terça-feira, 8 de setembro de 2009

Lições de um grupo de teatro de Minas Gerais

O teatro tem várias definições. Para Luigi Pirandello “teatro é acima de tudo espectáculo. Arte sim, mas vida também. Criação sim, mas duradoura não: momentânea”. Para Garcia Lorca, “teatro é o barômetro que marca a grandeza e a decadência de uma sociedade.”
Portanto, teatro é a própria vida. Teatro é a manifestação do homem com suas virtudes e defeitos, inquietações e conflitos. Em todas as definições das várias que existem, ressalta a preocupação do homem com o seu destino e com a relação que ele estabelece com o seu meio circundante, onde subjaze o conflitualidade. Por outro, a necessidade vital em querer comunicar uma mensagem através de uma densidade de signo icónicos (gesto, cenário, figurino, música, côr, voz, dança etc).
É uma arte voltada para o outrem. É uma arte através do qual o actor se doa ao próximo com generosidade. Um homem de carne e osso diante dum outro homem. O que torna uma arte colectiva, cujo pressuposto é a existência de uma narrativa, ou uma história para ser contada, um actor, que empresta o seu corpo e suas emoções ao personagem, e um público, que dá a sua cumplicidade ao jogo dramático. Estes são três factores fundamentais para que o espectáculo teatral aconteça.
A origem do teatro é longínqua no tempo, remonta desde os primórdios da espécie humana. Aliás, vem desde as sociedades primitivas o uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais, que controlavam todos os factos necessários a sobrevivência (fertilidade da terra, procriação, casa, sucesso nas batalhas e etc). Estas danças possuiam também carácter de exorcização dos maus espíritos, sublinhando a relação existente entre o sagrado e o profano no teatro.
Assim, o teatro na sua origem repousa em três fundamentos:
1. MITOLÓGICO, porque através dele contava-se o mito que encerra a origem da vida e das coisas. A luta do homem contra as forças sobrenaturais. Porque o mito define como deve ser. Conforme diz Leví-Strauss: “Um mito diz respeito, sempre a acontecimentos passados: antes da criação do Mundo”, revelando-se daí os paradigmas modelares para todos os ritos e actividades humanas, desde alimentação, casamento, trabalho, educação, arte, sabedoria etc. Portanto, conhecer o mito é aprender o segredo da origem das coisas, destaca Mircea Eliade. O mito dá sentido a existência das coisas.
2. RITUALÍSTICO: Esse domínio é manifestado através de canções e danças exaltando os deuses, a vida e rejuvenescimento do mito que está na sua origem. O mito que não é ritualizado, morre. A festa da Kianda, na Ilha de Luanda, por exemplo, se não for reactualizado o mito que esteve na base da sua criação, corre o risco de desaparecer, porque para as novas gerações ele estará despido de qualquer significado. Logo será banalizado.
3. LÚDICO: O homem é um jogador. Defende Johan Huizinga, o autor do livro- “Homo Ludens”. E o sentido de jogo manifesta-se em quase toda a sua actividade. Na guerra, na caça, na festa, na dança, na conquistas amorosas, (não só o recurso à densidade sígnica da linguagem não-verbal, mas também a simulação e a dissimulação).
Através do jogo a comunidade pode transmitir mensagens. É o caso do Mankala, jogo existente na África Central, no qual não é obrigatório haver um vencedor, prevalecendo a igualdade entre os participantes. Aliás, o número de grãos prevalece igual até ao fim. Contrariamente aos jogos euro-asiáticos, cuja regra obedece a uma situação hieráquica, o Mankala visa apenas a reciprocidade e o aprendizado através da observação.
Assim, com o desenvolvimento do domínio e conhecimento do homem em relação aos mistérios da natureza, o teatro repousando sobre os traços mitológicos e ritualísticos realça a característica educacional e didáctica. Aliás, existem sempre uma relação entre comunicação e a cultura. Nos conteúdos de um acto comunicacional entre um emissor e o receptor está presente o elemento cultural.
Por isso, nas lendas, contos e fábulas além da representação de vários seres(Deus dionísio, para os gregos e baco para os latinos), destaca-se a sua vocação didáctica. A moral da história. Portanto, o teatro é essencialmente educativo. Já que nas diversas manifestações, ainda que rústicas, onde o fenómeno teatral enquanto arte ainda não constitui preocupação, mesmo assim, nota-se já a proeminência da sua vocação de transmissor de conhecimentos acumulados ao longo de várias gerações para às mais jovens. Pode-se mesmo afirmar, que a dramatização é a forma mais antiga de educação que a humanidade já conheceu.
O teatro é uma arte essencialmente educativa. Educa não só o que está na plateia, que vai descodificando a multiplicidade de mensagens que são produzidas no palco, mas também educa o próprio actor que experimenta várias emoções na interpretação de diferentes personagens.

PROJECTO “O TEATRO VAI Á ESCOLA”

Sobre o “Projecto o teatro vai à escola”, do Grupo de Teatro do Centro de Estudos teatrais da Universidade Federal de Juiz de Fora-Minas Gerais- Brasil, cabe destacar primeiro a origem do grupo e a sua trajectória.
O Grupo foi criado por um grupo de estudantes universitários dentro do directório académico da Faculdade de Filosofia e Letra em 7 de Julho de 1966.
A trajectória do Grupo Divulgação ao longo desses trinta e nove anos de existência ininterrupta pode ser comparada a uma luta quixotesca por um ideal: a utopia da cidadania e da educação assistemática tendo por base o esteio da cultura. São os verdadeiros discípulos apaixonados de Brecht e o seu teatro didáctico. Comprometido em educar o homem para fazer a revolução. Através do seu teatro eles esperam que o espectador que entre na sala não deixe a cabeça na entrada, com o chapéu que fica no cabide, mas entre com ela para que possa sair do teatro com a consciência de poder contribuir para a transformação do mundo. Ou melhor, sai indignidado contra a opressão e as injustiças de que é vítima. Não é por acaso que seu lema é “Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro”. Aliás, o facto de ter sido criado dentro do directório acadêmico da Faculdade de Filosofia e Letra, decerto, comprometeu-o com a educação e com a qualidade dramatúrgica.
O Grupo fez do teatro uma trincheira de resistência contra a opressão da censura política, em 1967, até os mais refinados métodos de pressão económica, típicas do capitalismo. Fez do teatro a arma na luta pela cidadania. Ao longo dos 39 anos montou palcos, onde não havia nada, saiu à rua para levar teatro aos bairros suburbanos e rurais. Nos últimos 20 anos, tem se dedicado sistemáticamente a abrir as portas do teatro para o povo, coisa que antes não acontecia. Para muitas sociedades a arte é ainda um produto para o consumo das elites. Pois para estas o pobre deve preocupar-se apenas em alimentar a barriga. Este projecto rompeu ciclo e desmontou o tabu. Deu para perceber que o homem do morro também gosta de bom teatro. Digo, de bom teatro, porque há muita coisa por aí que não o é. Pode ser tudo menos bom teatro.
O Grupo Divulgação montou peças de autores como Sófocle( Édipo-Rei); Garcia Lorca, (Bodas de Sangue, Yerma, A casa de Bernarda Alba); Moliére (O Burguês Fidalgo, Escola de mulheres); Máximo Górki (Pequenos Burgueses), Tchekhov (O jardim das cerejeiras), Shakespeare (Mercador de Veneza); Miguel Cervantes (Cervantina); Maquiavel (A mandrágora) e etc. Peças que inflamavam o eco da elite passaram a ser vistos pelos cidadãos comuns.
Escolas e comunidasdes carentes têm nos espectáculos diálogos com a cultura. Uma recente pesquisa em escolas mostrou que estudantes que não eram capazes de dizer o que já tinham lido, sabiam perfeitamente falar sobre o espectáculo que tinham assistido. Adolescentes, estudantes universitários e cidadãos de terceira idade têm subido ao palco pela primeira vez em espectáculos.
Através do projecto “A Escola vai ao teatro”, projecto de extensão universitária, as escolas da cidade, sobretudo, da periferia têm acesso aos espectáculos do Grupo. Escolas inteiras se inscrevem e no dia indicado eles aparecem para assistir a peça, acompanhados pelos professores. É um dia de festa! O teatro de 210 lugares fica lotado. O teatro passou a ser uma discilplina obrigatória, a partir do momento em que o aluno depois da peça deve fazer um relato sobre o que viu. Esse contacto está na base do aumento do número de inscritos em cursos e oficinas do grupo. Seminários denominados “Os caminhos do teatro” realizados duas vezes por anos trazem para a cidade autores, actores famosos e estudiosos das artes dramáticas para juntos reflectirem sobre o fazer teatral.
Contraiamente à telenovela que transforma o público em telespectadores, o teatro converte o público em actor, participando activamente no desenvolvimento da história. Contribui com emoções, com gragalhadas, assobios, palmas para o espectáculo, que dele tanto depende para atingir o seu fim.
O Grupo tem preocupações em organizar cursos de teatro para professores de literatura, porque acredita que um bom professor tem que ser um bom actor. Porque só assim poderá transmitir e atrair o aluno para a disciplina de literatura.

Qualidade das encenações: Anualmente são encenadas quatro peças duas em cada temporada. Cada temporada comporta uma peça infanto-juvenil e outra para o público adulto. As temporadas duram cerca de 3 meses e os actores seleccionados de teste antecedido de um curso de introdução ao teatro são obrigados a particicipar na produção de cenários, adereços, figurinos etc. Tudo é feito com redobrado zelo e esmero, aí reside o segredo de ser uma coleccionadora de prémios de teatro ao nível de todo Brasil.
O Grupo divulgação é uma verdadeira oficina de formação e educação da nova geração. Suas peças têm sempre como objecto a educação através do questionamento. O despertar da consciência do homem face ao seu destino. Despertar-lo da letárgia.
Quanto aos ensaios: Duram cerca de 3 meses: de Segunda a Domingo. Muitos irão considerar este tempo muito longo, sobretudo porque cá entre nós, durante um ano um grupo é capaz de fazer mais de cinco estréias. Mas não acredito que o artesão da peça, “o Pensador”, convertido em símbolo da Cultura Nacional, o tenha concluído em 24 horas.
Arte exige paixão, inspiração, transpiração, comprometimento, sacrifício. Porque o actor contribui de alguma forma para a transformação das consciências.
No entanto, a melhor forma de fazer-teatro é fazê-lo.
“Com as mãos cheias de flores/o coração pleno de amor/A alma repleta de júbilo/Saltimbancos da paixão/Aproximemo-nos do tablado/Altar de Deus e do homem”
CERTOS DE QUE:

“Sempre é preciso sonhar/ Até por instante/ E quando o sonho acabar/ Procure por outro adiante/ Todo dia quando acordar/ Mesmo estando atrasado/ Não esqueça de levar/ Seu sonho sempre embrulhado/ Leve o sonho pra rua/ Faça tudo acontecer/ Viaje até o mundo da lua/ Só depende de você
(Sonho Pirata, Liliana Neves)


------- Palestra proferida durante o Festival Nacional de Teatro realizado em Cabinda em 2001.