quarta-feira, 28 de maio de 2008

Eu amo Angola!

Um telefonema inesperado faz reduzir a velocidade do carro e, em escassos segundos, o ponteiro desce de 100 para zero. Eram 15 horas e 30 minutos.
- Tudo bem papai?... Olha papai, eu vou torcer p’ra Angola. Não vou torcer para o Brasil.
Momentaneamente, um remoinho confunde tudo na azáfama do trânsito e seca as águas do Oceano Atlântico, que separam Angola do Brasil. Decanto as ideias, renovo, num longo suspiro, o oxigénio dos pulmões e desligo o rádio.
Era a voz da Anna Júlia que falava a partir do Bairro Benfica, da cidade de Juiz de Fora - Minas Gerais Brasil. Lá bem distante, na cidade do poeta da “Idade do Serrote”, Murilo Mendes, e do presidente Itamar Franco. Não é o Benfica de Luanda, onde coincidentemente eu vivo e que também dista cerca de 30 quilómetros do centro da cidade. O Benfica de Minas fica na Rua Presidente Juscelino Kubicheck.
Os Palancas Negras realizaram jogos amistosos antes do Dia D em que se vão defrontar com a selecção de Portugal. Acompanho os jogos pela Televisão, sofro e no final deixo-me ficar com a bandeira a bailar na mente. Vermelho, o Sangue de nossos Heróis. O Preto, a África, e o Amarelo, as riquezas de Angola.
Foram quatro jogos para a preparação dos Nossos Heróis! Resultado: uma vitória de 5:2 contra um misto de Celle (equipa alemã), 0:2 contra os argentinos, 2:3 contra os turcos e 0:1 contra os americanos. Encolho os ombros e agasalho-me no conformismo.
Mas esse telefonema reacende os ânimos e a tarde se torna colorida muito antes do crepúsculo chegar com os seus lilases. Anna Júlia nasceu no Brasil, tem 6 anos e decide torcer por Angola na Copa, apesar do Brasil também estar lá com todo o seu cordão de estrelas e favoritismo. Anna é filha de pai angolano e mãe brasileira. Ela nunca veio a Luanda, mas sente-se tão angolana, como as meninas que cantam o “ANGOLA AVANTE”.
“Infeliz é a Nação que não tem heróis” escreveu Berlot Brecht na peça Galileu Galileu. Angola tem seus heróis, que encarnam o sentimento mais profundo das suas populações, a sua alegria. Depois de trinta anos de dores e de lágrimas, as feridas abertas pelo conflito no corpo e na alma dos angolanos, ainda não sararam em 4 anos. Só a brisa do tempo encaixará cada partícula no seu lugar e cobrirá as crateras que se abriram na memória. Sabemos que é preciso caminhar, semear amor sobre dor, o bem sobre o mal. Deixemos o bálsamo do amor cicatrizar as nossas chagas.
Ainda se lembram? “Angola é e será por vontade própria…” Essa vontade persiste no sangue de angolanos e de seus descendentes. Angola já não é uma simples nação africana mergulhada numa guerra étnico-tribal, como cansamo-nos de ouvir durante anos.
Por mérito próprio, Angola está na Alemanha entre as grandes nações do mundo. É incrivelmente, a Copa 2006 decorre na Pátria de um dos maiores dramaturgos do Mundo, Brecht. O autor de “Mãe Coragem”, “O círculo de giz Caucasiano”, “Aquele que diz sim e aqueles que diz não”. O homem do Teatro Didáctico e do Distanciamento.
Angola vai enfrentar adversários potencialmente fortes. Com coragem, humildade e paciência vai conquistar o seu sonho. No campo, manterá o distanciamento do favoritismo dos adversários, pois, os jogos são resolvidos no relvado.
Pela primeira vez, Angola está no mundial, tomo finalmente consciência do tamanho do feito. A ficha cai. Eis a realidade! O país vai estar na vitrine do mundo! Quando o apito soar no Domingo toda a Nação terá o coração suspenso e a respiração entrecortada.
Geradores, rádios, pilhas, televisores e todos os meios que permitem acompanhar o espectáculo estão a ser “engatilhados”, diga-se, preparados para o grande momento. O país inteiro vai parar. Cada molécula do tecido vai contaminar-se com o clima de cada lance.
- Filha, obrigado pelo carinho! Vamos torcer juntos por Angola. Viva Angola! - E do outro lado a mesma convicção e firmeza:
- Eu amo Angola, Papai! … Viva Angola!- Viva! – Calmo, com a mente a oscilar entre a alegria e a saudade, retomo a marcha em direcção ao centro da cidade. Enquanto o carro desliza suave sobre asfalto do bairro da Samba, olho triunfante para as obras e o encanto agarra-se ao sorriso.
Viva Angola!...

2 comentários:

Anna disse...

A homenagem que realmente nos comove profundamente.

Papai, amo Angola como amo Você.

Mazungue disse...

Num mesmo instante, estar em dois continentes separados pela imensidão do oceano Atlântico é um exercício de omnipresença que rompe com todos os parâmetros da lucidez. A saudade deixa-me em estádio de embriaguês permanente! Amo vocês!