económico, influenciam profundamente a vida de todos os cidadãos. Porque o bom ou o mau funcionamento da economia determina o grau de satisfação das expectativas dos cidadãos de um país. Por isso, é natural que as notícias sobre o funcionamento da economia gozem sempre da proximidade com o leitor, ouvinte ou telespectador. Pois são fenómenos simples que marcam o quotidiano de cada um de nós. Estão à mercê de cada um. Adans Smith tornou-se Pai da economia ao descrever o processo de produção do casaco de lã, na sua Obra “A riqueza das Nações”. Contemplou, quantas pessoas intervinham directa e indirectamente em todo processo. É processo simples e concomitantemente complexo!
Infelizmente, há dias em que notamos em todos órgãos de comunicação nacionais dificuldades para o fecho da edição, sobretudo por falta de notícias económicas. Será que faltaram factos? Não! Faltou faro para detectar e transformar em notícia questões que aparentemente estão desprovidas de qualquer valor noticioso.
Os factos económicos estão aí, precisam apenas de ser identificados.
No passado, no contexto do regime de orientação Socialista alguns factos não seriam abordáveis, senão tendo sempre como âmbito o domínio político. A economia era centralizada, o Estado era proprietário de todos meios de produção, o mercado era regulado por medidas administrativas.
As questões económicas eram sempre abordadas em páginas de política, devido ao facto de o regime político de partido único que vigorava na altura não permitir destrinça entre o noticiário económico e o político. A campanha de colheita de café, por exemplo, era visto mais como uma actividade política e não económica.
A abertura democrática verificada na década de 90 veio propiciar condições para o surgimento de publicações económicas. Existe, pois, uma relação directa entre a democratização da sociedade, a abertura do mercado económico e a cobertura da média. Assim, a liberdade de imprensa é directamente proporcional ao grau de democratização de uma sociedade.
Numa economia moderna, o Estado assume outra função: a de promover a eficiência, o equidade e a estabilidade.
Portanto, com a abertura do mercado iniciado com o SEF (Saneamento Económico Financeiro) aos meios de comunicação apresentou-se uma nova perspectiva de abordagem dos problemas da sociedade.
Vem daí o surgimento das primeiras publicações privadas como o “Correio da Semana”, “Comércio Actualidade” . O noticiário económico é algo muito recente entre nós.
O papel dos meios de comunicação na etapa actual de reconstrução nacional é reconhecidamente importante. No entanto, “a qualidade das informações continua ainda desigual: informações abordadas com superficialidade, notícias divulgadas a partir da Press House. Informações reproduzidas sem no entanto, se ter o conhecimento do contexto em que as mesmas foram produzidas, facto que inclusive, leva ao questionamento da liberdade de informação económica. As informações destinadas aos consumidor não lhes são adaptadas. ”(AMARAL, 1978, p.111).
As principais dificuldades do jornalismo económico são as seguintes:

1- DIFICULDADES INTERNAS:
- Existe dificuldade na definição do que é matéria de economia, de política e ou de social. Por exemplo, os critérios da Angop são diferentes aos do Jornal de Angola. (Camponeses que recebem enxadas no Kwanza–Norte, o Governo que promete pagar a dívida pública através de títulos, ou trabalhadores de uma fábrica que entram em greve?) Qual destas matérias deve ir para a página de economia. Temos consciência que os critérios não são estanques, mas a tendência crescente da segmentação leva a que se preste mais atenção na distribuição dos conteúdos. Não é aceitável, por exemplo, que uma matéria de economia vá para a página de polícia apenas pelo facto desta não possuir material noticioso para fechar a edição.
- Alguns jornalistas ainda pensam que fazer parte da editoria de economia ou escrever economia é como ser colocado no guichet de um banco para receber dinheiro. Para estes, editoria de economia tem a ver com facturamento, “valores” como se diz, na gíria. As matérias feitas por encomenda cabem nesse capítulo. Cada dia é crescente o número de publireportagens embaladas como notícias. Isso, não é vender ao público gato por lebre?
- Falta de sectorização dos repórteres. A especialização marca a nova tendência dos meios de comunicação. Alguns dos repórteres escrevem sobre tudo. Escrevem economia, social, política, enfim são generalistas. Por mais competente que o repórter seja não escreve com tanta propriedade sobre todos assuntos. Constata-se que alguns jornais ainda não têm repórteres fixos em editorias. Por outro lado, a tendência da maioria dos repórteres do nosso país é escrever sobre assuntos da página Geral. Dizem ser mais fácil.
- Um outro problema tem a ver com o uso de termos técnicos de difícil acesso para o público. Isso é uma prática que afecta todas as áreas do jornalismo. O “tamodismo”(Tamoda é personagem de um livrodo escritor Unhenga Xito, que paralhava a plateia com o seu português retirado do diccionário) tem vários adeptos.
- Estrutura das redacções. Importa definir correctamente qual a estrutura que permite tornar o órgão de comunicação mais produtivo. A cópia de modelos não é a melhor opção. As vezes estruturas pequenas e menos complexas têm melhor funcionalidade e economizam tempo e recursos humanos e materiais, do que as complexas e pesadas. Qual seria a melhor estrutura para as empresas de comunicação angolanos? É um desafio que devemos vencer.
- Falta de matérias investigativas - Denuncismo dos meios de comunicação, sobretudo privados, os levam a divulgar informações sem a cuidadosa investigação. Existem vários temas que serviriam para serem investigados: por exemplo: especulações sobre escândalos financeiros, corrupção, más condições de trabalho em empresas, transparência ou não em contratos e concursos de adjudicação de obras etc, etc. Agora, o problema está na investigação. Depois de anos de silêncio, é natural que, concretizada a abertura democrática, o cidadão queira ver denunciados aspectos, que em seu entender são responsaveis pela sua insatisfação. Mas o jornalismo responsável não deve embarcar na Calúnia, na difamação e na injúria. É preciso publicar informações sustentadas por provas documentais. Assim estar-se-ia a contribuir mais para a transparência e a democratização da sociedade. Nada de alarmismos. Por isso, a especulação não é a melhor escola. Com um pouco mais de profissionalismo é possível publicar-se matérias investigativas de boa qualidade e evitar-se-ia o constragimento de ver a impresa sentada no banco dos réus.
- Falta de pautas originais: É um mal que enferma a imprensa angolana. O noticiário económico anda muito preso ao press release, ou a conferências de imprensa. Será preciso sair do noticiário institucional e partir para a elaboração de pautas originais. As queixas de falta de acesso às fontes podem ser contornadas buscando temas mais atraentes fora dos ministérios e empresas públicas. A maioria dos repórteres saem à rua sem pauta. As pautas devem ser elaboradas diáriamente em reunião de pauta (no caso dos jornais diários, rádios e TV). Importa também pautar os correspondentes das províncias. Muitos deles andam desorientados, sem saber sobre o que escrever. O que é que o correspondente do Kuando Kubango, por exemplo, vai escrever para ser noticiado nas páginas do jornais editados em Luanda? Isso implica um outro desafio: o da regionalização dos meios de comunicação. Ainda sobre a pauta. O ideal é que cada repórter desenvolva suas próprias pautas. Coisa que entre nós ainda é visto com certa reserva. Escrever duas matérias sobre o mesmo assunto, levanta-se logo a suspeita de promiscuidade com a fonte. Lá vêm as insinuações: “quanto é que te deram?”
- A complexidade dos textos: Alguns leitores recusam-se a ler as páginas de economia, sobretudo quando os texto são herméticos devido ao uso de muitos termos técnicos, alguns deles, quiça, desconhecidos para o jornalista. Não se orienta o consumidor através de projecções e de tendências de mercado. Raramente aparecem tabelas, gráficos e infografias para ilustrar as matérias facilitando a compreensão do leitor. A informação é remetida ao leitor sem os seus antecidentes históricos.
Tudo tem que ser doseado: “Excesso de números e estatísticas esconde uma falta de ponto de vista, de foco, sobre o que se quer mostrar”(BASILE, 2002,p.13)

2- DIFICULDADES EXTERNAS
- Algumas fontes ministeriais e empresarias desconhecem como funcionam os meios de comunicação; ainda vêem a imprensa como uma intrusa e perigosa; (Alguns assessores de imprensa ao invés de facilitarem o trabalho dos jornalistas atrapalham ainda mais o trabalho da imprensa. Aliás, alguns são verdadeiros porteiros).
- Ainda é incipiente a prestação de conta sobre os negócios desenvolvidos! E isso, não diz respeito apenas aos negócios públicos. Por exemplo: uma empresa privada angolana havia realizado uma conferência de imprensa com todos órgãos de comunicação anunciando a criação de uma fábrica de electromésticos e motorizadas. Prometeu empregar mais de 3 mil trabalhadores. Um ano depois, procuramos saber como estava o projecto. A resposta foi, “esperem até que a gente vos volte a chamar”.
- Quanto a falta de transparência nos negócios. Recentemente procuramos uma concessionária de automóveis e manifestamos o desejo de saber como ia o negócio, já que a mesma inundava a TV com vários clipes. A resposta: “Não estamos interessados em falar sobre os nossos negócios com o senhor jornalista”.
- Falta de divulgação de dados actualizados sobre o desempenho da economia. Por exemplo qual é o índice de desemprego? Isso para citar apenas um indicador.
- A quase ausência de economistas a abordar em coluna de jornal e com regularidade aspectos da nossa vida económica. Especialistas a analisarem com profundidade situações sobre o funcionamento da economia angolana. Queixas sobre a falta de espaço para o exercício do debate não colhe.
- Questões de grande alcance geral, o Orçamento Geral do Estado, a lei de finanças públicas, a modernização das Finanças Públicas, a dívida pública, a balança de pagamento, os juros que o Estado paga pelos empréstimos, tornam-se “notícia” apenas no período da discussão para a sua aprovação no Conselho de Ministros e ou na Assembleia Nacional. Depois saem das páginas e caem no esquecimento.
- Falta de senso crítico. E o mais caricato acontece nas famosas cerimónias do fim do ano de ministérios e organismos públicos: Em todos eles o “BALANÇO É SEMPRE POSITIVO! Há casos em que durante o ano a imprensa divulgou informações sobre o mau desempenho de alguns deles, como entender o “balanço positivo”?
Portanto, eis algumas regras práticas para o jornalista económico extraídas do livro de Furio Colombo “Conhecer o jornalismo hoje”:
- A notícia não é um pormenor. É um todo. É importante procurar ver sempre esse todo.
A notícia não está quase nunca no facto específico que nos é mostrado. Na melhor das hipóteses, este constitui um lado, uma ponta, um sintoma, um dado de qualquer outra coisa.
Raramente a notícia se forma no local onde parece ter-se formado. Raramente chega na forma de um fruto maduro, como uma dádiva da Natureza. A missão é, ao invés, procurar percursos e segui-los até encontrar o ponto onde o acontecimento tem origem.
Quase sempre um facto económico é proposto com a sua interpretação. Raramente a interpretação proposta é a mais credível.
A maior parte das notícias económicas é como as da moda e do espectáculo. Chegam acompanhadas não só da informação, mas de materiais ilustrativos.
A maior parte das notícias económicas chega ligada a um nome. Existe uma constelação pequena e brilhante destes nomes que dominam o firmamento das notícias económicas e o iluminam. A maior parte dos equívocos formam-se aqui, quando o jornalista usa aquele nome como chave de leitura, para si próprio e para o leitor.
Também a desinformação chega com um nome. Mais uma vez, a presença louvada ou condenada do nome deveria constituir um bom sinal de alarme.
Antes da explicação de cada notícia, o jornalista de economia deveria apresentar uma perspectiva do campo que está explorar, apresentando a sua própria chave de leitura (o que pensa do produto, da utilidade do mesmo, que preconceitos tem em relação a aquele campo, sector ou empresa específica e por que razão).
O mundo económico está dividido em campos, por vezes em contraste dramático entre si, outras vezes ligados a sectores editoriais. Indispensável evitar tomar partido.
O jornalismo económico tem a missão de contribuir para o bem estar dos cidadãos, apoiar a democratização da sociedade e lutar pela gestão transparente e racional dos recursos. Enfim, denunciar e combater os crimes contra a economia.
Os conflitos marcam a vida económica, por isso, não basta apenas divulgar factos, pois essa tarefa é bem executada pela publicidade, importa questionar o por quê? As causas são muito importantes para a compreensão do facto.
Ainda como diz Colombo, um jornalismo que aceita viver com a memória curta dos factos tal como eles se apresentam num determinado dia e com a versão que deles foi dada pelas fontes interessadas, é um jornalismo mutilado que se coloca nas mãos das partes em conflito!

Bibliográfia:
i. AMARAL, Luiz. Técnicas de Jornal e Periódico. 3 ed.Biblioteca Tempo Universitário. Editora Fortaleza, 1982.
ii. ALMEIDA, Rosa, VAZ, Joaquim. Comunicação e Difusão. Plátano Editora, Lisboa, 1995
iii. COLOMBO, Furio. Conhecer o Jornalismo hoje. Como se Faz a informação. Editorial Presença, Lisboa, 1998.
iv. CRATO, Nuno. Comunicação Social. A imprensa.4.ed. Editorial Presença, Lisboa, 1992.
v. SANTOS, José Rodrigues dos. Comunicação. Lousanense. Lisboa, 2001.



OBS: TEXTO PUBLICADO EM 2003 NO JORNAL DE ANGOLA E INCLUÍDO NO LIVRO "INQUIETAÇÕES DO JORNALISMO" DE AUGUSTO ALFREDO, PUBLICADO DIA 3 DE MAIO DE 2008, NO DIA DEDICADO À LIBERDADE DE IMPRENSA.

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