segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Razões do optimismo angolano

Dia 31 de Dezembro de 2003, depois do balanço feito pelo governador do Banco Nacional de Angola, Amadeu Maurício, e impulsionado pelo entusiasmo manifestado durante a cerimónia de fim de ano, corri a procura do barbeiro. Pois, não queria transitar de ano com o mesmo visual, deteriorado pelos estragos de uma calvície que não indícia nem fortuna nem feitiço.
Contrariamente ao optimismo de Amadeu Maurício, o meu barbeiro mostrou-se pessimista. Referiu-se com cepticismo às medidas do Governo que levaram a queda da inflação acumulada de mais de 100%, em 2002, para cerca de 72%, em 2003.
Para ele, os poucos ganhos ora tidos como “históricos” iriam perder-se: a inflação vai descolar e com ela o custo de vida. Será, em sua perspectiva, o fim do sonho de estabilização.
O Deputado da UNITA Maluca, que na altura procurava também amparar o que sobrara da careca, murmurou algo que tinha a ver com a aprovação pela Assembleia Nacional da injecção de notas de maior valor facial. – Eles querem assim, tentamos mas...
Refugiei-me no silêncio. Terminado o corte, dei a última olhada no espelho e paguei o serviço com duas notas de 100 kwanzas. Depois perguntei qual era o valor praticado no início do ano de 2003. – 200 Kwanzas! não aumentamos nada, - adiantou o barbeiro.
- Então, de alguma forma as medidas do Governo tiveram efeito positivo na vida do cidadão. O mercado monetário e cambial funcionou melhor e houve maior estabilização do índice geral de preços. A taxa de câmbio estabilou-se. O pão sofreu ínfimo incremento. O pão burro, quase que saiu de circulação. Os preços da fuba, do peixe, da quizaca continuam os mesmos. Nos supermercados já vemos produtos de produção nacional. Passou para a história o tempo em que consumiamos tomate importado. O Kwanza valorizou-se.
O Cartão Multicaixa já funciona, pelo menos em Luanda! O sistema financeiro começa a organizar-se. O cidadão pode obter crédito junto dos bancos. O crédito bancário timidamente começa a fazer parte do quotidiano do cidadão comum. Comprar tudo a pronto pagamento, indicia alguma anormalidade! No mundo afora até uma caneta de 10 dólares pode ser paga em prestações. Aqui compra-se carro só com o dinheiro na mão... por isso a solução tem sido as quixiquilas! Nunca houve tanto jogo da sorte em Angola! Os juros ainda são altos, mas esse é um outro desafio.
Mas 2003 pode ser considerado sim, um ano histórico. De Janeiro a Setembro Angola exportou um total de 224 milhões 109 mil e 612 barris de petróleo, cujo preço médio foi avaliado em 6 biliões 252 milhões 172 mil e 76 dólares e 20 cêntimos. As receitas diamantíferas atingiram os 800 milhões de dólares. Mas não foi só em petróleo e diamantes. Houve esforços em vários sectores. O país transformou-se num verdadeiro canteiro de obras. Construção agita o mercado. A indústria de rochas ornamentais e a madeireira procuram animar-se. Apela-se ao controlo rigoroso das receitas e a maior transparência nas gestão dos recursos públicos!
As potencialidades turísticas atraíram para o país mais de 90 mil visitantes. O número de investidores cresceu. Todos procuram aproveitar a oportunidade imperdível. Agência Nacional de investimentos foi criada para agilizar o processo de investimento. Guiché Único vai diminuir as queixas sobre a burocracia. A rede comercial começa a estender-se às mais variadas localidades. As cantinas e botequins voltam aos bairros. É o início do fim do comércio informal.
A circulação rodoviária começa a tranquilizar-se com a reconstrução de algumas pontes e a reabilitação de alguma vias primárias e secundárias. Sumbe não tem ainda telefonia celular, mas foi uma das primeiras a ganhar a preferência dos autocarros da Macon.
Viajar hoje no trajecto Luanda-Sumbe é mais cómodo e seguro. Nada de correrias diabólicas, que quase sempre terminam em tragédia!
Por outro, tem que se pensar na construção de rodoviárias. Por exemplo, Luanda deve ter um centro rodoviário; ponto de partida e de chegada de todos os autocarros que circulam pelo país.
Não se pode pensar, por exemplo, em incentivar o turismo interno com a Macon a disputar com os candongueiros os passageiros no mercado do Rocha Pinto; ou com aeroportos domésticos no estado em que se encontram.
Já foi ao aeroporto doméstico de Luanda? Se as condições de Luanda são as que assitimos, então o que dizer do Saurimo e do KK?
Em 2003, o alarme veio da fauna: vamos importar carapau e a Palanca Negra não foi ainda encontrada no Parque da Cangandala. Sobre as Pescas falta fiscalização: há cerca de 4 anos, quando uma manchete desse Jornal dava conta do risco de extinção do camarão e de outras espécies marinhas, foi prontamente desmentida pela fonte (Ministério das Pescas). Afinal quem tinha razão? Agora soou a sirene!
A telefonia cobre cada vez melhor o país, pena que a qualidade caiu de mau para péssimo. Com duas operadoras apenas, fica difícil escolher qual delas é a melhorzinha. Optar é um exercício de autoflagelamento.
Energia piscou e a água pingou, em 2003. No entanto, mais de 100 milhões foram pelo ralo. Sem o fornecimento regular destes dois produtos fica difícil pensar em grandes projectos industriais. Aliás, depois da paz e a aprovação da Nova Lei sobre investimentos Privados, os investidores têm isso como condição básica.
Agora maior esperança está voltada para a barragem de Capanda.
Com Capanda a operar, ocorrerá uma grande revolução. Vai permitir a reindustrialização do país, o aumento de postos de trabalhos e a diminuição do desemprego, a iluminação dos bairros e o aumento do patrulhamento policial. Aumento do número de estabelecimentos de ensino dando aulas no período nocturno, da circulação de autocarros a noite, aumento do aproveitamento dos alunos, pois terão condições para revisar as matérias a noite, enfim, da oferta de bens e serviços, a diminuição da mortalidade e dos incêndios por vela esquecida no colchão ou por explosão do candeeiro a petróleo. Teremos mais estações de serviço... e espaços de lazer!
Quem vive da venda de velas, candeeiros, geradores, pilhas, lanternas, arcas frigoríficas verá, decerto, o facturamento a minguar.
TENHO OU NÃO RAZÃO PARA SER OPTIMISTA EM 2004?
2004: produção, transparência e controlo!


OBS. Texto publicado em Dezembro de 2003 no Jornal de Angola sob o título "Razões do Optimismo Angolano em 2004".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Justificação

Estimados internautas!

Queiram desculpar-me pela baixa assiduidade. Aconteceram várias coisas que mexeram com as margens da vida. Da Samba, hoje moro no bairro Zango-1, município de Viana. Somado ao engarramento do trânsito, a casa onde moro não possui energia eléctrica e o sinal da Internet(Movinet) é muito deficiente.

Aceitam a justificação? ... OK! Espero por 2010 para normalizar o sono e o sonho!

Bye, bye!

MEMÓRIAS DO GUERRILHEIRO “KUMBI DIEZABU”


São 14 horas e 45 minutos. Cai chuva miudinha lá fora. Uma chuva fina, mas persistente. No interior da vivenda do velho guerrilheiro, situado no Bairro Prenda, em Luanda, a vida estacionou na berma da estrada.
O tempo encalhou nas pedras do caminho. Na parede frontal da sala um relógio. Os ponteiros marcam 11 horas, talvez 23 horas. Num outro, à direita, são 17 horas e cinco minutos. Serão já 5 horas e 5 minutos da manhã? Uma diferença de fusos horários que só passageiros assíduos frequentadores de aeroportos e rodoviárias encaram com friesa. Onde estamos? Luanda-Lisboa-Rio ou Nova Iorque? Qual dos relógios está certo?
A espera é salpicada de ansiedade. As cortinas se abrem e o guerrilheiro apoiado sobre uma moleta canadiana esboça um sorriso difícil de decifrar. Veste um fato castanho e gravata bonita.
Artur Vidal Gomes “Kumbi Diezabu” poisa o olhar húmido sobre as peças de artesanato que ornamentam a sala. Na memória, lembranças indeléveis de um passado que faz do presente seu refém.
“Kumbi Diezabu” traduzido para português, quer dizer “o dia esperado chegou”. Efectivamente “Kumbi Diezabu”, porque foi difícil localizá-lo em Luanda. Conhecera-o em 1980, no Sumbe. Na altura, era director do complexo agro-pecuário da Cela-Wako Kungo, Kwanza Sul. Ele usava botas de cano alto parecia personagem de um filme. Baixo e forte, se não fosse a trombose que o fragilizara e o deixara incapaz de se movimentar sem moletas e a dificuldade visível em pronunciar as palavras, diría-se que Diezabu não mudou muito nos últimos anos. Talvez por isso tenha sido fácil reconhecê-lo. Mantém os fartos cabelos jimi e a mesma barba cercando o rosto. Só que agora os cabelos brancos devoram os negros, como o deserto que avança sobre a floresta.
No rosto largo, sobressaem dois pontinhos luminosos e eloquentes. São estes, que na companhia das mãos e da mímica dos lábios, completam o discurso oral entrecortado por momentâneos silêncios. A esposa zelosa ajuda a descodificar as imprecisões dos signos. A comunicação se estabelece. Atordoados, os visitantes viajam no balão de recordações de “Kumbi Diezabu”.
“Kumbi Diezabu”nasceu aos 7 de Abril de 1942 na aldeia de Kagi-Mazumbu-Nambuangongo. Órfão de pai, aos 10 anos é arrancado da escola e vendido ao proprietário de fazendas de café, Zeca Faria e mais tarde ao fazendeiro José Eduardo dos Santos, dono da roça “Santa Euláli”
Aos 19 anos, desejoso de lutar contra o colonialismo português, depois da eclosão do 15 de Março, ingressa no MPLA, representado na área pelo comandante João Gonçalves Benedito. Participou em vários combates em Nambuangongo, Ukua e Dembos.
A 9 de Agosto de 1961, depois da expedição colonialista ter desarticulado as posições guerrilheiras no Kikabu e Luika, apoderam-se da localidade de Mukondo, dando início à ocupação efectiva de Nambuangongo, em 10 de Setembro de 1961.
Na madrugada desse mesmo dia, Artur Vidal Gomes, na altura usando como pseudónimo “Vingador Justiceiro” toma parte na tentativa dos nacionalistas reconquistarem a localidade. As tropas coloniais entrincheiradas na igreja, aniquilaram metade do efectivo dos atacantes, graças a ajuda de armadilhas, electrocucção bem como de bombardeamento de canhões e metralhadoras de 12,7 milímetros.
Com 19 anos de idade “Vingador Justiceiro”, é eleito pelo conselho de anciãos do Kagi para substituir o comandante Benedito, que havia partido para Leopoldiville, hoje República do Congo, com intenção de contactar a direcção do MPLA e aí abastecer-se de armas e munições.
A situação degradava-se a cada dia, no entanto os nacionalistas faziam tudo para contrariar os ocupacionistas. Já sob comando de Vingador Justiceiro reuniram armas rudimentares do tipo kaniangulo e alimentação para continuarem o combate de guerrilha que eles desconheciam na essência.
A 1 de Março de 1963, Vingador Justiceiro parte para Leopoldiille, onde prosseguiu com a sua actividade militante, mobilizando refugiados angolanos para a causa da libertação. Na sequência foi várias vezes preso pelos gendarmes, polícia hostil ao MPLA.
Um ano mais tarde, frequenta o primeiro curso militar na antiga União Soviética. Em Outubro 1967 regressa ao continente africano e é colocado como responsável do campo militar da Organização de Unidade Africana(OUA, em Kongwa-Dodoma Tanzânia, destinada aos movimentos de libertação africanos. Depois recebe ordens para seguir para o interior na companhia de todo efectivo que aí se encontrava.
“Kumbi Diezabu” foi, em 1968, instrutor militar do Centro de Instrução Revolucionária Mandume II-ZA terceira região do MPLA, Moxico.
Liderou a abertura da IV região Político Militar em Maio de 1968, (Que compreende as províncias da Lunda e Malanje) e lhe é atribuído a categoria de comandante da Zona Certeza. Mais tarde chegou a ocupar o cargo de Chefe das operações e do reconhecimento do Comando dessa região. Com a morte do comandante da IV Região Joaquim João Cardoso e do seu chefe logístico, Henrique Leonardo Gama Gil ´Liberdade”, a 21 de Maio de 1969, “Kumbi Diezabu” é nomeado comissário político e interinamente comandante da região.
Em 1970, vai para Tanzânia e ocupa-se do campo de treinos em Mgagao-Iringa com ajuda de instrutores chineses.
Posteriormente fez o curso médio de veterinária, na Roménia. Participou do Congresso de Lusaka, em 1974. Em 1976, foi nomeado director provincial da agricultura da Huíla. Em 1977, assumiu a direcção da Empresa de Produção Suína- Enasu-UEE. De 4 a 10 de Dezembro foi delegado ao I Congresso do MPLA.
Trabalhou ainda como director da Empresa de Avicultura, responsável da pecuária do Complexo agrário do Luinga, Kamabatela, director do complexo da Cela, Kwanzas-Sul.
Durante o II Congresso do MPLA-PT realizado em Dezembro de 1980, é eleito membro efectivo do Comité Central, concomitantemente deputado a Assembleia do Povo e membro da sua comisão permanente.
Em Março de 1980, é nomeado por despacho presidencial ao cargo de ministro da Agricultura função que exerceu até Dezembro de 1983. De Fevereiro de 1984 até Julho de 1987, foi comissário Provincial do Zaire.
Depois daí, jamais o velho guerrelheiro encontrou tranquilidade. Deixou de sorrir. Desempregado e sem outra fonte de renda, não viu outra alternativa para sustentar o seu agregado composto por sete filhos e mais 11 familiares senão transformar-se em condutor de táxi. Como não há males que venham só, o antigo ministro de Agricultura recebeu ordem de despejo da casa, onde morava, no Bairro Alvalade.
Pausa. Desvia o olhar. Esfrega as vistas com as costas da mão, para camuflar uma lágrima teimosa. Suspira. E teimosamente tenta desfiar o rosário de suas lembranças. Mas soçobra. Ergue-se lentamente, mas muito lentamente e com os olhos fixos no tecto. Leva a mão esquerda ao peito, bem por cima do coração: Deus sabe, onde errei! “Kumbi Diezabu”.
A entrevista termina! O ex-ministro acompanha a reportagem até à porta. No quintal, o ar fresco da chuva reanima os ânimos. “A Luta Continua!”, diz Diezabu em jeito de despedida.
Na garagem apenas um gerador pequeno. Não há vestígios da presença de automóveis. A esposa, Fernanda Luisa Gomes, que trabalha no Comité da OMA, pede uma boleia ao carro do Jornal.
A casa de “Kumbi Diezabu” era a única que não tinha seguranças. Na do lado esquerdo, havia dois homens fardados e na de frente vários carros e um guarda à paisana. Olharam-nos desconfiados.
Ainda chovia, quando o carro partiu. E no vai e vem do limpa pára-brisas cada um procurou aconchegar a seu jeito as lembranças vespertinas. Kumbi Diezabu! Kumbi Diezabu! Kumbi Diezabu!



P.S- Texto publicado no Jornal de Angola em 2005, por altura das celebrações do aniversário do 4 de Fevereiro, dia do início da Luta Armada. O referido artigo está igualmente publicado no livro do autor denominado"Inquietações do Jornalismo".