domingo, 20 de julho de 2008

O assobio de Teta Lando

Aos primeiros acordes, o silêncio desce sobre o relvado do Estádio da Cidadela e logo depois explode em estonteantes aplausos, que ensurdecem a plateia. Na sinfonia, a voz suave brota calmamente entre os instrumentos e hipnotiza a audiência.«Domingo vou fazer um funge,Como fazia aquele velho na SanzalaA sombra da mulemba vai ser a sala na sanzala…»O sol se escondia no horizonte com seus lilases e alongava a sombra dos edifícios sobre o cenário. Sob o dedilhar dos fios do violão, o coração estremece de amor convertido em canção.«Eu vou fazer um Semba para dedicar à LembaVai ter Ungo e QuissangeVai ter Marimba de MalangePara encontrar a harmonia…»Era Alberto Teta Lando! As lágrimas e os apalusos salpicaram toda a sua actuação no Fenacult. Estávamos no ano de 1989. Jamais me esqueci daquele momento!Emocionado, apertei contra o peito a arma AKM que transportava e chorei. A Cidadela estava engalanada. Não havia espaços vazios nem pausas na torrente de emoção. Tudo era cor e alegria. Era um ambiente transcendêncial.Como aluno da Escola Político-Militar Comandante Jika, em Luanda, havia acabado de participar na apresentação de quadros humanos. Foram três meses de ensaios orientados por uma instrutora coreana. Ainda me lembro!...O Fenacult ocorre meses depois do fracassado Acordo de Gbadolite, que teve lugar em Junho de 1989, na República do Zaire, sob mediação do presidente Mobutu Sese Seko.A guerra fratricida voltava a traçar o seu rasto de dor e sofrimento! A alegria vespertina havia se transformado em tragédia. Em cada coração o sabor acre da desilusão.Feito arauto, Teta Lando chega exactamente nesse momento em que a nação, cansada de anos de conflitos, se esforçava para estender a ponte para a paz e a concórdia entre os irmãos desavindos.Portanto, era simplesmente irresistível a mensagem que Teta Lando trazia no seu regresso ao País, depois de vários anos de exílio em França. Ele chegou na hora certa e abriu-se para o amplexo abraço.«Vamos falar da terra,Vamos esquecer a guerra,Vamos ter uma só voz,Vamos ficar entre nós,No meu funge de Domingo,Avó Marica vai gostarAvó Ximinha até vai chora,Por nos ver juntos a conversar…
Os nossos velhos vão gostar, vão gostar…
As nossas mulheres vão deixar de chorar
As nossas crianças vão gostar, vão sorrir…
Os nossos mortos vão compreender então,
Porque morreram afinal…
A esperança vai voltar»A canção entrou pelos ouvidos e inundou os corações, animando a cadência da nossa marcha. E a profecia de Teta Lando se concretizava dois anos depois em Bicesse, Portugal.Ele cantou a saudade e prometeu voltar. E voltou para dar seu quinhão na reconstrução do país! Porque tinha a consciência de que todos éramos poucos para as tarefas ingentes de se criar o bem-estar social dos angolanos. As dificuldades de reconstruir um país dilacerado profundamente pelo conflito são imensas, mas é preciso arregaçar as mangas para a luta de todos os dias.«Angolano segue em frente o seu caminho é só um.Esse caminho é difícil, mas trar-te-á a liberdade»Para vencer as agruras do caminho, é preciso caminhar com amor, daí a necessidade de cada angolano amar o seu irmão. O amor supera qualquer dificuldade.No caminho para a modernidade, a identidade africana deve ser tida sempre como factor crucial que dá suporte ao projecto de desenvolvimento de qualquer nação. A cultura funciona como os faróis para a navegação. É a referência na assumpção da nossa verdadeira personalidade enquanto africanos. «Você é africana tem beleza natural, vai mostrar para todo mundo que essa tua carapinha é o acabamento de uma obra sem igual».Teta Lando deixa-nos a poucos dias da realização das segundas eleições legislativas marcadas para 5 de Setembro de 2008. Com certeza, o assobio de Teta Lando vai marcar o nosso compasso no labor de fazer de Angola um país melhor para ser viver!Por isso, mais do que chorar a dor da ausência, guardemos pois as lições que ele nos legou.«Angolano ame o seu irmão!A palavra de ordem é união»

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