terça-feira, 21 de outubro de 2008

No encalço do perfume das Acácias de Benguela

Dois de Agosto de 2004. Por esta altura do cacimbo, dorme-se sobressaltado, quando se tem voo marcado para as primeiras horas do dia. O despertador cumpriu a sua missão, quando eram 4 da manhã. O frio apertava. Cheguei ao aeroporto as 5 Horas.
O avião da SAL partiu as 7H30. Nove passageiros iam a bordo. Rolou na pista e levantou voo. Lá em baixo, no bairro Rocha Pinto já via-se a fila de carros que se dirigiam para o centro da cidade. Imagina-se a tensão dos motoristas mascando a embraiagem.
Quando livres do drama, tem-se uma sensação agradável de alívio, denunciado por um morno sorriso no rosto. Suspenso no ar, a memória acciona o motor de busca de lembranças adormecidas. Desde 1992 que não ia a Benguela. Naquela altura, viajei por terra e guardo com zelo a imagem do soldado que na localidade da Canjala apontou-me uma arma AKM no peito. Segundos duraram uma eternidade. Mas com a paz conquistada, estes são episódios arquivados para a história. O perdão é a palavra de ordem para todos, porém nunca esquecer o passado, pois quem esquece corre risco de repeti-lo.
A chegada ao aeroporto 17 de Setembro ocorreu as 9H45. Dois passageiros exibiram Passaportes com capa cor de vinho. Estremeci. Contrariado mostrei o bilhete de identidade e passei. Que alívio, apenas um falso alarme.
O sol subia no céu ainda coberto pelo cacimbo. No lado de fora, duas senhoras varriam o pavimento com vassouras de palmeira. Uma delas tinha a perna coberta por um lenço. Não vi sequer um papel sendo carregado pela brisa matinal.
Subi até ao restaurante que fica no primeiro piso. O esmero e a cordialidade das moças durante o atendimento aguçam a fome. Na pista, aterra um outro avião da Air Gemini. Depois mais três aeronaves ligeiras. A paisagem adjacente é coberta por capim seco. No horizonte, uma cadeia de montanhas formando uma cordilheira ainda translúcida no cacimbo matinal. Uma voz masculina chama pelos passageiros com destino a Luanda.
Como aves que adivinham um temporal, todos os aviões partem, apenas um fica em terra. Este jamais voltará a bater as asas. Algum infortúnio, quiçá, num poiso ou numa descolagem deixou-o com a parte da fuselagem danificada. Lembro-me da canção Iumbi-Iumbi do Planalto Central: “Kaquelé Katchibambaá ... tuendeéé... Iumbi-Iumbi levanta voo e vamos...”
Na estrada para Lobito fui saboreando a paisagem e os benguelenses. A nova ponte sobre rio Cuporolo está a ser erguida, vêem-se os suportes de betão.

SUOR SOBRE METAL ENCANDESCENTE

Meia hora depois chega-se ao destino. Os estaleiros da Sonamet ficam na entrada da Restinga. Criada em 1997, a Sonamet é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito angolano, cujos accionistas são Stolt Offshore(55%), Sonangol(44%) e Wapo Internacional(5%). Desde a sua constituição, a empresa fábrica oleodutos e gasodutos enrolados, tubos agregados, torres de elevação e bóias de exportação.
Vinte cinco por cento dos 800 trabalhadores são expatriados entre índios, paquistaneses, franceses e portugueses. Houve alturas de muito trabalho que chegou a ter cerca de 1700 trabalhadores. Esta é uma das duas empresa do Lobito, a par do Porto local, que mais gente emprega.
Tem escola de formação para caldeireiros (técnicos que fazem e montam as estruturas de metal) e soldadores. Vinte cinco alunos frequentam o curso cuja duração é de 6 meses.
“Mas há alunos que com 4 meses estão preparados para executar qualquer tarefa”, segundo o português Avelino de Sousa.
Avelino de Sousa já esteve no projecto Sanha Condensados, no Bloco Zero, gaba-se de estar a “formar homens que serão capazes de enfrentar qualquer desafio”.
A disciplina, a higiene e seguranças fazem parte do quotidiano. A empresa tem uma fábrica de acetileno e o carbureto(vulgo cal) resultante da produção é aproveitado pelos trabalhadores para pintarem as paredes de suas casas.
Aqui o trabalho começa cedo, as 7 horas. Numa das áreas estão a fabricar o boatlanding (acostamento) para o Kizomba B que está a ser construído na Coreia do Sul. Têm ainda obras para o projecto Dália. Tudo aqui é pesado. Basta ver que o seu guindaste é capaz de levantar 450 mil kg. A barcaça DLB1 atracada ao largo levantava 600 toneladas quando nova, hoje de tanto peso apenas suporta 450 mil Kg. É a assim a vida. Vamos perdendo alguns dotes com o desgaste provocado pelo uso.
Obras são várias: pernas para jaqueta, Deck para o Kizomba. No sector de fabricação de bóias (uma espécie de tanque flutuante) já foi produzida a maior do mundo com 23 metros de diâmetro e 8 metros de altura, para o Kizomba A. A outra com igual dimensão será concluída em Março. A primeira a ser concluída foi para o projecto Girassol e tinha 18 metros de diâmetro e 8m de altura. A fabricação de uma bóia dura 12 meses, diz o engenheiro indiano Appu, há 6 anos na Sonamet.
As âncoras de sucussão são fixadas no fundo do mar para prender as bóias e os navio. São necessários 30 dias para ser construída. A chapa com que é feita tem cerca de 10 centímetros de espessura. Imaginem tornar cilíndrico este material. Há locais em que a soldadura é feita a 200 graus centígrados. Até as botas queimam, apesar da protecção do corpo. Lá apenas trabalham indianos que são especializados no assunto que recebem 5 litros de água antes da empreitada. A soldadura é especial. Antes era feita no exterior, mas com decisão o produto sai 10 vezes mais barato.
Ao lado do estaleiro da Sonamet, está a fábrica Tecnip, vocacionada para a fabricação de umbilicais. Os tubos que transportam o petróleo das profundezas do mar até a superfície. Lá iremos em outra oportunidade.
E a visita termina. Devolvo ao guia, as botas, o capacete de segurança e os óculos de protecção. Ele chama-se Avelino Epalanga, formado em mecânica, já esteve na África do Sul e na Correia do Sul. Forte e de altura média, trabalha na área de segurança há 3 anos e está feliz por ter recebido o primeiro filho. Como qualquer pai, tece planos para o seu menino.
Agradece a Sonamet pelo emprego e lamenta o facto de não existir outras empresas a funcionar para atenderem a procura. Fala da Fábrica de cimento. Para ele, a sua operacionalidade provocaria uma “grande revolução” na actividade do Porto e do Caminho de Ferro de Benguela. “Empresários sul africanos estavam interessados em reactivá-las, mas...” interrompe e mímica dos lábios encarregara-se de completar a comunicação. “O mesmo aconteceu à fábrica de papel”, conclui desanimado.

ALMOÇO, CAFÉ E DOSE DE BAGACEIRA

Perto da Sonamet fica a Pensão Alvorense. O director da Sonamet o francês Marc Guinard fala de novos projectos da empresa e de sua família. Anuncia a chegada da mulher e dos filhos.
Calmamente num português soletrado fala da perspectiva que visa aumentar a capacidade fabril e de carregamento. Para efeito a empresa está a investir de forma faseada cerca de 20 milhões de dólares, (sendo metade para este ano e a outra prevista para 2005), na expansão do seu estaleiro.Com esta acção, barcos de grande porte poderão atracar sem dificuldades.
Na mesa bife, pizza, massa, salada, pudim, refrigerante, Água Keve, café e uma dose de bagaceira local. Tudo por 1200 kwanzas. O café é importado. E o nosso, perguntei? O garçom não soube responder. Lembrei-me da promessa feita pelo ministro da Agricultura Lutukuta, por altura do lançamento dos leites Kamba da Latiangol. De acordo com o ministro, para o relançamento da produção era importante o incentivo ao consumo interno a fim de contornar o preço baixo do produto no mercado internacional. Lembre-se que uma tonelada custa cerca de 300 dólares. Se o quadro não se alterar, a fama granjeada por localidades como Gabela, serão apenas emblemas na memória do tempo.
Sobre a bagaceira, ocorreu-me perguntar pela antiga Fábrica Angolana de Vermutes e Licores. Soube estar paralisada há bastante tempo.
O açúcar também é importado, antes existia aqui perto uma açucareira. O processo da sua reactivação talvez ande esquecido em alguma gaveta. Nem sei quem venceu o leilão.
Na rua, à caminho do aeroporto, muitos carros com volante à direita. Para o André Tchivela, o motorista que me transportou em Benguela, a decisão do Governo em proibir a sua circulação vai criar problemas para os cidadãos. “Os carros vindos da Namíbia dão uma grande ajuda e têm bons motores”, estima. Mas o Governo justifica a decisão com o número de acidentes fatais.
Do lado de fora do aeroporto, estão dois engraxadores. Uma senhora mestiça, diz ir a Luanda para tratar dos dentes, apesar de ter medo de andar de avião. Outra benguelense, Iola, reside hoje em Luanda. Diz ter ido a Benguela para visitar a mãe que andava doente. Fixou residência em Luanda pelo facto do marido estar na capital e também porque encontrou oportunidade de emprego. Com dois filhos, a esperança é voltar a Benguela, quando for inaugurada a fábrica da Coca-cola. Teme ganhar menos, mas o problema habitacional desaconselha decisão contrária. A sala de embarque está vazia, apenas algumas filas de cadeiras de plástico.
Partida acontece as 15H10. Com a aproximação da capital a aeronave reduz a altitude. Por esta hora, o sol pinta telas impressionistas na paisagem semi-árida.
Chego a Luanda as 16H20. Termina a viagem. Chega a hora de enfrentar dribles dos taxistas, o engarramento e o stress. Ligo o rádio do carro e prolongo momentaneamente o êxtase vespertino como espumas que ficam na praia a cada calema. “Quero falar de uma coisa/ Adivinham onde ela anda/ Deve estar dentro do peito ou caminha pelo ar/ Pode estar aqui do lado/ Mas perto que pensamos/ ...” Agradeço a Milton Nascimento pela canção e a Deus pela viagem!

P.S. Reportagem publicada no Jornal de Angola em Agosto de 2004

Reencontro com Cabinda no caminho do petróleo

Para conhecer-se um elefante, basta andar! E foi andando que o homem descobriu a natureza e frutos que dela pode colher! A 300 km da costa angolana, existem plataformas com uma altura comparável a de um edifício de 6 andares, hotel para 180 pessoas. Telefones, água doce, energia eléctrica 24/24 horas e emissão de TV. Outro espanto é perceber como se explora petróleo no mar a uma profundidade superior a um quilómetro. Só visto!
São 9 da manhã! O tempo corre. Esta é a segunda vez que viaja para a província de Cabinda. A primeira ocorrera em 1984 integrado num grupo de finalista da antiga Escola Político-Militar Comandante Jika, em Luanda. Na altura, desembarcou no aeroporto da cidade e foi logo transportado por um camião de marca Ural.
Ao sair da cidade a caminho do município do Belize, por volta das 22 horas, os ocupantes do camião foram colhidos por uma chama que fez reluzir as coronhas das armas. Os olhos, que procuraram em vão alvos na densa floresta, foram encandeados pela chama. Nas narinas, o cheiro do óleo. Era o petróleo de Malongo!
Vinte anos depois estava de regresso. A companhia é outra e as preocupações também eram diferentes. Vinha como jornalista conhecer melhor o mundo dos petróleos. Sem fusil nem a preocupação de antanho, apenas trazia um bloco de notas e uma lapiseira. O cenário, este continua o mesmo. As tochas continuam acesas como que em monumentos históricos assinalando um feito heróico de inigualável valentia. Apenas ele mudara, crescera e deixara sonhos e ilusões à berma do caminho como restos de cigarros abandonados na borda do cinzeiro. A paisagem, esta continua a mesma: verde!
As sondas disseminam-se mar adentro. Ao anoitecer, as tochas acesas denunciam uma cidade flutuante sobre a orla marítima. Um verdadeiro caleidoscópio captura os olhares. Mas parte desse espectáculo tem seus dias contados. Em 2005, a queima de gás durante a exploração petrolífera vai ser reduzida. Para o efeito, a ChevronTexaco e suas associadas do Bloco Zero investem 1,5 biliões de dólares, para levar avante empreitada. O projecto implicará a recolha de gás associado e não associado dos Blocos Zero, 2, 14, 15, 17 e 18. A liquefacção do gás será feita numa instalação em terra, do tipo via única, com capacidade para 4 milhões de toneladas por ano. Esse produto será depois vendido nos mercados europeus e norte americano. Em 2006, não se queimará mais gás. Para além dos ganhos em receitas, os benefícios ambientais serão significativos. Por outro, muitos desempregados, que hoje vêem suas esperanças encalhadas, vão poder soltar o papagaio e sonhar.

ENCONTRO COM MUNDO DOS ÓLEOS

“Descoberto mais um poço de petróleo em águas profundas”. Assim têm sido as manchetes nos órgãos de comunicação. A notícia não passa despercebida, mas quantos têm a noção da localização geográfica dos blocos, as potencialidades das reservas, bem como a complexidade tecnológica que envolve a exploração, sobretudo em águas profundas? Já se chegou a confundir Benguela e Belize, localidades de Angola com as dos poços. Por isso os técnicos dos petróleos queixam-se dos equívocos da imprensa. É para prevenir embaraços que falhas do género provocam que a ChevronTexaco levou a Cabinda um grupo de jornalistas.
Depois de desembarcar no aeroporto de Cabinda, os profissionais da imprensa visitaram vários projectos sociais realizados pela multinacional americana em Angola. A primeira foi a escola Patrice Lumumba, inaugurada em 2001. Esta possui nove salas apetrechadas e funciona em três turnos. É hora de aulas. Em cada sala cabem 40 crianças. Ao verem entrar os visitantes, erguem-se dos assentos e em uníssonos dão as boas vindas: “Bom dia senhores....”. - Qual é o vosso sonho? Ouviram-se várias vozes: “engenheiro, médico, piloto... E o grupo saiu perseguido por olhares carregados de esperança.
Em plena hora de trabalho, viam-se muitas pessoas nas ruas. Nada difere do que ocorre nas demais províncias. É a síndroma do desemprego. A ChevronTexaco consciente desta dificuldade tem apoiado empresas locais. E com base em parcerias entre empresas nacionais e estrangeiras, a multinacional apoia esforços no sentido de relançar a actividade económica na província, fazendo com que muitos produtos e serviços hoje fornecidos por empresas estrangeiras possam ser prestados por nacionais.
Na bomba de abastecimento de combustível, a fila é enorme. Há falta de gasolina. A Cabinda Golf para suprir as suas necessidades instalou uma mini refinaria em Malongo, que produz cerca de 16 mil barris de gasóleo e fuel para os seus helicópteros. A empresa também produz gás, que serve para atender as necessidades do mercado local e exportar para o Brasil. A presença da ChevronTexaco faz-se notar para além dos campos de petróleos. Escolas, residências para professores e enfermeiros, piscina, centros médicos, maternidades, dioceses, condomínios, instalações para a associação de pescadores, fomento agrícola e outros projectos espalhados em toda extensão da província levam a sua marca. Anualmente, mais de 12 milhões de dólares são canalizados para projectos comunitários em todo país.
Ao passar por alguns empreendimentos em execução, ouvem-se queixas devido ao incumprimento dos prazos na entrega das obras. “Mas nós condescendemos, procuramos fazê-los compreender a situação”, diz um dos funcionários da multinacional.


MALANGO É UMA CIDADE À PARTE

Malango é uma cidade à parte, cercada por arame e habitada por gente de vários quadrantes. Diz-se que lá até existem pacaças, que andam tranquilamente sem temer a acção de caçadores furtivos.
Malondo tem escola de formação, um refeitório que atende mais de 2500 refeições/dia. Possui clínica e campos de jogos. Lá trabalham mais de 2 mil cidadãos nacionais e cerca de 300 expatriados.
O verde cobre a paisagem. Depois do almoço, os visitantes partem de helicóptero para o alto mar. Mas antes a preocupação com a segurança. Capacete, tapadores de ouvidos, colecte salva-vidas, óculos e botas. Não querem quebrar o recorde. Desde 1999 que não se regista qualquer acidente.
Um angolano e um americano formam a dupla de pilotos. É o processo de angolanização em curso no sector. O decreto 20/82 exige 70 por cento de angolanos nas companhias petrolíferas. A respeito a ChevronTexaco diz que a nível de quadros superiores já alcançou os 67 % e a de técnicos médios os 100%. A satisfação é indisfarçável ao ver angolanos como Daniel Rocha a exercer o cargo de director do Departamento de produção da multinacional americana.
O helicóptero levanta vou e a viagem dura mais de 30 minutos. Suficientes para alguns adormecerem ademais depois de um almoço cheio de iguarias.
Na sonda Sanha Condensados jovens angolanos impressionam qualquer visitante, pela maneira profissional como executam as suas atribuições. Trabalham lado-a-lado com colegas seus estrangeiros. A comunicação se processa em Inglês. Estes jovens permanecem no mar 30 dias e trabalham de dia e de noite. “Enquanto dormimos ele trabalham”. Não há tempo de descanso. Está tudo cronometrado. Basta ver, por exemplo, que o aluguel de um guindaste fixador de sondas custa 450 mil dólares/dia. Qualquer falha ou atraso acarretaria prejuízos avultados.
Os olhos enchem-se de surpresas. Algumas sondas têm uma altura comparável a de um prédio de 6 andares. No Takula existe um hotel para 180 pessoas. São autênticos edifícios. A estrutura é firme como se estivesse em terra. Tem luz e água canalizada. “A luz aqui não vai”, diz um dos operadores. A tecnologia usada é de ponta, em alguns casos Angola é o segundo país depois do EUA onde a mesma está a ser usada.
Os investimentos são avultados e os resultados espectaculares. Em 1966, eram exportados 3 mil barris hoje esta cifra atinge 4,5 milhões de barris carregados de dois em dois dias. Basta ver que em 2002 a produção da ChevroTexaco foi de 626,664 milhões de barris dia, dos quais 50% exportados para os Estados Unidos da América. Nemba produziu em 2003, 48 milhões de barris. A produção actual é de 132 mil barris/dia.
Segundo informações colhidas no local, parte daquela estrutura de ferro pesado das sondas é feita em Angola, nos estaleiros da Sonamet no Lobito. Chega a hora da partida. O superitendente Emanuel Leopoldo despede-se dos visitantes. Naquela altura, o sol era apenas uma bola de morna. Do Sanha Condensados os visitantes partem directo para o aeroporto. Chegam a Luanda por volta das 19 horas. Sob as luzes da cidade, os luandenses regressam a casa.
Antes do sono chegar, os excursionista passam em revista os dados memorizados: O país terá, o maior navio do mundo para armazenar gás em estado líquido. Já está em construção na Coreia...Próximo mês de Outubro Bomboco vai começar operar. Em Angola, a ChevronTexaco e suas associadas a maior produtora de petróleo. Composto por 36 campos principais, incluindo Tacula e Malongo, a produção média do Bloco Zero é de 400 mil barris de petróleo por dia. No Bloco 14, desde 1997, fez nove descobertas. A produção actual é de 85 mil barris/dia. No Bloco dois, perto da foz rio Zaire, 47 mil barris de petróleo/dia são extraídos em águas profundas.

P.S: Essa Reportagem foi escrita e publicada no Jornal de Angola em 2004

Culturas e dicotomias

A música brasileira, sobretudo a MPB, a Sertaneja e o Samba eram as preferidas daquela casa nocturna da cidade de Juiz de Fora-Minas Gerais denominada Paiol. Nome sugestivo!... Homens e mulheres de várias idades buscavam no balançar dos corpos o prazer de estarem ainda vivas. Havia música ao vivo e muita animação. Nos intervalos, punham música de aparelho.
Na noite, dançava Roberta Miranda, Roberto Carlos, Vando, sertanejas, sambas, pagodes... De dia na Faculdade, essa música era brega. E ninguém queria ser brega. Nas conversas, na cantina, falávamos de Caetano Veloso, Djavan, Betânia, Carolina, Paralamas e de Netinho... Ai Raul Seixas e a sua metarmorfose ambulante. “Tente outras vez”. “Eu nasci há dez mil anos”. E Renato Russo, Cazuza e Sepultura!
Vivia assim entre várias realidades, várias culturas, várias dicotomias: O morro e a baixa, o centro e a periferia, Angola e Brasil, o negro e o branco, a faculdade e o analfabetismo, a riqueza e a pobreza, enfim, o clássico e o popular, o moderno e o tradicional, o sagrado e o profano. Como ébrio, subia e descia vários universos sem sequer distinguir as linhas ténues que limitavam as suas fronteiras.
Saía à madrugada do Paiol e caminhava despreocupado em direcção ao morro. Cruzava com outros amantes da noite. Juiz de Fora era minha de ponta-a- ponta. Um pobre gemia de frio na calçada. Aproximei-me para ajudá-lo. Em farrapos dormia ele, a esposa e um cachorro. É pobre e ainda tem cachorro! Coitado do cão! Qual dos dois irá sobreviver? O homem pediu um dinheirinho, segundo ele, para combater o frio. Corri até a casa, busquei um cobertor e dei-lho. Segundo um provérbio angolano, o macaco gosta de dar, o problema é o tamanho da mão.
Na noite seguinte, passei por lá. Ele gemia novamente, mas de bebedeira. A voz saía pastosa. Rapaz, um negão roubou-me o cobertor. Aldrabão! Trocou o cobertor por cachaça “Velho Barreiro” e a garrafa vazia espreitava entre os seus farrapos. Dar esmola pode ser uma forma de atrair mais gente pobre para às ruas.
Durante a noite, atravessava várias vezes o Paraibuna em busca de melhor espaço de dança. Ao ver a minha sombra sobre as águas calmas do Paraibuna, lembrava-me do rio da minha infância, o Mazungue da Gabela, que tal como o Paraibuna vivia transformado em esgoto. “Cada aldeia tem um rio e todos os rios se parecem”...escreveu o professor José Luiz Ribeiro.
Mas o Paraibuna tem apoios, até foi criado um grupo para a sua defesa. Procuram através de programas harmonizar a convivência entre a cidade e a natureza. Um convívio sempre marcado por vários sobressaltos. É do rio onde retiram areia para a construção civil, enquanto outros jogam lixo no seu leito. O rio fica triste e os ambientalistas também.
Nisto de tristezas, todos nós temos um rio de mágoas correndo por dentro. São tristezas individuais, colectivas, regionais, locais. Enfim, tristezas partilhadas.
Depois do silêncio eterno de Renato Russo, segui com lágrimas as imagens da morte da Banda “Mamonas Assassinas”. Regressava de um espectáculo em Brasília, quando o avião caiu antes de aterrar no aeroporto de Guarulhos, S. Paulo. O grupo fazia sucesso no Brasil e no mundo, quando a morte chegou.
Eu preciso te falar, /
Te encontrar de qualquer ­jeito .../
Já não dá mais prá viver, /
Um sentimento sem ­sentido... /
Cantaria Tim Maia naquela noite, mas assim o destino não o quis. A banda tocava os primeiros acordes, quando o cantor abandonou o palco. O seu vozeirão calou-se, mas o eco persegue os amantes da sua música.
Eu preciso descobrir /
A emoção de estar contigo, /
Ver o sol amanhecer./
E ver a vida acontecer /
Como um dia de Domingo/
Paulo, da dupla Paulo e Daniel não viu o sol amanhecer. Regressava a casa no seu BMW zero quilómetros, quando este saiu da pista, capotou e pegou fogo. Deixou uma filhinha e uma carreira promissora. Órfão, Daniel segue a carreira a solo. Sempre que o vejo lembro-me do Paulo e das imagens do acidente.
Na ponta final do curso, ocorreu a morte da Princesa Diana. Lágrimas. Ela havia acabado de visitar Angola, no âmbito da luta contra as minas anti-pessoais. O Mercedes Benz em que seguia embateu violentamente contra um pilar de betão, quando era perseguido por paparazzis. O incidente reacende a discussão em torno da ética do jornalismo.
Depois foi a morte do medianeiro do processo de paz Alioune Blond Beye. Foi também de acidente, mas de aviação. Ficámos a olhar a chuva a cair do telhado e um mau pressentimento a descer-nos a garganta. O reacender da guerra está para breve? ... E imitando um personagem da peça teatral “A Escada de Jacó” repetia: a vida nos reserva muitas mágoas...
Velhinha, tinha cabelos de algodão e mãos retorcidas pelo tempo. No seu quarto semi-iluminado, mergulhava num monólogo imperceptível. Falava, discutia e gesticulava. Cantava canções de embalar. Quantas crianças brotaram do seu regaço? Cruzava com ela no corredor, mas Dindinha não dava por mim. Será que ela sabia da minha existência?
A velha, carinhosamente chamada por Dindinha, era a mãe da dona Maria Márcia. Certa vez, ao chegar à casa, encontrei um ambiente nebuloso. Dindinha tinha morrido. Me imaginei sem mãe. Como seria viver sem mãe e sem pai? Afinal, acabamos todos como filhos de chocadeira! Os irmãos de hoje, talvez sejam amanhã apenas simples companheiros de viagem. Que tristeza!...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

As promessas do Pai-Grande!

Quinta-feira é um dia especial. Às quintas publicava minha crónica no Jornal de Angola. Também às quintas escrevia o editorial reservado à Página de Economia do mesmo Jornal. E hoje continua sendo especial. Neste dia da semana saio de casa a pé e percorro aquele que denomino o “trajecto da fé”. Nesse espaço, vivi momentos marcantes de minha vida como cadete da Escola Político Militar. Foram no total cinco anos. Estudei marxismo e acreditei na possibilidade de se construir uma sociedade mais justa e harmoniosa. O Muro de Berlim desabou, mas eu continuo acreditando. De manhãzinha vou dar aulas de jornalismo e à tarde participo da radionovela da RNA. Tudo por prazer! É pois um dia em que sou mais eu. Faço o que mais gosto. Moldo o mundo a meu jeito. É-se protagonista e não expectador.
Hoje de manhã sai do Bairro Cassenda caminhando tranquilo, quando avistei dois cartazes pregados atrás de um grande outdoor. Em baixo do mesmo, vinha escrito “Vote 11”. O rosto do presidente da Unita Samakuva parecia céptico. Parei e olhei fixamente nos seus olhos. Pelo menos assim me parece depois que os resultados foram divulgados, dando vitória ao partido MPLA com mais de 81 por cento. Tem um olhar incrédulo, se calhar nem mais acredita na vitalidade do partido que ele dirige. Agora concordo com a decisão do Governo da Província de Luanda de retirar a propaganda das ruas depois das eleições. As mensagens acabam sendo extemporâneas, destorcidas pelo tempo e pela nova realidade.
Atravessei a rua perto da Escola Jika e procurei espreitar sobre o muro. Não havia sinais da antiga escola. O busto do Comandante Jika talvez ande algures. Queria entrar e retirar uma daquelas pedras ou pedaços de tijolos espalhados no chão. Queria guardar a lembrança em alguma prateleira lá em casa. … O olhar do segurança deixou-me nas intenções. Não queria arrumar sarilho. Agora pensava na fé, quanto fui interceptado por uma jovem que me fez a entrega de um pequeno anúncio:
“Atenção. Chegou em Angola o homem que desfaz qual quer feitiço. Pai grande.
Faço tratamento. Se você tem: Cabeça aberta, jiba, bicho na barriga perdeu a potência, não faz filho. Venha se tratar com o pai grande. Temos o medicamento certo Para o seu problema. Ligue já e marque a tua consulta. Primeira consulta é grátis”.
E em baixo vinham sete terminais de telemóveis da empresa Unitel. Pai-Grande tem bué de contactos. Estes telefones são todos dele? Ou é de seus assistentes? … São muitos!!!
Li e fiquei a rir à-toa. Essa moça me escolheu porquê? Será porque tenho cabelos brancos? Vou já cortá-lo logo. Cabeça aberta? Ah, tenho cabeça aberta, penso pra caramba! Mas isso não é doença. Não sofro se jiba, bicho na barriga? Eh, isso é quê!… Se forem vermes estes saem com Albendazol, não preciso recorrer ao Pai Grande. Filhos tenho …
Pai Grande obrigado pela oferta, procure outra presa!