terça-feira, 27 de maio de 2008

Viva Março Mulher!

Ia e vinha da clínica pelo mesmo caminho: Avenida 21 de Janeiro e Hochi Min e vice-versa. A mãe, Conceição Francisco Durí, filha do velho Durí e da velha Ebo, na Gangula, depois de lhe ter sido diagnosticado um câncer nos intestinos debatia-se de tanta dor. Mesmo com sedativos mal conseguia pregar o olho. Pele ressequida cobria o que sobrava dos dedos, dos braços e do rosto. Enfim, tudo era apenas ossos. Aliás, fazia tempo que já não comia as refeições que as filhas e noras confeccionavam com tanto zelo.
Apesar do sofrimento, aproveitava as pequenas tréguas da dor para sorrir. Não era o mesmo sorriso, daquele tempo bom de perfumes e temperos. Tempos vividos com saúde, fartura e sonhos. Tempo em que se desconhecia com precisão, onde ficavam órgãos como o coração, o fígado e o estômago e nem se calculava quanto esforço era preciso para se descer da cama. Mas era um sorriso carinhoso, de mãe para filhos, que mesmo crescidos eram por si considerados meninos, pequenas crianças. Era um sorriso de amparo para os órfãos que logo nasceriam. À tarde, ela recusou-se ir novamente à clínica, pois sentia-se muito cansada. Então, preferiu ficar na cama da dor.
Foram seis meses de vaivém até que nesse mesmo dia, ela despediu-se. - Eram 22 horas.
- A morte chegou!... - disse com dificuldade. - Essa noite não dormirei… fiquem bem e cuidem do meu ca…ssu…le… - Soluçou, soluçou, soluçou e partiu. Era dia 2 de Março! O dia dedicado à mulher angolana.
Em Luanda, durante meio ano cruzei o Largo das Heroínas. Assim, perdi, na agitação da vida urbana, o número de vezes que me vi diante do Monumento dedicado às mulheres angolanas. Sextas e sábados vi vários noivos a jurarem fidelidade, a trocarem promessas de amor e felicidade. Momentaneamente a bruma de véus lenços e acessórios se sobrepunha ao meu drama.
Deolinda Rodrigues e companheiras remetem como ícones para o mundo feminino, onde as mulheres enfrentam a opressão, a injustiça e a discriminação.
Depois de ter seguido com o coração sobressaltado a odisseia das guerrilheiras angolanas, no Diário de Deolinda Rodrigues, compenetro-me ainda mais com a coragem, a abnegação e espírito de estoicismo demonstrados pelas mulheres que lado-a-lado com os homens se bateram pela conquista da independência de Angola.
Na sexta-feira, quando passava pelo Largo das Heroínas, atraído pelo número de automóveis que engarrafava a Avenida, parei para saber o que se passava. Quatro noivos poisam para fotografia. Aproximei-me de um deles e quis saber por que haviam escolhido aquele lugar. Depois de um sorriso frio, o noivo respondeu: - Os padrinhos escolheram… E nós gostámos. - completou a esposa num sorriso insuspeito de muita felicidade.
- Porque razão é que o dia 8 de Março é considerado feriado?
- Sei que é feriado, mas… - disse titubeante o noivo.
- Parece que morreram algumas mulheres… - salvou a noiva com prontidão!
Contrariado, agradeci e parti enquanto meditava: Quantos sabem o significado do 8 de Março?
- Em 8 de Março de 1857, as operárias de uma fábrica de têxteis de Nova Iorque entraram em greve ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias, que recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se deflagrara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas.
Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher". O dia 8 de Março é, desde 1975, comemorado pelas Nações Unidas como o Dia Internacional da Mulher.
Até chegar ao destino, cruzei-me com mulheres negras, mestiças, brancas, angolanas, estrangeiras, zungueiras, médicas, professoras, advogadas, funcionárias, desempregadas, mães, filhas, irmãs, primas, amigas e outras. Cada uma no seu passo feminino. Então compreendi, Mulher é poesia, é flor, é carinho, é amor, é mar!
Meu orgulho é ainda maior, nasci no mês da Mulher! Sou de peixes, talvez por isso goste tanto do Mar!
Ai mãe, que saudade! Sei que as mães nunca morrem. Estão algures intercedendo sempre pelos filhos. Vida, margaridas, rosas e dálias para elas!
Viva Março Mulher! …

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