sábado, 6 de março de 2010

Última Primavera!



Ainda era menino quando procurava decorar as quatro estações do ano. Na minha aldeia, depois do Verão, na inocência da idade corria eufórico atrás das folhas amarelas e dos frutos do Outono. No inverno, era o Presépio que mexia a rotina da criançada, que procurava na sua pobreza aconchegar o Menino Jesus que havia nascido para salvar o mundo do Pecado!
Depois, veio o vendaval e acabou com o Verão, Outono, Inverno e Primavera! As estações encolheram-se: tempo Seco e Chuvoso. Mas na reminiscência, as folhas ainda cobrem o chão atapetado de amarelo.
Com esses pensamentos, desembarquei na Avenida Marquês Pombal e caminhei até ao destino! Chovia, num Inverno que os europeus consideram o mais rigoroso dos últimos seis anos. E os estragos da Madeira são eloquentes!
Cheguei ao destino às 6H30 e na fila, entre sotaques de africanos, europeus do leste, asiáticos e sul-americanos, olhava com enleio a chuva que cai de mansinho.
Naquele dia, acordei cedo, nem deixei o despertador disparar. Aliás, a ligação da esposa e a mensagem da filha desejando parabéns pelo aniversário, foram madrugadoras. Que bom! Precisava chegar primeiro para a renovação do Visto de Residência em Portugal. Era Estrangeiro.
Enquanto aguardava, divertia-me em descobrir a nacionalidade de cada um deles. Ouvia e olhava, olhava! Perscrutava sobretudo a língua e o sotaque! A tarefa não foi difícil para a maioria deles. Chineses, ucranianos, senegaleses, guinienses, malianos se exprimiam na sua língua de origem. Português era apenas a ponte para unir falantes de outras línguas. Eu era o 4º na fila. Havia decifrado a origem de quase todos eles. Onde tivesse dúvida procurava confirmar!
- Desculpa, o senhor é mesmo da onde?
Chegou uma senhora. Aproximava-se das 8 horas. Esperei que ela falasse. De onde era ela? Angola? Moçambique? Cabo-Verde e Guiné-Bissau, não!
Esperei! Quando ela quis saber o lugar que ocupava na fila, consegui ver a silhueta da realidade cultural que o véu do silêncio escondia. Mas era insuficiente! Solução.
- A senhora é de Angola?
– Não, sou de S. Tomé.
Sorri contrariado! Perdi o jogo. Para o alívio, a porta se abriu e os estrangeiros em Portugal alinharam-se para a renovação dos papéis que garantia-lhes a permanência legal no espaço europeu.
Trinta minutos depois, estava tudo resolvido e parti apressado para o Instituto, onde cheguei antes do início do primeiro tempo. Mas no fim da aula, ocorre o inusitado! A primavera desabrocha, explode com as suas pétalas, seus coloridos, perfumes e borboletas.
A Turma ergue-se e canta parabéns a você! Todos os gestos e olhares absorvem-me. Saio da penumbra: era o dia do meu aniversário! Longe da pátria, eu estava radiante pela surpresa! No convés da Fragata desenhada sobre o bolo, os abraços, os beijos e desejos firmados de longos anos de vida!
Como eles descobriram a data do meu nascimento? E não tive dúvidas! Inconfidência! A vizinha de carteira, Lénia Godinho era a cúmplice de um momento sublime que se retém no altar da memória. Eu já não era mais estrangeiro, era apenas um cidadão de Angola, que em cada esquina de Portugal tinha alguém com quem partilhar lembranças, cultura, história e futuro.
Ainda caminhava nas nuvens, quando hoje o telefone toca. Era um amigo português de nome Augusto, que convidava-me para o almoço em sua casa. E cai para trás, quando ao entrar na sala, vi a mesa ornamentada tendo no centro um bolo com a Bandeira de Angola, Nosso Orgulho Maior!
Viva as primaveras da vida!

1 comentário:

Unknown disse...

Boa, Alfredo. Parabéns pelo aniversário e pelo texto.