sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Optimismo da Esperança


Algures, o Mundo espreguiçava-se no leito para o esforço de um novo dia e tão logo como abelhas se lançarão de mangas arregaçadas ao labor em busca do pólen da vida, suando na ânsia de se alcançar o sonho de felicidade. Esta felicidade dos homens, que o modernista brasileiro Oswald de Andrade, considerou como sendo uma felicidade carniceira, pois a última coisa que sobrava no cadáver era o dente. A felicidade, todos nós queremos! E é por ela que se batem em renhidas disputas indivíduos, povos e nações inteiras.
Aqui Wandalika, incrédulo, na esguelha das suas lembranças vespertinas, o raiar do sol encaminhava-lhe para um novo destino. Murmúrios de vozes brotam do seio de uma multidão espremida à saída do quintal de portão rudimentar para verem passar o carro que o transportava.
Em silêncio e com o olhar ainda fortemente marcado pelas mazelas da surpresa, lá estava ele ensardinhado entre dois varões. Um uá-ué desabrocha e perpassa a multidão angustiada desfazendo-se em lágrimas. Mas ficam apenas no gemido resignado. Condoíam-se com a sorte alheia, porém muito pouco ou nada tinham para contrariar a torrente do destino.
Como ovelhas submissas viviam suas vidas lineares sem grandes ambições, nem cobranças, palmilhando os mesmos caminhos, encruzilhadas e prazeres da infância com os mesmos pés descalços, que resmungavam aos espinhos e colisões contra as pedras do trajecto.
Era o sentimento comum de gente simples, de bairros também simples, criados na periferia das cidades, oscilando errante entre a modernidade e tradição. Aí a notícia chegava calma, descia a encosta e perdurava além das 24 horas, num cenário que o relógio tinha pouca serventia. Tinham o Rei-Sol como guia. Não viviam apressados, aflitos, ofegantes, como se o Fim do Mundo estivesse a poucas horas. 
Apesar do vendaval urbano que sopra persistente despenteando o capim da floresta do vale, eles ainda zelosos, cultivavam valores como a obediência, a humildade, a honestidade e o amor ao próximo. A alegria repousava no partilhar com equidade o pouco que se tinha e, assim, se diziam felizes, pelo menos compreendiam na devida dimensão que riso à solo podia ser o limiar da demência.
Na sua lhaneza, os dias tinham todos o mesmo colorido do pôr-do-sol com seus lilases e perfumes de flores silvestres, embriagando a tela da vida com a sua magia.
Ao anoitecer, depois do jantar, ao luar brincavam e cantavam e contavam as suas estórias procurando costurar o sentido da vida. Não falavam do Patinho Feio vindo da Europa. Para eles, esta estória dos brancos era triste. Pois como aceitar que um patinho só por ter nascido feio fosse excluído do seio da sua família sendo obrigado a refugiar-se. Eles não pensavam assim. Se fosse assim, talvez as aldeias estivessem vazias, mas não. Cimentavam a harmonia e a concórdia como ingredientes para a solidificação das suas comunidades. A Estória do Patinho Feio é uma lição flagrante de exclusão, que não deve ser apreendida pelas suas crianças, que desejam felizes e fortes na solidariedade.
Felicidade!... Os anos iniciavam e terminavam, deixando atrás de si lembranças boas e más ou rugas da longa espera por um dia de sonho. Mas tinham esperança. A tal esperança que é a última que perece no confronto renhido pela sobrevivência.
A esperança do náufrago por uma folha ou tronco ainda que minúsculo que flutue sobre as águas tempestuosas do rio. A esperança do moribundo pelo milagre para reverter o quadro clínico definido pelo médico como altamente reservado, quando os gestos dos enfermeiros traduzem o vazio da espera vaga por algo que supere as suas capacidades sempre limitadas.
- Nem sei se acordará amanhã.
Mas, contra todos os prognósticos e diagnósticos, dia seguinte, o paciente, não só continua vivo, mar soergue-se trôpego da cama para ir ao banheiro e no seu regresso pede água para humedecer a garganta e sopa para reabrir o caminho dos alimentos. A esperança pela promessa ainda promessa.
Esperança-fé. Esperança, mola que impulsiona energias e vontades para se alcançar a meta. A esperança pelo amor que nos faça depois do altar definitivamente livres-felizes e remova do escaninho da memória as placas de lembranças e frustrações feitas paradigma do reiterar dos anos. Para ele Wandalika, não havia desespero pois este estava fixado no limite além espera.
E lembra-se da sua Esperança. E nesse instante, o seu rosto triste é iluminado por um morno sorriso. A Esperança, alta, andar senhorial, era uma moça bonita nos seus 18 anos, exalando perfume de sua beleza e juventude nos caminhos da aldeia. Atrás de si a cobiça fazia brotar da mente comentário miúdo de adultos envelhecidos pelo passar dos cacimbos. Nos jogos de cabra-cega, garrafinha ou de banana-verde era incansável, corria, driblava sem perder equilíbrio, feita flecha atirada certeira para o alvo. Usava duas tranças na cabeça arredondada, vulgo tranças bailundo. Nela, cabeça, corpo, olhos, lábios, nariz e voz. Tudo era harmónica despertando suspiros de antropófagos.
Wandalika, descarregou num suspiro todo o seu desgosto. Lá estava ele olhando através da janela do velho Corolla uma miscelânea de rostos de olhares terrosos, cabelos multicolores e gestos e mímicas. Confuso, não acenou, deixou-se ficar quieto entre os seus algozes.
E seguiram viagem em direcção à Baixa de Luanda. O homem que ia ao lado do condutor olhava frequentemente para trás, enquanto andava de um lado para o outro com o sintonizador do rádio receptor. Os demais mascavam de forma ruidosa uma mistura de raízes e folhas de Santamaria na ânsia de afugentar os maus espíritos.
Durante alguns instantes uma música suave invadiu os seus ouvidos, mas depois saltou para uma outra rádio. Não demorou-se. Talvez pela baixa qualidade sonora e dos seus programas. Era Para-Lamentar! Devia estar em quarentena durante algum período até melhorar a qualidade da sua grelha. Logo o homem mudou de frequência e, pela primeira vez, estavam de acordo.
RÁDIO3: Um correspondente falava de camiões atolados na lama da estrada no Kuando Kubango. As chuvas que se abateram no sul de Angola abriram ravinas e cortaram a circulação rodoviária. Um grito aflito temendo a deterioração das mercadorias do Natal. Tinham esperança…
- RÁDIO4. Falava da preparação dos Palancas para o CAN da África do Sul. A Esperança é chegar o mais longe possível. Por que não às meias-finais?
RÁDIO5- Abordava aspectos relacionados com a economia do país. A agricultura, pecuária e indústria, crédito à economia, agricultores do fim-de-semana. Irrigação! Ordenamento do território. O Vector da economia! Que já devia ganhar prémio nacional de jornalismo pelo contributo que tem dado para a reflexão sobre as questões do desenvolvimento do país. A esperança é viúva, é última que morre!
RADIO6- Tudo está atoa no trânsito da grande metrópole. Inquilinos de bairros dormitórios vêem-se aflitos para chegar ao centro da cidade. Essa é sua rotina. De manhã, descem aturando longo engarrafamento e à tarde idem. O custo do engarrafamento não entra nas estatísticas, mas é alto. Milhões de litros de combustíveis consumidos num trajecto de 30 quilómetros. E o custos com o stress e suas doenças derivadas? E a baixa produtividade? E o mau-humor? E os conflitos domésticos?
RADIO7- Diz-se de Escola, mas concebida para servir de laboratório para os alunos de jornalismo, no viés do projecto, virou rádio comercial. Os cursos de rádio, Tv e de jornalismo, que até tinham muita audiência e importância, jamais foram leccionados. Cefojor é simples sigla na memória como Dinaprop, Econdipa, Empa, Egrosbind, Egrosbal…
RADIO8- Era o de Línguas Nacionais. A língua é um instrumento importante para a preservação da identidade de um povo, mas cada dia que passa o número de falantes cai perigosamente para o vazio. A força da língua está no perfil dos falantes. Língua apenas falada por velhos, pobres e analfabetos está moribunda. A Faculdade ensina língua nacionais, mas quantos estudantes aprenderam comunicar-se de facto. É só para passar de classe. Ainda que aprendessem, onde iriam poder exercitar? Na Rua?... No serviço?… O preconceito ainda reina. Nenhuma telenovela Nacional tem um personagem que se exprima em língua nacional. Só na Radionovela Camatondo! Que valores nacionais se quer preservar?
Naquele momento, o carro que transportava Wandalika atinge finalmente a Maria Pia. Pensou que o internariam, mas não. Ficou triste, pois pelo menos terminaria a incerteza, o suspense. 
Desceram a Avenida 1º Congresso, admirou as novas construções com vidros reluzentes e os vários guindaste q     eu se disseminavam pela baixa luandense e arredores. E ficou feliz. Depois, ao passar no Cine Nacional, lembrou-se dos velhos tempos. Henrik Ibsen era a sua paixão. E jamais se esqueceu da peça “Um inimigo do povo”. Lembra-se que depois de ter sido escolhida pelo seu Grupo, ela não foi encenada por falta de actores à altura do texto dramático. Teatro tem de contar com bons actores. Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro, dizia Garcia Lorca. E ele sorri. Olharam-no, assustados.
Atingem a Marginal e rapidamente chegam ao Porto, encaminhando-se para o bairro Boa Vista. Poeiras mil! Havia um grande engarrafamento. A estrada que sai de um dos portos comerciais mais importantes do Continente africano, que movimenta milhões de dólares em mercadorias por dia, está altamente degradada. Camiões com contentores circulam com dificuldade e os acidentes fazem rotina. As construções desceram o morro e invadiram a antiga estrada.
- Chefe, vão me levar pra onde?
- Você não é pessoa, não tem direito à palavra!...
- Eu então não fiz nada! Estão a me levar na penitenciária por que?...
- Cala essa boca, Kazumbi!... Vou te levar na igreja
- Pai, não me faz isso, faz favor. Vão me matar!...