quinta-feira, 18 de março de 2010

Caldo verde



Ainda era criancinha, mas voar era o meu sonho, para transpor aquelas montanhas que cercavam a minha aldeia como barreiras para impedir a evasão de sua gente. Queria conhecer além do horizonte nublado. Queria vencer o nevoeiro e conhecer mais coisas além das bananeiras e dos cafezeiros. Invejei os pássaros que no seu exibicionismo iam e vinham cheios de felicidade visível no cantar.
Um dia tardei dormir, quando pela primeira vez um avião passou bem baixinho sobre as casas da nossa aldeia. Corremos atrás do seu rasto até cairmos sob o cansaço das pernas e dos pulmões. Renovei o sonho de voar.
Naquela noite sonhei. Um sonho bonito. Meu pedido havia sido satisfeito. Um pássaro de ferro veio buscar-me e eu estava radiante despedindo-me dos meus amigos todos esfarrapados. Mas ao acordar, era afinal apenas sonho de menino pobre sem asas para voar.
Decidi retomar a rotina de lugares pequenos e deixar o meu sonho no molho verde da esperança. É como se alguém comprasse sapatos grandes e deixasse os pés crescerem para os por usar. E nessa espera nasceu uma outra paixão sobre as águas do rio Mazungue.
Agora queria ser marinheiro e descer rio abaixo até atingir o mar. Um dia desci até ao mar, não de barco, mas de camião. Um camião que fumegava e nos buracos jogavas os passageiros de um lado para o outro. Era preciso segurar para não rolar na carroçaria feito bola de trapos. Quando vi o mar tive medo. Fugi das ondas como louco, mas com o tempo fui-me acostumando a deixar-se embalar nas suas ondas.

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