Prezados
membros do corpo Docente!
Prezado
Editor da Mayamba, Dr. Arlindo Isabel!
Estimados
estudantes!
Queridos
amigos!
Minhas
senhoras e meus senhores!
Depois de mais de dois anos
de várias tentativas, finalmente tenho a alegria de lançar em Angola, a obra “AVENTURA DE UM ESTUDANTE ANGOLANO NO ESTRANGEIRO. Crónicas de uma viagem ao desconhecido”.
Como estamos entre
sociólogos, creio que para melhor entender a obra do autor, nada melhor que
fazer uma incursão, ainda que breve, ao seu mundo, à sua origem e ao conjunto
de eventos históricos que marcaram a sua vida. Ou seja, rever o universo de ícones
e símbolos que povoam o seu subconsciente.
Chamo-me Augusto Alfredo
Lourenço, tenho 49 anos de idade, e sou natural da localidade do Pange,
município do Amboim, província do Kwanza Sul. Meu pai é Alfredo Lourenço,
carpinteiro, agricultor, caçador e mais tarde motorista da ETP. Recorde-se que
meu pai apenas sabia assinar o nome, mas depois que a caça se tornou
impraticável, e porque no mato havia outros caçadores que caçavam homens, ele
decidiu ser motorista. Como um homem analfabeto conseguiu obter cartas de
Condução?
Como os meus irmãos já
haviam partido para a guerra, foi a mim que coube a tarefa de ler para si os
textos do código de estrada e de mecânica. No fim de meses ele decorou-os do
princípio ao fim.
Minha mãe chamava-se
Conceição Francisco Durí, doméstica. Ambos são naturais da localidade da
Gangula, Novo Redondo, hoje Sumbe.
O Pange, meu berço, é um
bairro cercado por um cordão de montanhas de pedra e coberto do verde das
palmeiras e das mulembeiras. O Mazungue dá ao cenário o toque de sua magia, que
só os rios conseguem transmitir à paisagem verde. Foi nesse ambiente bonançoso
que me fiz homem.
Nasci e cresci nas
cercanias das fazendas cafeícolas do Mário & Cunha, CADA-Boa Entrada e
Marques & Seixas e cedo vi os contratados a trabalhar com as suas catanas e
enxadas. Cedo também vi os capatazes a gritarem e a chicotearem os
trabalhadores da fazenda. Cedo acompanhei as canções de trabalho dos
contratados, que como bálsamo procuravam atenuar a dor da violência. Na minha
visão, deste lado, na aldeia, estava a liberdade, e do outro lado, na fazenda,
a opressão.
Um dia perguntei ao meu
pai por que razão os contratados sofriam tanto, mas não conseguiam reagir e
apenas cantavam. Meu pai disse que no cantar estava a sua resistência.
Então fiquei mais
curioso. Fiquei mais atento. E hoje ainda me lembro das canções que eles mais
cantavam. “KAPALANDADA WA LILA…”
Rezava todos as noites, até
que certo dia, ao voltar da escola encontrei dois homens que haviam fugido da
fazenda Mário & Cunha. Disseram que, após vários anos ao serviço dos
colonos, não suportavam mais a dor do sofrimento e da humilhação.
Meu pai recebeu-os e
passaram a morar lá em casa. Eu fiquei feliz, porque agora tinha ganho dois
novos amigos e todas as noites ouvia deles estórias de terras longínquas do
planalto Central.
Maurício Ernesto Kaesse e
Tchiwangula tornaram-se nos meus melhores amigos. Íamos às lavras e almoçávamos
juntos e ao regressar tomávamos banho no rio Mazungue, livrando-nos da poeira e
do cansaço da lavoura.
Após 25 de Abril,
festejamos juntos o fim do regime facista de Salazar e Caetano e igualmente
juntos acompanhamos o hastear da nova bandeira da Angola Independente. Nunca os
tinha visto tão felizes.
Construíram as suas casas
ao lado da nossa, casaram-se e permaneceram até a década de 90, quando já
velhinhos acabaram por morrer.
Nessa altura, eu já lá
não estava, pois havia ingressado na FAPLA. Mesmo longe da minha aldeia, eu
ainda ouvia as suas estórias e as canções de contratados que trabalhavam no cafezal.
Conheço a dor e o
sofrimento. O amor que anima o compasso da vida. A esperança e a fé no amanhã.
É tudo isso que nos move todas as manhãs ao acordar para mais um dia.
E mesmo no quartel, nos
momentos mais difíceis em que a pátria se viu ameaçada, procuramos forças no
sentimento sublime que nos unia e identificava como filhos da mesma pátria.
Ao escrever esse livro, moveu-nos
um único sentimento: o de partilhar com generosidade vivências e experiências
acumuladas durante os quatro anos do curso no Brasil.
A literatura, com disse
Roland Barthes na sua aula inaugural realizada no colégio de Paris, é o único
espaço onde é possível agir com liberdade. Pois, nem na linguagem tal era
possível já que esta é fascista, não pelo que ela dizia, mas pelo que ela
obrigava a dizer.
A criação literária é uma
forma de exercício da liberdade, basta ver que o impulso para o acto criador é
inusitado.
Senão vejamos: a 3 de
Maio de 1988, na noite em que acabava de imprimir o trabalho de fim do curso de
graduação em Comunicação Social, recebi a notícia da morte por atropelamento da
minha primogénita Edna. Estava na sala de aulas, quando a informação sobre a
desgraça chegou. Apenas três meses depois consegui angariar dinheiro para poder
viajar para o óbito.
Uma das lembranças que
guardava com zelo era uma carta que Edna me havia enviado pouco antes de ser
atropelado por um camião no mercado de Artesanato do Bairro Benfica, em Luanda.
Passado 4 anos, quando
trocava os documentos da carteira, a esposa, ao ver o seu estado de conservação
da referida carta, quis saber por quanto tempo ainda iria guardar a carta. Não
respondi. E durante quatro noites consecutivas fiquei a cogitar em como
preservar e partilhar a carta com os meus amigos e familiares. Foi assim que
iniciei a escrever a história que vós tendes a oportunidade de ler hoje em
forma de livro.
Obrigado Edna, por tudo.
Pelo seu amor e carinho.
Obrigado à esposa, pelo
incentivo involuntário.
Minhas senhoras e meus
senhores!
Eis a obra escrita com a
alegria e também com muitas lágrimas.
Todos que um dia foram
estudantes no estrangeiro, ao ler estas páginas da “Aventura de Um estudante
Angolano no Estrangeiro“ irão com certeza encontrar laços de identidade e de
projecção com as cenas e os personagens que costuram o enredo.
E para aqueles que serão
um dia bolseiros, as lições ou o aprendizado que colherão da leitura,
servir-vos-á de bússola orientadora no caminho da busca de conhecimentos
técnicos e científicos indispensáveis para o desenvolvimento do nosso país.
Agradeço o Comando da
Marinha, pelo apoio prestado na edição!
Ao Arlindo Isabel, pela rapidez
com que aceitou e aprontou o livro.
À Drª Márcia Falabella,
pelo carinho e por ter aceite prefaciar o livro.
Aos meus professores e
colegas da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora,
pela amizade e compreensão. Ao povo brasileiro, pela solidariedade.
A todos os presentes, reitero
o meu muito obrigado pelo carinho da vossa audiência!
Faço
votos de uma boa leitura !
Obrigado!
OBS. Palavras proferidas pelo autor dia 13 de Setembro de 2012, no auditório da Faculdade de Ciências Sociais, em , Luanda, durante as jornadas do curso de Sociologia.