domingo, 21 de março de 2010

MULHERES E O REGRESSO DO COMBOIO AFRICANO


Março caminha para Abril! E Lisboa acorda calma para a sua rotina! É Domingo! Na Baixa Chiado, ela procura descontraída na prateleira da loja que comercializa música africana. E lá encontra Bonga, com Rosa Maria, Paulo Flores, com Sassasa, Danny L, com Kalumba , David Zé, com Sofredora, Candinha, Lamento da Angêlica e Mama Kudilé . Mas apenas desabrocha de contente logo ao rever a cantora Tchinina: Hossi, Somaiangue ! Uteque ! Taté , Ekumbi , Mukanda …!
A razão da escolha talvez resida no mês de Março dedicado às mulheres! Talvez, há escolhas mudas.
E no regresso a casa, o embalo na voz de Tchinina recoloca-lhe o aparelho de rádio de marca Philips empoeirado ao ombro décadas depois da última farra ali bem perto do rio Mazungue, na Gabela. Entre cafezeiros, ginga confundindo o seu andar com o da gazela.
Apanha o comboio em Sete Rios e parte! O tapete verde desliza na velocidade das lembranças, onde o único solavanco que chocalha a alma é a melancolia da saudade. No rastilho da paisagem em convulsão, desfilam laranjeiras e tangerineiras com seus frutos maduros pendentes enfronhados no seu aroma. As aldeias correm atrás. A angústia escava a Tundavala da melancolia naquela tarde chuvosa de inverno. No êxtase embrulha e expulsa tudo num longo suspiro! Mas fica no desejo! O enleio persiste!
Lá fora, a chuva cai e lentamente a água acumulada no tejadilho desce sobre o vidro embaciado da janela do comboio, que liga Lisboa a Sétubal. Mas ela percorre um outro atalho entre a cidade da Gabela e a de Porto Amboim numa distância de 123 quilómetros de extensão de linha.
Mano, olha fruta fresca! Era assim que na estação da Boa-Viagem as camponesas com seus filhos às costas ofereciam laranjas, tangerinas, agrião, couve, repolho, abacate e óleo de palma aos passageiros. Os produtos eram de qualidade e baratos! E o seu comboio do Caminho de Ferro do Amboim (CFA) ainda fumega no morro da memória.
Adicionada à paisagem de pomares, depois da estação do Setenta-Quirimbo e Torres-Quijiba emerge, nas bermas, as plantações de algodão. Aqui e acolá gente curvada protege a cabeça com o chapéu-de-sol. Nas mãos, o cesto de palmas cheio de tufos de algodão.
Fogueteiro! E a buzina do comboio eléctrico empurra-lhe para a praia. E desperta! Era diferente! A do seu comboio tinha vida própria. Tinha voz de gente falecida na construção da ferrovia! O corta-cabeça povoa o medo das aldeias. Dizia-se! O comboio gritava e dialogava com os falecidos! Uéé-Uééééé! Pouca-sorte-pouca-sorte-pouca-sorte-pouca-sorte!
E electrizava a garotada que corria na sua loucura inocente para ver o trem passar. Acenavam e enchiam a cabeça de sonhos! Era o Comboio Africano que virou signo precursor da libertação da Mãe Negra oprimida e colonizada.
O Comboio Africano conquistou a liberdade, mas logo depois tudo ficou na saudade, porque aboliram a linha e as populações ficaram em ilhas isoladas, tristes e perdidas no meio do capim alto. Gabela e Porto Amboim ficaram mais distantes uma da outra! Mas as populações esperam que um dia o comboio ainda volte a apitar no trajecto para reanimar vidas adormecidas! Quem sabe! A esperança é verde como o capim que hoje cobre a linha esquecida!
Ao desembarcar, ela estica o olhar perdido para o horizonte e renova a fé. E há razões para tanta fé, pois contrariamente aos carris, o sonho e a realidade terão um dia ponto de encontro.
Mona Ku Jimbe Manheno ! Kalunga Nguma !

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá Alfredo, amei seu texto, de uma sensibildiade incrível. Tenho muito interesse em conhecer melhor a história do comboi africano, como surgiu e seus desdobramentos. Gostaria de saber se poderia me auxiliar nessa busca.
Meu e-mail é michele@yalodeafro.com.br
Agradeço
Michele

Anónimo disse...

Ola, muito boa noite , o meu nome é Miguel de jesus de freitas nicácio gomes, sou filho de um dos fundadores do grupo Águias Reais, Marçal Nicacio Gomes, e ainda sogro desta grande senhora Teresa da Cruz Manjenje (Tchinina), e deslumbrei-me com o seu texto, tenho procurado informaçao sobre meu pai,tendo inclusive marcado viagem a Angola, para uma busca mais exaustiva.meu email: jesusm@live.com.pt