terça-feira, 27 de maio de 2008

Desarmar é reforçar a confiança

Qual é o perigo de uma arma cujas balas são feitas de folhas de bananeira mascada? Sim, de bananeira!... Depois de mascada, as pequenas bolas eram introduzidas no cano feito com o caule de um tipo de árvore. Com ajuda de uma espécie de vareta de pau, a “bala” era levada até a outra extremidade do cano com cerca de 30 centímetros de comprimento. E de seguida, introduzia-se a segunda bola. Esta, empurrada pela vareta, aumentava a pressão do ar dentro do cano, expulsando a primeira bola. Como consequência, produzia-se apenas um barulhinho e libertava-se uma espécie de fumo. A bala não alcançava mais de 2 metros e o barulho não era ouvido a mais de 20 metros. Era apenas um brinquedo de crianças pobres, que não constituía perigo nenhum. Mas mesmo assim, era proibido.
Quando foi lançada pelas autoridades governamentais a campanha de entrega voluntárias de armamento na posse dos cidadãos, várias lembranças de incidentes inundaram a minha memória.
Lembro-me que até 1974, muitas pessoas desconheciam a existência de tanto tipo de armamento. Compravam fitas de câmara de ar na recauchutagem para fazerem as suas fisgas. Era com elas que caçavam beija-flores, rolas, guendentes e coles.
Na cidade, admirados, espreitavam na montra de uma loja, que comercializava pistolas e caçadeiras. Queriam ter uma arma apenas para caçar perdizes e veados. Mas uma Pressão de Ar “Diana 28” já bastava para caçar rolas e pombos-verdes lá na fazenda.
Mas tudo isso não passava de sonho, porque para comprar uma arma era preciso muito mais do que o simples desejo de possuí-la. Até simples imitações eram proibidas pelos adultos. Ai se te achassem a fazer algo que pelas características se aproximasse a uma arma verdadeira!...
Só depois de 25 de Abril de 1974, é que as crianças, jovens e adultos do meu tempo tomaram contacto com as novas armas trazidas pelos movimentos de libertação. A atracção era grande e a curiosidade fez muitas vítimas:

1. Um jovem saía da lavra com sua enxada, quando achou na berma da estrada um objecto do tamanho de um abacate. Também era verde! Por volta das 19 horas, reuniu a criançada no seu quarto para desmontarem o engenho. Este explodiu na hora matando mais de 5 pessoas. Afinal era uma granada F-1. Sangue e tecidos humanos salpicaram as paredes caiadas da sanzala da Boa-Lembrança e a dor e o luto espalharam-se em bairros do Amboim, como o da Londa, Pange, Culembe, Munguco, Condé e Boa-Entrada.
2. Certo dia, chovia, quando os jovens Tomás e António faziam uma arma de pau, vulgo “mutimba”. Fizeram a coronha e finalmente montaram o cano feito com um tubo de canalização de água. Estava pronta para o primeiro tiro. Introduziram um cartucho de G3 no cano e da janela, Tomás empunhou a arma, apontou para a montanha e disparou. O eco prolongou-se na serra da Londa. Porém a velocidade da agulha percutora acabou perfurando o cartucho explodindo com o cano. Um pedaço de ferro atingiu o ombro direito do atirador. Em poucos segundos, do lado direito do corpo, a camisa e o calção estavam cheios de sangue. O sangue jorrava como numa torneira. Aflita, a aldeia correu na chuva até ao Posto Médico do Pange. Ainda hoje, Tomás queixa-se de dores na região da omoplata.
A lista de incidentes com armamento é enorme e, com certeza, cada um dos ouvintes tem a sua.
Com a paz alcançada a 4 de Abril de 2002, tornou-se injustificada a existência de indivíduos armados sem que para tal estivessem autorizados. As armas devem ser entregues sem qualquer resistência. Então, não é a paz que todos nós queríamos? A paz não se constrói com armas escondidas atrás do armário ou debaixo da cama, nem andar com uma pistola no assento do carro.
Nem sempre estar armado é sinónimo de estar mais seguro. Certo dia, um militar que gostava de andar sempre armado foi assaltado no portão da sua casa no bairro Benfica. Eram 21 horas. Não conseguiu reagir, pois qualquer gesto seria fatal. Mais tarde, os assaltantes foram detidos pela polícia. Valeu a pena, foi melhor assim!
Por outro lado, a posse de uma arma pelo vizinho levanta sempre suspeitas e desconfianças. Nunca se sabe qual é a verdadeira intenção do outro.
Aliás, não é normal vermos gente armadas em cada esquina do bairro ou da cidade. A presença de uma arma indicia sempre uma situação de anormalidade. Entreguemos as armas e desarmemos as nossas consciências. Não é um país normal que todos os angolanos querem construir? Então, as autoridades é que têm a responsabilidade e a obrigação de garantir segurança dos cidadãos. É por aí! Desarmar reforça o amor, a confiança e a concórdia entre os cidadãos!

Ainda estou a vir!

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem,

Passei por cá pra dizer que:
O blog está interessante!!

Continue com seu bom trabalho tio..
Gostei da parte da Gabela ;)


Beijinhos da sua sobrinha
:D