sábado, 15 de novembro de 2008

Cada um com sua âncora!

Era uma tarde de domingo. Brisa amena assinala a normalidade do ambiente e transmite um ar de romantismo próprio do sol ponte. O que destoava da paisagem era apenas uma coisa. Um homem, feito espantalho, cambaleando de lá para cá e de cá para lá.
Em sofrimento, caminhava errante no Calçadão da Avenida Marginal, enquanto atletas do fim-de-semana procuravam desentorpecer os músculos, afugentado o miúdo reumatismo ou a obesidade agasalhada pelas mordomias da modernidade.
O homem batia-se contra a lei da gravidade. Após um tropeço no seu próprio dese-quilíbrio, correu em meia haste e abraçou um poste de iluminação pública. Azar! Era o mesmo poste que, na madrugada, havia amparado um Nissan evitando que o mesmo se atirasse ao mar. Olhou ao redor com desconfiança e retomou o caminho murmurando em revolta seus pensamentos confusos.
Um casal de namorados afastou-se assustado e olhou de soslaio para o homem alto e fragilizado pelo álcool. No silêncio, uma inquietação persiste: como um pai de família, vestido de calça social, camisa branca e casaco, podia apresentar-se publicamente naquele estado deplorável. Talvez viesse de algum pedido!...
No rosto, bem perto do sobrolho, trazia uma escoriação, com certeza, uma marca deixada por alguma queda. Nas imediações do BNA, aproximou-se de um banco. Parecia um coqueiro sob a ventania. Com olhos fechados, jogou a vergonha ao relento e urinou. Os pedestres olharam-no com reprovação.
- Ua kambe ó sonhi!...
Uma canoa deslizava na água da baía. Dois adolescentes remavam calmamente. Viram um cardume e jogaram a âncora. O ruído afugentou garças que naltura procuravam o repasto para o jantar. Acordei pela mesma razão das aves.
Peguei ainda a âncora a meio do arco que descrevia. Para quem nasce no interior a âncora é algo que só vem nos livros. Não tem tanta serventia como o que lhe é atri-buído pelos homens do mar. E o pensamento agarra-se à âncora.
A âncora pode ser um ferro, uma pedra... A função é prender a embarcação para que ela não ande a deriva e o seu tamanho depende da dimensão do navio. Lembro-me! Certa vez, perante uma tempestade, um barco perdeu a âncora, quando esta ficou presa numa rocha. Quebrou-se o fio e a embarcação acabou encalhada na praia. Soçobrou. Jamais conseguiu voltar ao mar. Resultado, esventrado dos seus equipamentos, o casco ficou abandonado e entregue à oxidação, transformando-se em abrigo para espécies anfíbias como tartarugas e caranguejos. Hoje, só se percebe a sua presença, através de um ferro da haste feita cruz que sobressai entre as areais do Ambriz assinalando o local do “naufrágio”.
Um jovem apaixonado abriu a janela e jogou-se do edifício. Não viu as rosas que desabrochavam no jardim! Então, a âncora é importante! A âncora pode ser também uma ideia, um sentimento, uma pessoa, uma aldeia, uma cultura, um país! Um grande amor, uma grande paixão, Angola! Uma razão de viver. Quem não tem âncora se perde. Agarre a sua âncora e nunca perca o foco, permaneça no rumo certo.

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