quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cristóvão deixa um rasto de boas lembranças


Ano 2000! O ponteiro das horas, no seu rodopio estonteante, completava as exaustivas 24 voltas do dia, mas os jornalistas, empenhados em dar à estampa a primeira versão do novo projecto do jornal, não relevam o cansaço do esticar da jornada de trabalho. Queriam experimentar a agradável emoção de ver as páginas fresquinhas a circular logo de manhãzinha empurrados pelo pregão de jovens e dinâmicos ardinas luandenses.
A conversa animada salpicada por um humor fino versando sobre as mais variadas questões do quotidiano eram o remédio para descontrair e recarregar os ânimos. Ou descontrair os músculos faciais com suculentas gargalhadas! Não havia censura nem auto censura. E a melodia suavizava as tensões e amainava a alma para o resto do troço sinuoso do fecho, num momento em que o mês atingia o dia 45.
- Se não pagaram hoje, pagam amanhã, se amanhã não pagarem, a única certeza é que irão pagar.
José Cristóvão tinha sempre certezas e humor diante de dificuldades e de incertezas. Até sabia de todos os resultados dos nossos Palancas: A nossa Selecção se não ganhar empata, se não empatar, perde.
Aceitava todos os desafios e enfrentava-os com coragem e valentia. Era um verdadeiro combatente temperado nas fileiras das Forças Armadas de Libertação de Angola.
Na sua humildade indisfarçável, desfiava amor ao jornalismo e amizade e lealdade para com os seus camaradas, a quem aptou chamar por “Granda Vingarista”. Brincava, sorria e circulava em todas a editorias. Seus desabafos eram feitos com sinceridade e apego aos superiores interesses da classe e da Nação. Zeloso, desconhecia espaços proibidos, intrigas, inimigos ou grupinhos. O seu único estandarte era o do Jornal de Angola. Era daqueles que arregaçavam as mangas todos os dias para pensarem o jornal e fazerem funcionar a rotativa. Dialogava, negociava, conciliava, perdoava e reconciliava e consolova.
Atencioso para os jovens jornalistas a quem prestava ajuda ao engatinhar nos leads do jornalismo, sua voz inundava a redacção ao relembrar os grandes nomes da música urbana de Angola: David Zé, Artur Adriano, Urbano de Castro e ultimamente a nova versão da música de Prado Paim “Zezé gui bekelé monami…”.
Com a sua morte, se calou a voz das nossas canções comuns que serviram de trilha sonora no compasso da marcha de todos os dias.
E tudo acabou! Ontem, José Cristóvão foi a enterrar no Cemitério da Santana. Directores, jornalistas, fotógrafos, paginadores, amigos e funcionários do Jornal marcaram presença. O inconformismo e a resignação se revejam num cenário onde o olhar perdido sobre o horizonte coberto de sepulcros, se acha prenhe do vazio difícil de preencher.
A nova campa recebe rosas, dálias, lírios e malmequeres. E ao refazer o caminho do regresso, deixando para trás o corpo inanimado do companheiro e amigo com quem se partilhou momentos agradáveis na Redacção, cada um experimenta um ambiente ainda mais pesaroso.
Enquanto uns partem para a casa do falecido, outros persistem incrédulos e ficam na entrada do cemitério a ruminar agradáveis lembranças. Talvez aguardam em vão pelo regresso do Cristovão-Camarada. Entre os protagonistas destaque para Kizunda, António Paulo, Honorato, Cruz, Tchitata, Cavumbo, Teixeira, Meireles. Salvador, Luisa, Cassoma… E no rescaldo do percurso profissional de José Cristóvão, o reiterar do reconhecimento das suas qualidade humanas e profissionais: Granda Homem!
No dia em que o editor José Cristóvão foi a enterrar eis que um outro infortúnio bate novamente a porta do Jornal: morre o fotógrafo Pedro Salvador. Mais dor, mais lágrimas, mais lembranças! E perto das 13 horas, ocorre a dispersão do grupo. Um longo suspiro antecede a partida. A vida nos reserva muitas surpresas! E a imagem de Cristóvão e a de Salvador ficam congeladas na memória como películas delicadas de um evento inesquecível.
Adeus camaradas! E obrigado pela vossa amizade e generosidade!


LEGENDA DA IMAGEM:
José Cristovão (3º a contar da direita para a esquerda), no município do Wako Kungo, Kwanza Sul, acompanhado pelo brasileiro Raimundo Lima, Augusto Alfredo, um câmara da TPA e quadros de nacionalidade israelita que trabalham no Projecto Aldeia Nova. À foto é do jornalista Cândido Bessa.

1 comentário:

Nguvulu Makatuka disse...

Sem palavras... sem comentários. "GRANDA VIGARISTA!!!" Apanhou toda a gente distraída. Do modo como o Cristóvão passava a vida a brincar, até parecia que nunca tinha problemas.
Estamos juntos